A proporção de brasileiros vivendo em extrema pobreza em 2020 foi a menor registrada pelo Banco Mundial em toda sua série histórica, iniciada em 1981. No ano em que teve início a pandemia de Covid-19, a taxa da população nessa condição ficou no patamar de 1,9%, uma queda de 3,5 pontos porcentuais em relação a 2019, quando o indicador estava em 5,4%.
Os dados constam do relatório Pobreza e Prosperidade Compartilhada 2022, publicado pela entidade em outubro. A redução é justificada pelo início do pagamento do auxílio emergencial pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) às camadas mais pobres da sociedade – informais, autônomos e desempregados com renda média mensal de até meio salário mínimo por pessoa (R$ 522,50, à época).
O piso histórico, porém, não durou muito. Estimativas do mesmo Banco Mundial publicadas em julho indicam que o dado de 2020 foi um ponto fora da curva e que, com a redução dos valores do auxílio emergencial, a extrema pobreza voltou a subir com força em 2021 e retornou à casa dos 5%, onde permanece desde então.
“Nos UMICs [países de renda média alta, na sigla em inglês], a pobreza, na verdade, caiu em 2020, impulsionada em parte pelo apoio fiscal de grandes países, como Brasil e África do Sul, que mitigaram o impacto da crise [de Covid-19] na pobreza (e até reduziram a pobreza em alguns casos)”, diz trecho do relatório de outubro.
Desde setembro de 2022, o Banco Mundial considera em extrema pobreza pessoas que recebem até US$ 2,15 por dia, o que equivale hoje a pouco mais de R$ 11. A parcela mensal do auxílio emergencial durante a pandemia foi de R$ 600, o que corresponde a cerca de R$ 20 por dia. Mais de 60 milhões de brasileiros receberam o benefício, chegando perto de 70 milhões em alguns meses. Tanto o valor quanto o público foram muito superiores aos do Bolsa Família – na época, o programa pagava em média cerca de R$ 200 a aproximadamente 14 milhões de pessoas.
Em 2020, o auxílio emergencial custou R$ 322 bilhões à União, mas interrompeu uma tendência de aumento da população abaixo da linha da extrema pobreza que vinha desde 2014, quando a economia brasileira entrou em recessão. Daquele ano até 2019, a taxa saltou 2,1 pontos porcentuais, de 3,3% para 5,4%.
A maior proporção de pessoas abaixo da linha da extrema pobreza, conforme a série histórica do Banco Mundial, foi observada no ano de 1983, quando 30,6% da população encontrava-se nessa situação.
Os efeitos do auxílio na contenção da pobreza extrema já haviam sido observados nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda em 2020. Na época, o Banco Mundial ainda utilizava o valor de US$ 1,90 diários como linha divisora da condição de pobreza extrema.
Já naquele ano, o economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostrou que apenas na passagem de maio para junho, 1,9 milhões de pessoas haviam deixado a condição extrema em razão da ajuda do governo. Apesar disso, ele alertava para a necessidade de cautela na comparação dos dados.
“O auxílio emergencial obteve de logro impedir que houvesse um impacto da crise econômica nos mais vulneráveis. Mas certamente a gente não resolveu o problema da pobreza e da extrema pobreza, isso está bem estabelecido”, apontou o pesquisador à Gazeta do Povo. Ele reforçou que sem o auxílio emergencial haveria perda de renda generalizada em todas as camadas da sociedade.
Por beneficiar os mais vulneráveis, o programa ainda reduziu a desigualdade social no Brasil temporariamente. Com o benefício, o índice Gini, que mede a diferença de renda entre os mais ricos e os mais pobres, caiu a 0,474 em agosto de 2020. Sem o auxílio, o indicador estaria em 0,554 no mesmo mês, segundo os cálculos de Duque.
No relatório do Banco Mundial, o índice Gini do Brasil, que em 2019 estava em 0,535 despencou no ano seguinte para 0,489 – também o menor nível da série histórica, igualmente iniciada em 1981.
Por que a pobreza voltou a aumentar depois de 2020
O valor de R$ 600 do auxílio emergencial, no entanto, durou apenas de abril até agosto de 2020. Em setembro, o benefício foi prorrogado até dezembro, porém em parcelas de R$ 300. No ano seguinte, com a persistência da pandemia do novo coronavírus, foi instituída uma nova rodada de ajuda, porém com pagamentos mensais de R$ 150 a R$ 375, dependendo da composição familiar.
“Tendo diminuído substancialmente em 2020, as taxas de pobreza aumentaram acentuadamente assim que a assistência do governo minguou, tornando evidente a dependência das famílias brasileiras de suporte do estado diante de más condições no mercado de trabalho”, diz trecho de outro documento do Banco Mundial, lançado em julho, intitulado Relatório de Pobreza e Equidade no Brasil: Mirando o Futuro Após Duas Crises.
“Os ganhos temporários de bem-estar de 2020 desapareceram rapidamente e a taxa de pobreza em 2021 aumentou cerca de 6 pontos percentuais. Enquanto isso, estima-se que a desigualdade também aumentou, com o coeficiente de Gini chegando a 0,506 – comparado a 0,474 em 2020. Em conjunto, embora em 2020 uma parcela não negligenciável dos pobres tenha saído da pobreza e famílias vulneráveis tenham ascendido à ‘classe média’, a maioria voltou para seus grupos de renda pré-pandêmicos em 2021”, diz outra passagem do relatório.
Segundo o Banco Mundial, ao fim de 2022, as projeções indicam que a pobreza e a desigualdade podem estagnar ou aumentar ligeiramente, mas permanecerão mais baixas do que no período pré-pandêmico. O crescimento real esperado da economia e a expansão da cobertura do Auxílio Brasil devem ser suficientes para manter a pobreza e a desigualdade abaixo dos níveis anteriores à pandemia, de acordo com a entidade.
“Atualmente, os recursos públicos são usados para atingir uma variedade de objetivos, mas falta uma visão clara e uniforme do objetivo público. Grandes desembolsos por meio de pensões e subsídios para indivíduos cuja renda já é alta exacerbam e perpetuam a desigualdade de renda”, diz o Banco Mundial.
Em outubro, a entidade calculou que a taxa de brasileiros abaixo da linha da extrema pobreza ficou em 5,8% em 2021 e está estimada em 5,1% em 2022: “Depois de aumentar substancialmente em 2021, espera-se que a pobreza diminua em 2022 em resposta a um mercado de trabalho mais forte e se estabilize após o crescimento econômico”. Para os próximos dois anos, projetam-se quedas, para 5% em 2023, e para 4,8% em 2024.
A evolução da taxa de extrema pobreza desde 1980, segundo o Banco Mundial
Veja a seguir a evolução da taxa de extrema pobreza no Brasil desde 1981, segundo o Banco Mundial. As taxas de 1981 a 2020 são efetivas. A de 2021 é uma estimativa preliminar baseada nas informações disponíveis. E os números de 2022 em diante são previsões.
1981 | 23,9% |
1982 | 24,4% |
1983 | 30,6% |
1984 | 29,9% |
1985 | 25,8% |
1986 | 12,3% |
1987 | 19,9% |
1988 | 22,4% |
1989 | 20,4% |
1990 | 24,0% |
1991 | Não disponível |
1992 | 23,3% |
1993 | 22,1% |
1994 | Não disponível |
1995 | 14,7% |
1996 | 16,0% |
1997 | 16,0% |
1998 | 14,3% |
1999 | 15,0% |
2000 | Não disponível |
2001 | 13,0% |
2002 | 11,7% |
2003 | 12,6% |
2004 | 11,1% |
2005 | 10,0% |
2006 | 8,3% |
2007 | 7,9% |
2008 | 6,5% |
2009 | 6,1% |
2010 | Não disponível |
2011 | 5,3% |
2012 | 4,5% |
2013 | 3,7% |
2014 | 3,3% |
2015 | 3,9% |
2016 | 4,7% |
2017 | 5,3% |
2018 | 5,3% |
2019 | 5,4% |
2020 | 1,9% |
2021 | 5,8% (estimativa) |
2022 | 5,1% (previsão) |
2023 | 5,0% (previsão) |
2024 | 4,8% (previsão) |
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