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As turbulências no cenário fiscal, o aumento na inflação e nos juros, e a proximidade do cenário eleitoral estão fazendo com que os investidores estrangeiros fiquem mais seletivos na hora de investir no Brasil. O foco são aplicações em renda fixa, para aproveitar a diferença entre os juros no exterior (mais baixos) e no Brasil, motivada pelos sucessivos aumentos na taxa básica de juros.
Nesta quarta-feira (8), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central promoveu o sétimo aumento consecutivo na taxa Selic, que chegou a 9,25% ao ano.
Dados do BC, compilados pelo Banco Inter, mostram que, após três meses no vermelho, os investimentos em carteira registraram entrada de US$ 1,5 bilhão em outubro, sendo US$ 800 milhões em títulos públicos. O restante foi em ações.
Segundo o economista-chefe da Kilina Asset, Luciano Costa, os investidores estrangeiros vêm destinando recursos para aplicações mais líquidas, nas quais possam dispor mais rapidamente dos recursos aplicados, num cenário internacional em que a liquidez está sendo enxugada gradativamente.
“Em um cenário de confusão política e disputa acirrada, o investidor estrangeiro faz a seguinte pergunta: 'Por que investir no Brasil? Qual a vantagem que tenho?'”, diz o estrategista-chefe da Ativa Investimentos, Luiz Fernando Carvalho.
Ele aponta que a situação não se mostra confortável no curto prazo. “Há um sério problema fiscal e falta convergência entre os poderes.” E a percepção de risco em relação ao país aumentou. O risco-país, medido pelo CDS de 5 anos, aumentou cerca de 60% desde o fim do primeiro semestre, aponta a plataforma Investing.com.
Ele aponta que o investidor estrangeiro não está necessariamente desistindo do Brasil. “Na realidade, o país está no radar deles, mas não é o foco principal”, sintetiza.
Menor entrada líquida de recursos na Bolsa
Um dos termômetros dessa maior seletividade está na menor entrada líquida de recursos estrangeiros na B3, a Bolsa brasileira. Em novembro, até o dia 26, o ingresso foi de R$ 1,59 bilhão, já descontadas as saídas. No mesmo período do ano passado, tinham entrado R$ 31,46 bilhões.
“Para ações brasileiras, a principal preocupação para os investidores no ano que vem deverão ser as incertezas trazidas pelas eleições”, apontam os estrategistas da XP Investimentos.
Costa, da Kilina Asset, aponta que a menor quantidade de investimentos na renda variável não significa que as empresas brasileiras não sejam interessantes. “Muito pelo contrário, elas vêm apresentando bons fundamentos e mostrando resiliência.”
O lucro líquido das empresas brasileiras listadas na B3 cresceu 140% no terceiro trimestre, comparativamente a igual período de 2020. E a receita líquida aumentou 33,2%.
Investimento produtivo está abaixo da média
Um dos principais reflexos dessa seletividade maior dos estrangeiros está no investimento direto no país (IDP), que é o dinheiro destinado ao setor produtivo, antigamente chamado de investimento estrangeiro direto (IED).
Nos 12 meses encerrados em outubro, o IDP atingiu US$ 49,2 bilhões, ou 3,06% do PIB, segundo o Banco Central. O valor é 7,2% maior que o de igual período anterior, mas corresponde apenas a dois terços da média dos últimos dez anos.
Segundo o banco Inter, a expectativa mediana do mercado aponta para aceleração do IDP para US$ 59 bilhões em 2022, embora os riscos políticos e fiscais já venham pressionando por revisões para baixo nessa projeção.
As expectativas não são favoráveis, aponta o gestor de investimentos Igor Cavaca, da Warren. Ele aponta que não há sinais claros de que o consumo avance no futuro. A renda média do trabalho caiu 11,1% no comparativo entre os terceiros trimestres de 2020 e 2021, em termos reais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A média de R$ 2.459 por mês é a menor para o período desde o início da série histórica, em 2012, considerando valores atualizados pela inflação.
E, também, há uma baixa expectativa de crescimento: as últimas projeções do relatório Focus, divulgadas semanalmente pelo Banco Central, sinalizam para um crescimento de apenas 0,51% do PIB no ano que vem. Os números estão caindo há nove semanas.
“Este cenário, aliado à conjuntura política e à descoberta de novas variantes da Covid-19 – como é o caso da ômicron, cujos efeitos ainda são estudados pelos cientistas –, atrapalham o investimento direto no país”, diz o economista da Kilina Asset. Ele lembra que o IDP tem uma natureza diferente da do investimento em carteira. “É algo de longo prazo.”
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IPOs em baixa
Um dos reflexos desse cenário está na queda drástica das ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês). Das 66 operações registradas neste ano, só uma aconteceu neste quarto trimestre. Das 30 operações em análise na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ao menos dez estão paradas a pedido das empresas. Os estrangeiros responderam por 35,9% do total das operações até outubro, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
“O IPO é para quando o mercado está sobrevalorizado. Não é o caso do momento. Com o Ibovespa caindo, as empresas receberiam menos por suas ações”, diz o professor Rodrigo Leite, do Coppead/UFRJ. Apesar da recuperação exibida nos primeiros dias desta semana, o Ibovespa amargou uma retração de 17% entre o pico do ano, em 7 de junho, e a última quarta-feira (8).
Para Denis Morante, da Fortezza Partners, uma butique de investimentos especializada em fusões e aquisições, praticamente fechou-se a janela para aberturas de capita na bolsa.
Uma das estratégias de muitas empresas para ganhar musculatura em meio a um cenário política e economicamente mais instável poderá ser partir para operações de fusão e aquisição, diz ele. O cenário é mais favorável para aquisições de menor porte, que não precisem de captação de recursos no mercado, já que as taxas de juro estão subindo.
Mas Leite não espera tanta participação de capital estrangeiro nessas operações. Nos nove primeiros meses do ano, segundo a KPMG, 35% das transações envolveram empresas de fora. Mais que no mesmo período de 2020 (29%) mas ainda um pouco abaixo dos níveis de 2019 (36,5%). “O PIB está estagnado e o dólar valorizado. E as vendas brasileiras não são escaláveis.”