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Contas públicas

Como o Orçamento irreal aprovado pelo Congresso pode travar a máquina pública

A emissão de passaportes pela Polícia Federal é um dos serviços que foram suspensos por falta de verba em parte do governo Temer. Com Orçamento no limite, bloqueio de verbas em 2021 pode paralisar parte da máquina pública. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Por mais dinheiro para obras, o Congresso aprovou um Orçamento irreal para este ano. As despesas obrigatórias, incluindo o pagamento de aposentadorias e pensões, foram subestimadas e cortadas, enquanto as emendas parlamentares foram turbinadas. O resultado será o anúncio pelo Executivo de um contingenciamento (bloqueio de verbas) de dezenas de bilhões de reais, o que deve prejudicar - até paralisar - o funcionamento da máquina pública.

As despesas obrigatórias sujeitas ao teto de gastos no projeto de lei do Orçamento já estavam subestimadas em R$ 17,5 bilhões, antes mesmo da aprovação da peça pelo Congresso. A informação foi divulgada pelo Ministério da Economia no dia 22, no relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas do governo.

O valor estava desatualizado porque a peça orçamentária foi elaborada pelo governo em agosto de 2020, em outro cenário econômico e quando a expectativa era de um salário mínimo de R$ 1.067. O mínimo acabou sendo reajustado para R$ 1.100 em 2021, devido à alta da inflação. E como ele define o piso de gastos com benefícios previdenciários, abono e seguro-desemprego, as projeções para essas despesas acabaram ficando defasadas no Orçamento.

Tradicionalmente, o governo envia uma mensagem modificativa ao Congresso pedindo atualizações nas projeções de receitas e despesas. Neste ano, no entanto, o Ministério da Economia optou por não encaminhar o documento com a modificação. A adequação dos valores poderia ter sido feita, então, por iniciativa do próprio relator-geral, senador Márcio Bittar (MDB-AC), o que também não ocorreu.

Nos bastidores, a avaliação é de que Bittar optou por não atualizar o valor das despesas para ter espaço para aumentar as emendas parlamentares, verba do Orçamento cuja indicação de uso é feita por deputados e senadores. Normalmente, elas se convertem em obras públicas em seus redutos eleitorais.

O projeto original do governo destinava R$ 16,3 bilhões para emendas individuais, de bancada, regionais e do próprio relator-geral. O texto saiu do Parlamento com R$ 48 bilhões.

Bittar cancelou R$ 26,5 bilhões em verbas obrigatórias e transformou em emendas

Além de deixar o Orçamento passar com previsões defasadas de despesa, Bittar cancelou cerca de R$ 26,5 bilhões em despesas obrigatórias programadas pelo Executivo e destinou o valor a ministérios ligados a obras públicas. O Ministério do Desenvolvimento Regional recebeu quase a metade dos recursos (R$ 10,2 bilhões).

Na prática, apesar de os recursos estarem vinculados a pastas, a alocação será feita via as chamadas emendas de relator. Ou seja, será o relator do Orçamento que indicará como as pastas agraciadas vão gastar os R$ 26,5 bilhões. Parte do valor já tem destino, como obras de habitação e abastecimento, e outra parte ainda será definida.

R$ 22 bilhões é o valor que faltará para a Previdência

Se o dinheiro para obras alocadas via emendas foi turbinado, despesas essenciais sofreram cortes. A Previdência Social perdeu R$ 13,5 bilhões; o abono salarial, R$ 7,4 bilhões; o seguro-desemprego, R$ 2,6 bilhões; e os subsídios para operações de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), R$ 1,35 bilhão.

Dessas despesas, a única que poderia mesmo ter sido cortada era a do abono salarial. O conselho deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) alterou a sistemática do pagamento do benefício. Quem trabalhou em 2020 e tem o direito ao abono, será identificado no segundo semestre deste ano e receberá o recurso no ano que vem. Antes, o pagamento começaria a ser feito já a partir de julho.

A situação mais dramática ficou para a Previdência. A despesa já estava subestimada em R$ 8,5 bilhões, devido ao aumento do salário mínimo, e na tramitação no Congresso sofreu o corte de R$ 13,5 bilhões. Com isso, o Orçamento foi aprovado com R$ 22 bilhões a menos do que deveria somente em relação à verba para pagamento de benefícios do INSS.

Contingenciamento vem aí: cerca de R$ 30 bilhões

As despesas obrigatórias, como o próprio nome já diz, precisam ser pagas, independentemente da estimativa que consta do Orçamento. O Executivo, por outro lado, precisa cumprir a regra do teto de gastos, que limitou as despesas sujeitas a ele em R$ 1,486 trilhão, e a meta de resultado primário, que é de um déficit máximo de R$ 247,1 bilhões.

Com isso, terá de cortar das chamadas despesas discricionárias o valor que ficou faltando para pagamento dos gastos obrigatórios. Somente as despesas discricionárias podem ser bloqueadas. Elas incluem o custeio da máquina pública e o investimento público.

As despesas de custeio são as mais sensíveis, pois envolvem as questões mais básicas, como o pagamento de água e luz de órgãos do governo. Um congelamento muito severo, portanto, pode inviabilizar a prestação de alguns (ou muitos) serviços públicos.

Técnicos do governo têm falado reservadamente em um bloqueio de cerca de R$ 30 bilhões, mas o valor pode chegar a R$ 36,6 bilhões. A avaliação exata será feita pelo Ministério da Economia, após a sanção do Orçamento pelo presidente Jair Bolsonaro.

Os bloqueios de verba são anunciados na divulgação dos relatórios bimestrais de receitas e despesas. O próximo está previsto para 21 de maio. Porém, a pasta pode soltar um relatório extraordinário ainda em abril para fazer o contingenciamento.

No relatório bimestral divulgado na semana passada, antes da aprovação do Orçamento, o Ministério da Economia havia estimado em R$ 96 bilhões os gastos discricionários, incluindo capitalização de estatais e sem contar as emendas parlamentares.

Uma queda desse valor para a casa dos R$ 60 bilhões, após eventual contingenciamento, pode paralisar o funcionamento de parte da máquina pública, com interrupção de serviços básicos – situação que especialistas em contas públicas chamam de "shutdown".

Não há uma estimativa precisa sobre o valor mínimo necessário em despesas discricionárias para manter a administração federal funcionando minimamente. Mas os cálculos de diferentes especialistas costumam apontar para valores acima de R$ 80 bilhões.

Dinheiro bloqueado só é liberado se receita surpreender ou despesa ficar abaixo do esperado

Uma vez contingenciado, o dinheiro só será liberado ao longo do ano caso a receita aumente ou se alguma despesa obrigatória acabar ficando abaixo do esperado. É comum o governo só conseguir liberar parte do dinheiro no fim do ano, o que praticamente inviabiliza a utilização do recurso, que com isso acaba ajudando a reduzir o déficit primário.

Em 2019, o governo Bolsonaro começou o ano tendo de bloquear R$ 29,7 bilhões em gastos de custeio da máquina pública e investimentos. Os ministérios mais atingidos foram a Educação, em valor absoluto (bloqueio de R$ 5,840 bilhões), e o de Minas e Energia, em termos relativos (contingenciamento de 79,5% do valor autorizado).

Durante o governo Temer, os contingenciamentos chegaram a suspender por um período a emissão de passaporte pela Polícia Federal e as atividades de escolta e fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, além de prejudicar o atendimento das agências do INSS.

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