A aprovação do modelo de capitalização da Eletrobras por parte do Tribunal de Contas da União (TCU) deu sinal verde para que o governo federal prossiga com a privatização da estatal, mas o processo não deve ocorrer livre de percalços, a depender da disposição de entidades sindicais e de partidos que fazem oposição ao governo de Jair Bolsonaro.
Diversas ações buscam barrar a operação, encarada como prioridade por parte do Executivo para 2022 e que, caso se concretize, será a maior privatização da gestão. A corrida é por garantir mais avanços na agenda de desestatizações. Na contramão do pretendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o governo até agora só vendeu uma estatal de controle direto da União, a Companhia de Docas do Espírito Santo (Codesa).
É incerto se as iniciativas terão força para impedir o processo de privatização da Eletrobras, mas podem significar complicações adicionais para o governo, que já teve seus planos iniciais frustrados pelo tempo de análise no TCU, esticado em quase um mês por pedido de vista que impossibilitou a desestatização ainda em maio.
As movimentações com o intuito de inviabilizar a privatização começaram ainda antes do segundo julgamento por parte do TCU, na tentativa de barrar a discussão ocorrida na semana passada.
Pedido nesse sentido foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por um grupo de deputados do PT na véspera do julgamento. A argumentação em prol da suspensão era a suposta falta de detalhamento dos impactos financeiros da privatização, a ausência de resposta para questionamentos feitos ainda na primeira fase de análise do processo pelo TCU, em fevereiro, e suposta subavaliação dos ativos em função de erro no cálculo da potência das usinas. Sindicatos de categorias de servidores que atuam na estatal também conduziram iniciativas similares.
Pelo menos quatro ações na Justiça tentam barrar privatização da Eletrobras
Superada a etapa de julgamento pelo TCU, ações seguem em outras esferas. São ao menos quatro delas, protocoladas no STF e na Justiça Federal de três estados (Bahia, Alagoas e Paraíba). Os processos são de autoria de parlamentares petistas e sindicatos, com apoio da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Conforme a entidade, todas "questionam e contestam questões relativas a impactos tarifários, transparência de informações e contratos de concessão".
Já um mandado de segurança requerido ao STF argumenta que o Ministério de Minas e Energia não teria dado a devida publicidade dos processos referentes à privatização. "O MME só publicou um resumo técnico, de uma página, sem dar informações que possam contribuir para uma espécie de auditoria dos parâmetros de cálculos utilizados nos estudos sobre preços de venda, tarifas, etc", afirmou a advogada Elisa Oliveira Alves, representante do escritório responsável pelas ações.
"Jabutis" inseridos na medida provisória aprovada no Congresso também são argumento para a judicialização. Para os autores, inserções feitas ao texto – como a contratação de usinas térmicas que exigirão a construção de extensa malha de gasodutos para abastecimento e consequente geração – aumentarão significativamente a tarifa de energia elétrica, mas não tiveram seu custo devidamente calculado.
A avaliação da advogada é de que "os cálculos [do MME] não seguem parâmetros fidedignos", uma vez que fatores que levam "inexoravelmente a um aumento de tarifa" não entraram na conta.
Opositores questionam operação na "CVM americana"
Outra frente dos opositores são entidades que poderiam colocar empecilhos à continuidade da desestatização. A operação ainda necessita de liberação por parte dos órgãos responsáveis pela fiscalização do mercado de ações no Brasil e nos Estados Unidos, uma vez que a Eletrobras tem papéis negociados na B3 e na Bolsa de Nova York.
O envio de documentação à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e para o seu equivalente norte-americano, o Security Exchange Commission (SEC), é a próxima etapa a ser cumprida para a privatização. Este último já foi acionado por críticos da operação.
Trata-se de denúncia apresentada pela Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL), pela Associação dos Empregados de Furnas (ASEF) e pelo Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE). Para as entidades, há "falta de transparência e uma suspeita de fraude nas demonstrações contábeis" da empresa.
Entre outros pontos, a ação apresentada fala em sobrepreço na avaliação da usina hidrelétrica de Belo Monte e na não comunicação aos acionistas sobre o resultado desfavorável em um processo de arbitragem relacionado a Furnas, subsidiária da Eletrobras. A conta diz respeito a uma arbitragem da hidrelétrica de Santo Antônio (RO), revés que precisará ser absorvido pelos sócios por meio de aportes de recursos (ainda que reste dúvida sobre a extensão disso para além de Furnas).
A Eletrobras é sócia da empresa controladora da usina, que terá de arcar com US$ 300 milhões por descumprimento de contratos; como os demais sócios não querem ajudar no aporte de recursos, essa conta ficará com a Eletrobras. A questão, segundo as associações, é que se a operação de Santo Antônio for comprometida de alguma forma, a Eletrobras pode ter de arcar com todas as dívidas da usina – um risco de R$ 18 bilhões, dizem.
Conforme modelo definido pela União e autorizado pelo TCU, a privatização da Eletrobras ocorrerá por meio de uma oferta de ações que diluirá a participação federal na companhia a partir da entrada de mais acionistas. Com isso, o governo deixará de ser o acionista controlador, saindo dos atuais 72% de participação para no máximo 45%. O objetivo do governo federal é concluir a operação até agosto.
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