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Big Data

Como robôs previram votação da reforma da Previdência e fizeram bancos lucrar

reforma da Previdência
Deputados a favor da reforma comemoram o resultado do primeiro turno (Foto: Luis Macedo/Agência Câmara)

Enquanto os congressistas brasileiros debatiam por meses seguidos os pontos controversos da reforma da Previdência, um robô acompanhava os movimentos de cada um deles, a mais de 8 mil km de distância. O algoritmo, criado pela startup de tecnologia Arkera, rastreou diariamente todos os comentários dos deputados nos jornais brasileiros e nas páginas do governo para calcular as probabilidades de a reforma ser aprovada.

Semanas antes da aprovação do projeto-base, em julho, os dados processados pela inteligência artificial já permitiam aos analistas prever o resultado com pouquíssima margem de erro, dando aos investidores de Nova York e Londres a informação necessária para comprar a moeda brasileira, que, em maio, se encontrava no patamar mais baixo em oito meses. Desde a aprovação da reforma, o real já se valorizou mais de 8%.

Este é o tipo de informação estratégica valorizada pelo mercado. Para os clientes da Arkera em Wall Street e na City de Londres, o robô filtra o que é importante em meio ao ruído de localidades distantes.

“Tem gente demais para seguir no Twitter, sites demais, artigos demais”, diz Nav Gupta, co-fundador do Arkera de 48 anos que garante que o software pode processar a mesma quantidade de informação que mil analistas humanos. “É um problema muito caro e que todo mundo tem de enfrentar”.

A empresa levantou US$ 4,9 milhões junto a investidores no ano passado, incluindo Alan Howard, do fundo de investimentos Brevan Howard.

Usar a inteligência artificial para automatizar o processo de pesquisa ganha força rapidamente porque, devido aos custos, os bancos de investimento estão reduzindo pessoal. Somente no Reino Unido, houve uma queda de 30% nos orçamentos de pesquisa no ano passado, segundo dados da Financial Conduct Authority. Segundo a consultoria Coalition Development, desde 2015, nos 12 maiores bancos houve uma queda de 7% no número de funcionários da linha de frente de trading e análise de mercado.

Isso significa que está ainda mais difícil pagar pelo serviço de analistas em países em desenvolvimento, os únicos lugares no mundo onde os investidores ainda têm uma boa margem de ganhos.

Empresas de análise de big data, como a Arkera e a Sigmoidal, de Nova York, dizem que podem resolver esse problema usando máquinas que filtram dezenas de milhares de notícias, artigos, declarações de governo e contas de mídias sociais em vários idiomas, como espanhol, árabe e chinês.

Para Marek Bardonski, ex-diretor-executivo da Sigmoidal, usando esses sistemas e dependendo menos de analistas, com um investimento inicial de até US$ 100 mil os bancos podem economizar US$ 1 milhão em sete anos. Antes de passar pela Sigmoidal, Bardonski, de 27 anos, era um cientista da computação da fabricante de chips Nvidia.

Rastreamento de protestos e posts em redes sociais

Tome-se o exemplo dos protestos que ocorrem em Hong Kong. Bardonski disse que o software da Sigmoidal acompanhou os desdobramentos pela imprensa, em língua cantonesa, e conseguiu até identificar contas não-oficiais do Twitter de líderes dos protestos, o que ajudou a monitorar o risco de mais distúrbios. A tecnologia é útil para países distantes, agitados por questões políticas, nos quais os investidores querem colocar dinheiro, mas não têm fácil acesso à informação.

"O sistema te coloca em vantagem em relação aos analistas tradicionais que trabalham para instituições financeiras", disse Bardonski, apontando que os relatórios típicos incluem gráficos sobre sentimentos, estatísticas de buscas por palavra-chave e breves resumos escritos. "Em vez de receber 100 mil recortes de notícias, os clientes podem acessar todas as informações numa única página."

Citando regras contra o compartilhamento de dados de assinantes, nem a Sigmoidal nem a Arkera deixaram a reportagem ver o exemplo de um relatório automatizado, para comparação com o produzido por uma pessoa de carne e osso.

Na Europa, a forma como os investidores consomem pesquisa mudou rapidamente devido às novas regras, aprovadas no ano passado, que forçaram o pagamento separado de cada análise recebida. A chamada legislação MiFID II impediu a prática generalizada de embutir o custo da pesquisa nas taxas que Goldman Sachs ou Morgan Stanley recebem para executar transações no mercado financeiro. Segundo Sarah Jane Mahmud, analista sênior da Bloomberg Intelligence, a ironia é que, um ano e meio depois, muitos bancos de investimento ainda oferecem pesquisas gratuitas porque os clientes não estão dispostos a pagar por isso. Eles contornam as regras publicando as pesquisas de forma pública, no site.

Mas a qualidade das pesquisas caiu bastante porque muitos analistas de meio de carreira saíram, ou foram mandados embora, ficando o serviço para os chamados profissionais “júnior”, enquanto os “sênior” se dedicam às reuniões com clientes. Isso acabou levando muitos investidores a ir atrás de pesquisas sob encomenda, pagando pontualmente por consultoria especializada ou investindo em pesquisa automatizada como forma de apoiar seus gerentes e estrategistas seniores.

"Os gerentes de ativos agora precisam avaliar o valor de cada serviço de pesquisa para decidir se vale a pena, quanto devem pagar por isso e tentar separar o joio do trigo", disse Mahmud.

Desafio é decifrar tendências nos países em desenvolvimento

Sob as regras do MiFID II, os gestores de ativos devem estar preparados para demonstrar que fizeram a devida diligência em todos os investimentos de seus clientes, algo que sempre foi complicado nos países em desenvolvimento.

Foi justo esse problema que inspirou Gupta e seu sócio Vinit Sahni, cujas carreiras incluem empresas como Citadel LP, DE Shaw, e Goldman Sachs, a criar a Arkera em 2015. Durante 20 anos atuando em bancos de investimento, tentar encontrar informações para embasar um relatório dava tanto trabalho quanto “arrancar um dente”, diz Sahni, de 50 anos.

A dupla formou um time de analistas de big data e de engenheiros com a tarefa de criar um robô-pesquisador que dê a vantagem de uma informação estratégica em países como Turquia, México e Egito. Funciona parecido como Google, mas é programado para escolher as fontes mais relevantes entre milhares de artigos, publicações de redes sociais e releases de governo.

Apesar da destreza dos robôs em decifrar jargões de mercado, mesmo seus criadores admitem que eles nunca substituirão completamente os seres humanos. Na próxima década, no entanto, Sahni prevê que os robôs vão agregar um valor significativo às capacidades dos analistas humanos.

“Veremos avanços na ciência das habilidades cognitivas, de comunicação e do potencial físico dos seres humanos, na medida em que estreitarmos cada vez mais a cooperação com robôs e algoritmos”, assegura.

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