Movimento em rua de comércio popular no Rio de Janeiro: micro e pequenas empresas são 95% dos negócios ativos no país, e também serão afetadas pela reforma tributária.| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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O projeto de lei complementar 68/2024, que regulamenta parte da reforma tributária, foi aprovado pela Câmara no mês passado e será discutido pelo Senado neste segundo semestre. A nova legislação vai afetar também a tributação de micro e pequenos negócios, que hoje respondem por cerca de 95% das empresas ativas no país e 30% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Sebrae. Inscritos no Microempreendedor Individual (MEI) e no Simples Nacional devem ficar atentos.

Do total de 20,7 milhões de pequenos negócios no país, cerca de 12,7 milhões estão inscritos como MEI, 6,9 milhões são microempresas (ME) e 1,2 milhão, empresas de pequeno porte (EPP). O Sebrae estima que micro e pequenas empresas responderam por 60% de todos os empregos formais gerados no país no primeiro semestre.

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Em linhas gerais, o empresário inscrito no MEI ou no Simples Nacional pode continuar com o atual modelo de tributação ou, no caso do Simples, optar pelo novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que será composto por dois tributos: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Junto com o novo Imposto Seletivo, eles vão substituir cinco tributos que existem hoje: PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.

A alíquota padrão do IVA deve ficar em 26,5%, segundo estimativa do Ministério da Fazenda. Embora esse porcentual seja um dos maiores do mundo, ainda pode aumentar a depender de atuação de lobbies e de eventuais isenções que forem acrescidas no Senado. Quanto maior o número de segmentos com alíquota reduzida, maior tende a ser a alíquota padrão.

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A diferença entre um modelo e outro consiste, principalmente, no valor da alíquota a ser paga e nos créditos – uma compensação criada na reforma tributária de uma venda para outra. Hoje, os tributos são cobrados na origem dos produtos e vão se acumulando ao longo da cadeia até chegarem ao consumidor final.

A ideia, com a reforma, é que a cada etapa da cadeia esses créditos sejam repassados. Por exemplo, quando uma venda for feita, a empresa descontará o crédito adquirido na etapa anterior e recolherá o imposto sobre a diferença, ou seja, sobre o valor que adicionou.

Outra mudança relevante é a criação de uma nova categoria tributária: a do nanoempreendedor. Será destinada a pessoas com faturamento anual de até R$ 40,5 mil (metade do MEI). A modalidade será isenta de IBS e CBS.

Os inscritos no MEI ou no Simples Nacional continuam a pagar imposto. O empresário do Simples, entretanto, poderá escolher se continua no atual modelo de tributação ou se migra para o IVA.

Na visão de tributaristas ouvidos pela Gazeta do Povo, a escolha vai depender da área de negócio, bem como do perfil dos clientes e dos créditos. Confira abaixo esclarecimentos de especialistas sobre as regras de cada modalidade, isenções e opções mais favoráveis.

Qual é a principal mudança da reforma tributária?

É a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) com alíquota-base estimada em 26,5%. Ela pode aumentar se os parlamentares incluírem novas isenções no texto. O IVA será composto de dois tributos, o CBS, de competência federal, que substituirá os atuais PIS/Pasep e Cofins; e o IBS, de estados e municípios, que entrará no lugar do ICMS e do ISS.

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A reforma tem categorias de cobrança que incluem isenção, descontos e adicionais. Algumas são totalmente livres do pagamento do imposto, a exemplo de itens que compõem a cesta básica. Outras terão redução sobre a alíquota-base, como os medicamentos, que serão isentos ou terão desconto de 60%. A redução incide, ainda, para 18 profissões, como engenheiros e advogados. Eles pagarão 30% menos que a alíquota padrão (isso, porém, não significa necessariamente redução em relação à tributação atual).

E haverá os sobretaxados. O Imposto Seletivo (o chamado “imposto do pecado"), vai incidir sobre itens considerados nocivos ao meio ambiente e à saúde, como carros, bebidas alcoólicas e cigarros.

O objetivo declarado da reforma tributária é simplificar a tributação no Brasil, mas não necessariamente baixar a carga tributária – que é comparável à da Grã-Bretanha.

Quais são as principais mudanças da reforma tributária para o empreendedor?

A principal é a criação do nanoempreendedorismo. A nova categoria tributária é para pequenos empresários ou produtores independentes que não são MEI e cuja receita bruta anual seja de até R$ 40,5 mil. O nanoempreendedor não será contribuinte de IBS e CBS e, portanto, não recolherá esses tributos.

Lucas Tanaka Reksiedler, advogado tributarista no escritório Nelson Wilians Advogados, diz que o projeto da reforma não especifica se haverá isenção de outros tributos para essa categoria, como Imposto de Renda e contribuição previdenciária ao INSS.

Como será o sistema de créditos?

Haverá um sistema de créditos para inscritos no Simples. Nele, a empresa escolhe sua forma de tributação, que pode ser dentro do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) ou separada, e cliente pessoa jurídica ganha créditos tributários para abatimento do imposto na sequência.

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De acordo com a Fazenda, o empresário que estiver no Simples Nacional poderá escolher se continua no regime simplificado para todos os tributos por ele abrangidos, inclusive o IBS e a CBS, ou se prefere apurar IBS e CBS separadamente.

Diego Zacarias dos Santos, diretor regulatório e auditoria interna da Contabilizei, explica que o DAS é composto por vários impostos, incluindo os de serviço e produto. Se o empresário optar pelo recolhimento do IVA dentro do DAS, o imposto que ele pagará – e, portanto, o crédito para seu cliente – deve ficar em torno de 3%.

“Ele vai poder transferir somente os 3% de crédito referente ao que seria de PIS e ISS, que passarão a ser IBS e CBS. Recolhe menos, mas repassa menos”, diz.

Se o recolhimento do IBS e CBS for por fora do DAS, incidirão os 26,5% da alíquota-base (ou a alíquota que for definida posteriormente). Ou seja, o micro e pequeno empreendedor paga um imposto maior, porém gera mais crédito para o cliente. O resultado pode ser tanto ganho na competitividade como aumento de preços, caso o repasse seja feito ao consumidor.

"Caso seja pressionado pelo cliente a cobrar pelo regime de IVA, vai ter que repassar o preço. O empresário terá que avaliar qual é melhor recolhimento a depender da exigência do seu cliente. Vai ter que passar a entender de formação de preço, impacto de preço no lucro. A reforma muda a dinâmica de trabalho”, analisa Santos.

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O Sebrae frisa que os demais impostos do Simples Nacional – Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e contribuição patronal à Previdência (CPP) – continuam a ser apurados por dentro do regime do Simples, sendo opção do empresário apenas a parte relativa ao IBS e CBS.

Como funciona atualmente o MEI?

O microempreendedor individual (MEI) é uma formalização com tributação simplificada, com limite de receita bruta anual de R$ 81 mil, e que recolhe impostos e contribuições em valor fixo mensal. O valor da guia de recolhimento (chamado de DASMEI) é formado por 5% do salário mínimo (R$ 70,60) para o MEI em geral e 12% para o MEI caminhoneiro (R$ 169,44).

Esse recolhimento cobre alguns benefícios do INSS, como salário-maternidade, auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), aposentadoria, entre outros.

Se a empresa exercer atividade em que incida ICMS, é cobrado adicional de R$ 1. No caso de ISS, mais R$ 5. Com isso as contribuições fixas mensais do MEI podem variar de R$ 71,60 a R$ 76,60. Aos caminhoneiros, de R$ 170, 44 a R$ 175,44.

A tributarista e professora da FGV Direito Rio Bianca Xavier observa que nem toda profissão ou serviço pode ser MEI: “É importante dizer que não é uma opção para todo mundo, pois tem uma lista de serviços permitidos. A pessoa pode estar apta, mas tem que estar nesta lista", pontua a advogada.

A lista com ocupações permitidas para MEI está aqui.

Quais as mudanças no MEI com a reforma tributária?

Até 2026, o empresário cadastrado no MEI pode optar por manter o atual regime tributário (no qual paga um valor fixo de imposto). De 2026 a 2032 haverá uma transição entre o atual e novo sistema e, de 2033 em diante, todos estarão sujeitos à regulamentação que for aprovada na reforma tributária, esclarece Diego Zacarias dos Santos, da Contabilizei.

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A partir de 2033, os adicionais de ICMS e ISS no DASMEI, que hoje são de R$ 1 e R$ 5, passarão a ter valor fixo de R$ 3 por mês.

"Não haverá alterações no limite de receita bruta anual, permanecendo o teto de R$ 81 mil. Além disso, a regulamentação da reforma tributária não prevê alterações nas coberturas dos atuais benefícios do INSS para o MEI”, diz Reksiedler, coautor do livro “O Novo Direito Tributário Brasileiro”.

O Sebrae cita outra mudança: a obrigatoriedade de emissão de nota fiscal em todo tipo de operação. Hoje o MEI precisa emitir documento fiscal apenas nas transações com pessoas jurídicas, sendo opcional nos negócios com pessoas físicas.

O que acontece com o profissional liberal que não está na lista do MEI?

Hoje profissionais liberais como advogados, engenheiros e contadores que atuam como pessoa jurídica pagam 8% de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) mais 2,88% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) no regime de lucro presumido. Com mais 3% de PIS e 0,65% de Cofins, a tributação fica, na maior parte dos casos, em 14,53%.

Na reforma, os profissionais liberais terão 30% de desconto da alíquota-padão, que deve ser de 26,5%. Só que, apesar de a base cair para cerca de 18,55%, no fim, a carga de impostos sobre eles deve quase dobrar, o que deve encarecer os serviços para o consumidor final. Isso porque, somando o valor com IRPJ e CSLL (10,88%), o profissional terá 29,43% de carga tributária efetiva total.

Como funciona o Simples Nacional hoje?

Hoje o Simples Nacional é aplicável a microempresas com receita bruta anual de até R$ 3,6 milhões e para empresas de pequeno porte com faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano.

As alíquotas da tributação pelo Simples são escalonadas de acordo com a receita bruta, podendo variar de 4% a 33%, a depender do segmento da atividade. O ICMS e o ISS estão incluídos na guia de recolhimento do Simples, conhecida pela sigla DAS.

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Lucas Tanaka Reksiedler, do escritório Nelson Wilians Advogados, sublinha que a contribuição previdenciária do Simples Nacional refere-se apenas à contribuição da quota patronal. Assim, o micro ou pequeno empresário que desempenhe atividades na empresa tem de contribuir para o INSS considerando o seu pró-labore para ter direito a benefícios previdenciários.

O que muda com a reforma tributária para inscritos no Simples Nacional?

Segundo o Ministério da Fazenda, a reforma tributária mantém todas as regras do Simples Nacional. “O PLP 68 apenas fez um ‘de/para’ dos tributos atuais que serão extintos para os novos, mantendo exatamente a tributação para o Simples. Ou seja, fica tudo como está, ou o empresário do Simples Nacional poderá optar por um regime mais favorável, que não existe hoje”, afirma a pasta.

Lucas Tanaka Reksiedler, do escritório Nelson Wilians Advogados, explica que a reforma mantém os atuais valores de teto para enquadramento no Simples Nacional, assim como para as alíquotas, salvo exceções.

Por outro lado, pondera, a reforma tributária prevê algumas mudanças no regime simplificado, sendo a principal dela a possibilidade de o empresário optar pelo recolhimento da CBS e do IBS dentro (de forma unificada) ou fora (separada dos demais tributos) do Simples.

Caso a CBS e o IBS sejam recolhidos "dentro" do Simples, a empresa tende a pagar menos imposto. Contudo, ela também vai gerar menos créditos tributários para os seus clientes. Isso pode prejudicar o empresário em um mercado competitivo.

Se o pagamento dos novos tributos for separado do Simples, o crédito do CBS e IBS referente à etapa anterior é maior. Para o cliente pode ser melhor, porém, a carga tributária do empresário que vendeu é mais pesada e corre o risco de ter de aumentar o preço do serviço ou produto para compensar, podendo afetar o consumidor final.

Qual regime escolher no Simples: o novo ou o atual?

Bianca Xavier, da FGV Direito Rio, considera que o perfil dos clientes será o termômetro. Se a maioria dos clientes for de pessoas físicas ou se os concorrentes forem MEI, a empresa não precisa mudar sua forma de tributação para IVA, pois os consumidores não receberão créditos. Contudo, se a maior parte das vendas for realizada para pessoas jurídicas, a geração de créditos com a tributação via IVA pode ser vantajosa do ponto de vista competitivo, ainda que a taxação seja maior.

Segundo a especialista, apesar de a reforma permitir que se fique no regime antigo, o mercado pode obrigar o empresário a mudar de sistema de tributação e até mesmo mexer no preços.

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“O empreendedor vai ter que fazer uma análise para ver se fica com o atual regime ou com o novo (IVA). A empresa (cliente) vai valorizar quem dá mais crédito. Por mais que ninguém seja obrigado a migrar, o empreendedor pode perder na competitividade caso não migre”, diz a tributarista.

O Sebrae segue na mesma linha e sustenta que o empresário deve avaliar o que a mais vantajoso para sua empresa a partir da sua posição na cadeia produtiva. Se o negócio estiver no início ou no meio da cadeia, diz, tende a ser mais vantajoso pagar o IVA por fora e gerar crédito integral. Se estiver no fim da cadeia, poderá ser melhor recolher o IVA dentro do Simples.

“O micro e pequeno empresário deverá avaliar qual é a forma mais vantajosa de recolhimento da CBS e do IBS, se por dentro ou por fora do Simples. Por dentro, ela poderá ter uma carga tributária menor. Por outro lado, se optar pela tributação por fora, poderá atrair mais interessados em adquirir seus produtos ou serviços, pois gerará a eles, aos adquirentes, um crédito maior de CBS e IBS, desde que os adquirentes não sejam consumidores finais pessoas físicas”, esclarece Lucas Tanaka Reksiedler, do escritório Nelson Wilians Advogados.

O que considerar ao optar por nano, micro ou pequena empresa?

Além do limite do faturamento, o empresário também precisa considerar se deseja ter sócios e a quantidade de funcionários necessários para o desempenho de sua atividade. O MEI, por exemplo, não admite sócios e aceita apenas um empregado que receba um salário mínimo ou piso salarial da categoria profissional.

O empresário também precisa verificar, entre outras condições, se a atividade econômica que será desenvolvida pode se enquadrar no MEI.

Há casos em que é melhor ficar na informalidade?

Para os tributaristas Bianca Xavier e Lucas Tanaka Reksiedler, não. Entre os motivos, destacam que o profissional fica sem benefícios do INSS. E isso não se refere apenas à aposentadoria. O auxílio por incapacidade temporária (o antigo auxílio-doença) é pago somente a quem é formalizado, e é importante em caso de acidente. Há também o pagamento de salário-maternidade.

Além disso, diversas isenções ou reduções tributárias exigem que a atividade esteja previamente formalizada. A empresa também pode perder competitividade, uma vez que determinados locais, como supermercados, não costumam comprar produtos de quem não tem CNPJ.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]