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Reforma tributária

Como o novo Imposto de Renda deve aumentar a carga tributária das empresas

Imposto de Renda
Pela proposta do governo, carga tributária sobre o lucro após distribuição subirá de 34% para 43,2%. (Foto: Pixabay)

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Apesar da previsão de reduzir a alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), o conjunto de mudanças proposto pelo governo na tributação de empresas deve, na verdade, aumentar a carga global sobre as operações corporativas. A taxação de dividendos e o fim dos juros sobre capital próprio (JPC) não seriam compensadas pelo corte proposto para o IRPJ e podem fazer com que a carga total sobre o lucro suba de 34% para 43,2% até 2023.

Para tributaristas ouvidos pela Gazeta do Povo, o governo errou na calibragem entre os diferentes mecanismos de tributação, e isso pode acabar desestimulando a atividade econômica caso o texto passe no Congresso como proposto.

“Quando a gente calcula a carga tributária global sobre a operação da empresa – principalmente para as de pequeno e médio porte, em que o empreendedor depende da distribuição de lucro para poder sobreviver –, acaba-se tendo um aumento de custos”, explica o consultor tributário Luís Wulff, CEO do Grupo Fiscal do Brasil (GFBR) e do Tax Group.

Considerando o IRPJ atual de 15% mais o imposto adicional de 10% para lucro acima de R$ 20 mil e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de 9%, uma empresa tem hoje uma tributação efetiva de 34% sobre o resultado. Como não há taxação sobre dividendos, na distribuição dos lucros os acionistas ficam com 66% do resultado inicial.

Com a mudança que o governo propõe, a alíquota nominal (IRPJ e CSLL) cai para 29%, mas os 71% restantes do lucro serão tributados na distribuição dos dividendos em mais 20%, o que fará com que o caixa recebido pelo acionista equivalha a 56,8% do lucro antes dos tributos – ou seja, os impostos “comeriam” 43,2% do resultado. “Tributa-se duas vezes: primeiro com o IRPJ e depois quando vai passar para a pessoa física, tributa-se de novo nos dividendos.”

Segundo cálculos do Ministério da Economia, a tributação sobre dividendos deve gerar um aumento de arrecadação para a União estimado em R$ 18,5 bilhões para 2022; em R$ 54,9 bilhões para 2023; e em R$ 58,15 bilhões para 2024.

Wulff defende que, ao se propor taxar dividendos, a proposta deveria prever uma redução maior na alíquota do IRPJ. “Ou ampliar a faixa de isenção de dividendos para mais do que R$ 20 mil mensais, pelo menos”. No projeto de lei enviado à Câmara, o governo sugere uma redução de cinco pontos porcentuais no IRPJ em dois anos (2,5 em 2022 e 2,5 em 2023), mas o Ministério da Economia ainda estuda a possibilidade de aplicar o corte de cinco pontos de uma vez, já no ano que vem.

“É provável que, nesse modelo, ocorra um fenômeno, já em andamento no Brasil, chamado de ‘pejotização’, em que o empresário abre várias empresas para se beneficiar da faixa de isenção. Ou mesmo outros mecanismos, como as empresas passarem a custear despesas pessoais dos sócios, como a escola das crianças, uma viagem, coisas que não são da base de cálculo da pessoa jurídica”, diz Wulff.

Para ele, a situação fica mais grave uma vez que o governo prevê, por outro lado, uma redução nas alíquotas do imposto sobre produtos do mercado financeiro. Operações em bolsa de valores, em mercados à vista, a termo, de opções, futuros, day trade e cotas de fundos de investimento imobiliário (FII), além de investimentos em renda fixa, fundos abertos e fechados (multimercados), passarão a ter taxa fixa de 15%.

“A pergunta que eu faço é: vale mais a pena abrir um negócio ou investir na bolsa de valores? Se você fizer um cálculo matemático simples, é muito mais interessante investir na bolsa e ter uma tributação de 15% do que precisar se incomodar em abrir uma empresa, ter funcionários, produtos, trabalhar 14 horas por dia, e assim por diante”, compara. “A proposta parece que veio ajudar muito os bancos, as corretoras e os profissionais que operam no mercado financeiro, mais do que empreendedores de fato, que geram emprego. Quando o dinheiro ficar no banco é mais barato do ponto de vista fiscal do que investi-lo em um negócio, desestimula-se totalmente o empreendedorismo.”

Tributação de dividendos se alia a países desenvolvidos, mas eleva a carga

O advogado tributarista Eduardo Muniz, da Bento Muniz Advocacia, explica que a ideia de se tributar dividendos está alinhada às práticas adotadas pela maior parte dos países desenvolvidos. “De certo modo, isso faz com que as empresas reinvistam mais os lucros do que o distribuam. Mas, do ponto de vista do impacto, certamente haverá aumento da carga tributária, porque a diminuição na alíquota do IRPJ é muito pequena comparativamente à da distribuição de dividendos.”

Ele defende ainda que o governo poderia ter aproveitado a oportunidade para estabelecer um sistema de progressividade na taxação de dividendos.

“Quando você tributa com uma alíquota de 20%, não está aplicando o princípio da capacidade contributiva. Um minoritário, que tem 10% de uma sociedade, é tributado com o mesmo porcentual que o majoritário, que detém 90%”, exemplifica o tributarista. “No meu entender, o princípio constitucional da progressividade como instrumento da capacidade contributiva deveria ter sido utilizado e não foi. Quem ganha mais, paga mais. O sistema proporcional, no final das contas, acaba sendo regressivo.”

Fim dos juros sobre capital próprio deve impactar sociedades anônimas

“Um aspecto não tão bom do projeto para a pessoa jurídica é deixar de usar o instrumento dos Juros sobre Capital Próprio [JCP], que acaba diminuindo a base de cálculo do IRPJ”, avalia o professor de contabilidade financeira e tributária da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Murillo Torelli Pinto. “Era uma coisa brasileira, um evento tupiniquim”, explica.

O projeto de lei do Ministério da Economia prevê a extinção do mecanismo. Também uma forma de distribuição de lucros entre acionistas, o JCP difere dos dividendos por ser tratado como despesa no resultado da empresa, de modo que o pagamento de tributos cabe ao investidor. O instrumento surgiu em um contexto em que havia dificuldades para as empresas terem acesso a crédito no setor financeiro.

“Foi uma figura jurídica construída para que os sócios refinanciassem a empresa e recebessem juros sobre esse refinanciamento”, explica o advogado tributarista Eduardo Muniz. “É muito utilizado sobretudo nas empresas constituídas como sociedades anônimas. A mudança vai trazer um aumento de carga adicional para esse perfil de empresa, e o governo vai dar uma mordida em uma fatia que não vinha sendo tributada.”

Apesar disso, o tributarista considera que a medida é adequada ao momento atual: “É uma técnica de tributação que está mais compatível com a realidade do mercado. Hoje as empresas não se autofinanciam mais, já que conseguem crédito no mercado. Muitas faziam isso para fugir dos impostos. O governo entendeu que não fazia mais sentido manter”.

Redução no prazo para compensação de prejuízo fiscal pode desestimular projetos de longo prazo

Outra mudança prevista é a uniformização do prazo para apuração do IRPJ e da CSLL, que hoje pode ser feita anual ou trimestralmente. A proposta do governo é que o processo seja realizado a cada três meses por todas as companhias. Conforme o projeto, será permitido compensar 100% do prejuízo de um trimestre nos três seguintes. A justificativa, segundo o Ministério da Economia, é “dar uniformidade aos regimes de tributação, reduzindo o tempo gasto para a apuração de impostos, reforçando o caixa das empresas e favorecendo setores impactados por sazonalidades”.

“É uma meia verdade”, avalia Luís Wullf, do GFBR e do Tax Group. “Algumas empresas entram em crises econômicas e demoram muito tempo para se recompor”, explica. “O lucro real anual, da forma como está posto hoje, permite que você consiga melhorar seu fluxo de caixa conforme as receitas vão entrando e, dessa forma, abater os prejuízos do passado. A legislação vigente do Imposto de Renda permite que eu compense os chamados prejuízos fiscais desde 1996. Com a migração para a apuração trimestral, encurta-se muito esse período.”

Segundo o consultor tributário, as maiores economias do mundo trabalham permitindo que empresários abatam prejuízos nos exercícios seguintes para fins de determinação do lucro real. “Algumas atividades não têm uma sazonalidade tão curta. Por exemplo, você vai construir uma usina hidrelétrica, que beneficia milhares de famílias e gera energia elétrica limpa. Esse é um projeto de oito a dez anos, e você não vai poder aproveitar esse prejuízo lá na frente.”

Nem todos os negócios em um ano estão aptos a serem já recompostos em termos de imposto, diz Wulff. “Muita empresa que vai fazer projeto de longo prazo, de infraestrutura, pode se desestimular com esse modelo de tributação”, afirma.

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