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A proposta do presidente Jair Bolsonaro de conceder uma "ajuda" aos caminhoneiros para compensar a alta no preço do óleo diesel irritou ainda mais os líderes e representantes da categoria que mobilizam a paralisação nacional prevista para 1º de novembro. A oferta de Bolsonaro, revelada durante cerimônia oficial em Pernambuco, foi classificada como "esmola" e, segundo avaliam essas lideranças, estimula ainda mais uma greve dos caminhoneiros.
Tamanha é a rejeição da proposta em grupos da categoria no WhatsApp, onde muitos transportadores autônomos se comunicam no dia a dia, que os caminhoneiros mais indignados até sugerem antecipar a paralisação.
A ideia desses transportadores é apoiar os "tanqueiros", caminhoneiros responsáveis pelo transporte de combustíveis, que iniciaram nesta quinta-feira (21) paralisações nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro em protesto que pede a redução do preço do óleo diesel.
Bolsonaro não citou o valor do auxílio. Segundo ele, "números serão apresentados nos próximos dias" para atender "em torno de 750 mil caminhoneiros" que receberão uma "ajuda" que terá por objetivo "compensar o aumento do diesel". O jornal O Globo informa que o valor será de R$ 400. A Gazeta do Povo apurou junto de interlocutores do governo que a expectativa é de um benefício mensal ao mesmo custo do Auxílio Brasil, de R$ 400.
"Ele [Bolsonaro] está muito mal assessorado. Se alguém do governo o orientou achando que conseguiria desarticular a greve prometendo R$ 400, está muito enganado. Os grupos estão 'pegando fogo'. O pessoal não quer mais nem esperar o dia 1º", afirma o caminhoneiro Marcelo Paz, líder autônomo que atua na região da Baixada Santista. "Os tanqueiros também estão querendo paralisar em São Paulo a partir de amanhã [sexta-feira, 22] e os de Espírito Santo também", acrescenta.
Quais as chances de antecipação da greve dos caminhoneiros
Mesmo representantes sindicais e líderes caminhoneiros contrários à paralisação concordam que a promessa não contribui para uma situação que é "péssima". "Eu sempre vou ser contra uma paralisação, não é o caminho. Mas não descarto a possibilidade de uma greve, os tanqueiros deram o empurrão", sustenta um líder da categoria.
A possibilidade de a paralisação ser antecipada, contudo, é descartada, ao menos por ora, pelas lideranças que convocaram. É o que afirma o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sindicam) de Ijuí (RS), Carlos Alberto Dahmer, o "Liti". "Isso são posições isoladas de alguns caminhoneiros, eu não senti esse movimento de antecipar", afirma.
Diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), uma das entidades que convocou a paralisação, Liti admite, porém, que a promessa de Bolsonaro repercutiu negativamente dentro da categoria. "Os R$ 400 ao litro médio atual do óleo diesel equivale ao mesmo que abastecer 83 litros. Isso não é nada, só incendiou mais os ânimos", declara.
A avaliação feita por Liti é que a proposta de Bolsonaro pode até ser vista como uma oportunidade de abertura de diálogo, mas ainda é insuficiente para desmobilizar a paralisação. "Eu não vi ninguém das bases falando que essa proposta é 'um caminho' para negociar", alerta o diretor da CNTTL.
O que levaria o governo a convencer os caminhoneiros a negociar
A categoria propensa a paralisar fala em discutir a própria política de preços da Petrobras. Os caminhoneiros estão convencidos de que quaisquer pautas envolvendo "ajuda" sobre o custo do óleo diesel envolvem a substituição da política de preço de paridade de importação (PPI), atualmente em vigor, pela de preço de paridade de exportação (PPE).
"Essa proposta de R$ 400 não tem nada a ver, é uma proposta secundária e, como não teve indicativo de ninguém achando uma boa proposta, não tem que ser levada em consideração", alerta Liti. Uma alternativa que, segundo ele, poderia ser levada em conta é a de criar um fundo para amortizar ao longo de um período definido o preço dos combustíveis. "Seria algo consistente", analisa.
Líderes autônomos também pedem do governo empenho para negociar com o Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento das ações que pedem a inconstitucionalidade do piso mínimo de frete. Caminhoneiros querem o julgamento e trabalham junto aos ministros da Suprema Corte para que a legislação já em vigor (Lei nº 13.703/2018) seja considerada constitucional.
"Nossa posição continua, vamos fazer nossa paralisação. Ele [Bolsonaro] tem que ser humilde, reconhecer o erro. 90% da categoria votou nele e ele disse que o piso é inconstitucional. Ele é o causador das empresas entrarem no STF com o pedido de inconstitucionalidade", desabafa o líder autônomo Marcelo Paz.
Líder da categoria que opera no Porto de Santos (SP), Paz considera que Bolsonaro ofendeu a categoria com a proposta de auxílio. "Mesmo se fossem R$ 2 mil a gente não quer. Queremos dignidade do nosso trabalho, não esmola. Nós temos nosso caminhão, esses R$ 400 ele pode oferecer lá no sertão nordestino e no interior do Pará, onde as pessoas passam fome", critica.
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Proposta de Bolsonaro foi feita sem articular com aliados da categoria
Um dos motivos que mais irritou os caminhoneiros é o fato de Bolsonaro ter anunciado a "ajuda" sem ter ouvido a categoria. O governo, por intermédio do Ministério da Infraestrutura, mantém um diálogo constante com a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA). E segundo líderes que conversaram com membros da entidade, a sugestão de um auxílio não foi apresentada a ninguém da diretoria.
"Eles tomam as decisões que querem. A CNTA não foi consultada", afirma um líder autônomo. Os transportadores autônomos consideram o governo desarticulado e confiante demais de que a greve não ocorrerá. Mesmo com um departamento de inteligência interministerial que monitora os caminhoneiros, o governo foi pego de surpresa quando soube na quarta-feira (20) sobre a paralisação dos tanqueiros. "Os técnicos e secretários do Ministério da Infraestrutura ficaram apavorados", sustenta uma liderança.
A proposta de auxílio dita por Bolsonaro surpreendeu o líder autônomo Aldacir Cadore. Ele, que administra um grupo com outras lideranças da categoria, desconhecia a proposta. “E se for confirmado esses R$ 400, eu, que já não estou mais nem neutro, vou virar um crítico [do governo]. É uma política pior que a outra, provocaria ainda mais os caminhoneiros, porque todo mundo espera alguma ação concreta, e não isso”, alerta.
Outro líder da categoria, o caminhoneiro Janderson Maçaneiro, o “Patrola”, estranhou o anúncio. “Nós não paramos de trabalhar, estamos é sem condições de trabalho, não é uma questão de não operar e não trabalhar. O governo, na verdade, distorceu o foco”, critica. “Não precisamos de um auxílio emergencial, a gente precisa é de respaldo do governo nas questões que já conquistamos”, complementa.
Patrola, que atua na região portuária de Santa Catarina, diz, contudo, que o anúncio ainda está sendo digerido pela base catarinense. “Por enquanto, ainda estão indiferentes, a gente não sabe a magnitude da repercussão. Mas tem um pessoal reclamando, sim. Na minha opinião, a declaração foi um erro”, pondera. Apesar das críticas, ele diz que não participará da manifestação de 1º de novembro. “Mas isso não significa que não vai acontecer o movimento na minha região”, adverte.