Liberdade de expressão continua valendo
A internet é um território livre por definição. E o marco civil foi criado, diz o Ministério da Justiça, para assegurar a liberdade do internauta. Segundo o gestor do marco civil, Paulo Rená, o texto do anteprojeto de lei privilegiará a liberdade de expressão e o direito à privacidade. Mas como isso pode ser feito?
Outros projetos
Há no Congresso várias propostas para impor regras à internet e a novidades tecnológicas. Abaixo, algumas delas.
Nada de celular
O projeto de lei 2246/07 quer varrer celulares e tocadores de mp3 de todos os colégios e faculdades do Brasil, públicos ou privados. Para o deputado federal Eliene Lima (PP/MT), esses aparelhos são usados "principalmente para ver pornografia e combinar briga de gangues".
Lan houses proibidas
No projeto 4794/09, o mesmo Eliene Lima quer "proibir lan houses em áreas próximas de colégios". Comparando-as a fliperamas, se surpreendeu ao ser questionado sobre seu uso educacional: "Olha, nunca tinha pensado nisso..."
Só para maiores
Tudo o que entra na web deveria contar com uma classificação indicativa, para o deputado José Carlos Elias (PTB-ES) . "Impossível. A web tem conteúdo dinâmico, não é como a TV", opina o advogado Omar Kaminski, do blog Internet Legal.
Fábio Zelenski, 24 anos, trabalha com novas mídias, tem blog e usa a internet para divulgar sua banda. Frederico Pandolfo, de 25, é administrador de redes e está terminando a pós-graduação em segurança de sistemas computacionais. Além do interesse em web, os dois têm outra coisa em comum: podem ter ajudado a criar o Marco Civil da Internet, a lei brasileira que definirá os direitos e deveres dos cidadãos, provedores e do governo na web.
Zelenski e Pandolfo estão entre as pessoas que mais discutiram e enviaram contribuições nos 45 dias de consulta pública. O Marco Civil foi apresentado em outubro pelo Ministério da Justiça para ser um marco regulatório da internet, criado na própria internet e discutido pelos maiores interessados no assunto os cidadãos. Na pauta da futura legislação estão temas espinhosos como a garantia de anonimato e a privacidade.
"Resolvi comentar porque é um assunto que envolve o que eu faço. Eu uso a internet para divulgar música e bandas, para conseguir livros, quadrinhos, softwares, para compartilhamento. E o marco vai interferir diretamente nisso", diz Fábio Zelenski. A consulta pública criada pelo governo em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ recebeu 822 contribuições na forma de comentários, e-mails, tweets e citações em blogs. Tudo foi condensado e transformado em um anteprojeto apresentado ao ministro da Justiça, Tarso Genro, na sexta três dias antes de ele deixar o cargo para candidatar-se a governador do Rio Grande do Sul.
"O ministro está empolgado com a ideia", disse à reportagem o gestor do projeto, Paulo Rená, antes que Genro deixasse o cargo. "A diferença dessa para as consultas públicas tradicionais é que as pessoas, ao entrar em contato com um órgão público, não sabem o que as outras estão falando. O ministro achou interessante o fato de os atores sociais conversarem entre si." A dúvida, agora, é se o novo ministro, Luiz Paulo Barreto, dará andamento ao projeto com o mesmo entusiasmo.
Para transformar um calhamaço de 580 páginas de opiniões e comentários em um projeto de lei, o Ministério da Justiça diz que privilegiou a argumentação. "A decisão não levou em conta o quantitativo, mas o argumento que consideramos melhor dado o interesse inicial do marco, que é preservar as liberdades."
Se a rede é um ambiente de liberdade, porque criar um marco regulatório? Porque hoje no Brasil não há legislação específica sobre o tema. Essa brecha abre espaço para projetos como a Lei Azeredo (projeto que tornava crime o compartilhamento de arquivo) e outros mais esdrúxulos.
Os internautas tiveram interesse particular nos tópicos sobre privacidade, guarda de logs, liberdade de expressão e anonimato. Esses tópicos consumiram mais tempo do administrador de redes Frederico Pandolfo. Quando ouviu falar do marco civil, ele nem pensava em colaborar mas achou "alguns itens absurdos". Ele foi a pessoa que mais enviou colaborações para o Marco Civil. "Resolvi fazer meu papel de cidadão e lutar para manter o sagrado direito de pensar, me expressar e navegar livremente", disse. Pandolfo é defensor do anonimato e não fugiu das brigas. Sim, como em todo fórum, não faltaram debates acalorados.
Essa foi uma das intenções do Ministério da Justiça, diz Paulo Rená. "Se não há polêmica, a pessoa só lê o texto e pensa ok, concordo". Nas discussões, não houve moderação prévia embora houvesse demanda para isso. No tópico sobre liberdade de expressão, um comentário tinha um palavrão. Outro reclamou: não há moderação aqui, não?. E um terceiro interveio, lembrando que o tema do tópico era a liberdade e, portanto, não fazia sentido manifestações de repressão.
O advogado Alexandre Atheniense conta que trabalhou com o tema com seus alunos na pós-graduação de Direito de Informática, mas reclama do prazo de consulta. "Foi complicado chegar às conclusões", diz. Para ele, a iniciativa foi válida, mas ainda não é o ideal. "Teve o lado bom que motivou parte da sociedade a debater um tema que até então não havia sido amplamente discutido. O nível foi bom", diz ele, que assinou a contribuição enviada pelo Conselho Federal da OAB.
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