Área de construção em Quadalajara com prédio da Intel ao fundo, que reúne cerca de 1,5 mil profissionais| Foto: Meghan Dhaliwal/The Washington Post

Com barbas desgrenhadas, usando óculos de armação de arame e camisetas estampadas com logos de startups, eles se parecem com o típico programador de 20 e poucos anos. Os jovens garotos se amontoam sob o sol do meio dia, fumando cigarros, bebendo café em copos de papel e mexendo em seus iPhones.

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Atrás deles está um agitado espaço de coworking com 850 trabalhadores de tecnologia e dúzias de startups desenvolvendo aplicativos, ajustando experiências online, produzindo designs em massa. A vibração é muito parecida com a do Vale do Silício. Mas eles não estão nem perto do Norte da Califórnia. Eles estão a centenas de quilômetros ao sul, em Guadalajara, a “Cidade Criativa Digital” do México, a capital do estado de Jalisco, onde subsídios do governo e talentos a preços acessíveis atraem gigantes estrangeiros da tecnologia.

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Muitos lugares reivindicam ser o próximo “alguma coisa” do silício. Nova York como Alameda do Silício, Los Angeles como Praia do Silício. Nenhuma delas enfrenta o mesmo escrutínio que ocorre ao sul da fronteira. Ainda assim, há uma cena florescente nessas colinas rodeadas de agaves.

Cerca de 120 milhões de dólares foram investidos em quase 300 startups de Guadalajara desde 2014, muito disso sendo venture capital dos Estados Unidos. Com muitas milhares de startups e também gigantes blue-chip, Jalisco exporta anualmente 21 bilhões em produtos e serviços de tecnologia, de acordo com o secretário de inovação do estado.

Multinacionais como IBM, Oracle, Intel, HP, Dell e Gameloft têm escritórios satélites na região. Jalisco tem 12 universidades, inclusive a prestigiosa Tecnológica de Monterrey, o que cria um fluxo de 85 mil formados em tecnologia da informação por ano.

Sombra

Mas o México é mais conhecido por outras peculiaridades, as quais lançam longas sombras.

Entre 2007 e 2014, a guerra entre traficantes de drogas tirou 164 mil vidas, mais do que todos os civis mortos no Afeganistão e no Iraque durante o mesmo período. Quarenta prefeitos foram assassinados em oito anos. Repetidas fugas de chefes de cartéis tais como El Chapo, corrupção que alcança os mais altos escalões do governo, violência e intimidação geram uma atmosfera de impunidade. Assombrosos 99% dos crimes não são punidos, de acordo com Insight Crime, um grupo de interesse que acompanha questões de direito e justiça na América Latina.

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Números chocantes para uma nação de cerca de 130 milhões de pessoas – sendo que muito desse tumulto ocorre nos estanhos vizinhos de Michoacan, Guerrero e Sinaloa, mas não de maneira tão visível em Jalisco, como os habitantes, chamados tapatios, são rápidos em observar.

“Senso de oportunidade”

Jalisco, conhecida por seus mariachis, sua comida apimentada e sua tequila, é comparativamente tranquila. A maioria dos crimes “buchon”, isto é, menos violentos, praticados aqui é invisível: lavagem de dinheiro, tráfico de influência, extorsão. E, ainda assim, o ramo de tecnologia está prosperando – a terceirização é uma indústria de 12 bilhões de dólares por ano, de acordo com estimativas do ramo.

“Fazer negócios aqui é quase como fazer negócios nos Estados Unidos”, diz Anurag Kumar, CEO e cofundador da iTexico, uma desenvolvedora de softwares com sede em Austin, Texas, com 107 dos seus 121 empregados em Guadalajara.

Jalisco tem 12 universidades, inclusive a prestigiosa Tecnológica de Monterrey 

Kumar, um imigrante indiano que aterrissou em Pittsburgh, Pensilvânia, em 1982 quando trabalhava com a empresa de tecnologia TCS, tem trabalhado com equipes mexicanas há cinco anos, voando do Texas para cá duas vezes por mês. Sua empresa, que recebeu um prêmio de empreendedorismo do governo mexicano e foi nomeada uma das empresas com crescimento mais rápido em 2015 pela revista de negócios Inc, tem mais de 100 clientes, inclusive pesos pesados como McDonald’s e IBM e parcerias com a Appcelerator, responsável por uma plataforma de desenvolvimento de aplicativos para celular, e Microsoft. Com um faturamento de cinco milhões de dólares por ano, não é de forma nenhuma uma iniciante – não é uma líder no mercado, mas um player médio e em crescimento, com clientes globais.

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Taxas de retenção de talentos aqui rivalizam com aquelas do Vale do Silício, apesar de unicórnios com bolsos fundos ainda poderem se dar ao luxo de escolher. É difícil competir com a cooptação de talentos praticada por HP e Oracle. Ainda assim, Kumar e seu parceiro, Abhijeet Pradhan, diz que mantiveram talentos graças a Guillermo Ortega, um empreendedor mexicano que gerencia as operações como terceiro fundador da iTexico. Ter um colaborador local tem ajudado e evitar armadilhas.

“Por que não há mais atenção à TI mexicana nos Estados Unidos?”, pergunta Kumar durante o jantar em Andares, um shopping center ao ar livre com boutiques como Burberry e Hermes. “Você poderia estar na Califórnia neste momento.”

As três grandes montadoras de Detroit têm fábricas aqui. Assim como Mercedes-Benz e BMW. O México é o líder mundial na exportação de televisores de tela plana. As raízes locais do ramo de tecnologia são profundas. IBM e Motorola se estabeleceram nos anos 60 para fabricarem semicondutores e wafers de silício.

Por quê? Uma força de trabalho bem escolarizada com um terço dos salários de seus primos ao norte, baixos custos de energia elétrica, cruciais para a indústria pesada, subsídios governamentais para construção e treinamento. Essas fábricas foram as primeiras a produzir produtos de silício fora do Vale, então o rótulo “Silício” ficou. TI virou a bola da vez. Ao longo dos anos, centenas de empresas de eletrônicos se seguiram.

“É uma questão de promoção”, diz Kumar. Ele acredita que o México tem condições ideais para startups: “proximidade com os Estados Unidos, NAFTA, proteção à propriedade intelectual, a possibilidade de ter pessoas viajando pra lá e pra cá da fronteira, a facilidade com vistos – você não precisa de H1, você não precisa de N1.”

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Trabalhadores qualificados

O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês) promove comércio sem tarifas. Também permite que mexicanos obtenham vistos para trabalho nos Estados Unidos (se são patrocinados por uma empresa americana). O livre comércio globalizou a classe média, estimada em 40% da população, criando uma geração de trabalhadores qualificados, escolarizados e fluentes em inglês. E o NAFTA garante que as empresas americanas aqui retenham total proteção de copyright e patentes.

Isso torna o México mais vantajoso em termos de custos do que até mesmo a Índia, por muito tempo apregoada como o lugar para terceirização de TI. Outros fatores intangíveis: tapatios falam inglês como americanos, não como britânicos, e têm mais afinidade cultural do que pessoas do sudeste asiático ou da Europa oriental.

“Quando você pede que alguém desenhe um carro, os caras na Índia não vão por o volante no mesmo lugar”, diz Kumar. “Quando você tem equipes no México, você não precisa explicar os conceitos do negócio. Eles entendem.”

Ainda assim, Kumar frequentemente tem dificuldade em vender a ideia para colegas americanos, que desconfiam da noção de talentos mexicanos viáveis – e da segurança. Então ele convida clientes atuais e prospectivos para visitas, coordenando encontros cara-a-cara com os desenvolvedores. O que Kumar lhes mostra não é uma produção em linha de montagem, mas trabalhadores de propriedade intelectual: criação de aplicativos, engenharia de alto nível.

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“Fiquei totalmente surpreendido pelo nível de talento que eu vi”, diz Drew Anderson, vice-presidente da xTV, uma fornecedora do serviço de TV online com sede em Redwood City, Califórnia.

Anderson, que viajou para cá pela primeira vez em fevereiro, diz que trabalhar de maneira remota com mexicanos é 20% mais barato do que fazer o mesmo trabalho dentro do estado. “Já comprei a ideia de Guadalajara como um centro de TI”, diz.

Os primeiros dias

Não são apenas empresas estrangeiras que estão encontrando sucesso. Engenharia de software existe aqui há anos, mas até o fim dos anos 90, era mais concentrada em fabricação, não desenvolvimento.

“O movimento das startups começou em 2010”, diz Mak Gutiérrez, de 35 anos, que desde o fim de 2011 hospeda a seção local da Hackers e Fundadores, um encontro semanal e incubadora mantido na garagem do hacker, uma espécie de clube com internet de alta velocidade, impressoras 3D e espaço para desenvolvedores.

Gutiérrez diz que não havia financiamento de venture capital até que um fundo chamado Mexican VC começou a investir pequenos montantes – cerca de 20 mil dólares por vez – em 2011. Esse fundo foi comprado pela firma de venture capital 500 Startups. Alta Ventures e outras firmas abriram aceleradoras e incubadoras, e fundos de venture capital estrangeiros chegaram.

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“O investimento inicial mediano agora está entre 80 e 120 mil dólares”, ele disse.

Multinacionais como IBM, Oracle, Intel, HP, Dell e Gameloft têm escritórios satélites na região 

O que esse dinheiro está alimentado? Sunu desenvolveu um bracelete sensor para cegos. VoxFeed, uma venture de tecnologia de propaganda, levantou quase 2 milhões de dólares em 2015. Espiral, um serviço de pagamento pelo celular que é uma espécie de mistura entre Square e Stripe, está expandindo rapidamente, com clientes públicos e privados. Com metade da população com menos de 27 anos, mais de 100 milhões de celulares, e apenas 15% usando cartões de crédito, é uma jogada com um potencial imenso de lucro.

Dois dos três fundadores da WePow, que inventou a entrevista por vídeo em larga escala, são da região. Agora com sede em São Francisco e uma equipe de engenheiros em Guadalajara, WePow é um player no ramo contratação de pessoal, com clientes que incluem Adidas e Philip Morris. Em fevereiro, a Microsoft adquiriu Xamarin, uma empresa de softwares e aplicativos cujo cofundador é dos arredores da Cidade do México (o valor da transação não foi divulgado, mas estima-se que supere 100 milhões de dólares).

Kueski, um serviço de microcrédito, levantou mais de 10 milhões de dólares em um ano, disse Gutiérrez.

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“Há um senso crescente de oportunidade”, disse. “Vimos o início do efeito bola-de-neve. Antes, fundadores estavam tentando consertar problemas mexicanos, não mundiais. Eu estava realmente hesitante a respeito de para onde isso estava indo. Essa nova fornada de empreendedores tem mudado o que nós esperávamos. Há pelo menos 10 startups que eu acho que nos próximos três a seis meses vão levantar valores significativos.”

Gutiérrez quer que a cidade seja julgada por seus próprios méritos. E ele acha que um unicórnio local poderia trazê-la à dianteira.

“Precisamos ser a Guadalajara dos Estados Unidos, não o Vale do Silício de qualquer lugar”, ele diz. “Não é razoável tentar ser o Vale do Silício porque ele é impossível de se replicar.”

“Precisamos ter nosso próprio nome”, diz Jacobo Gonzalez, presidente do Instituto de Tecnologia de Informação de Jalisco, uma organização sem fins lucrativos de promoção de negócios. “E isso está acontecendo com TI, com engenharia, o Vale do Silício está vindo para cá.”

“Todos os elementos estão aí para a região se tornar um nome da casa em tecnologia”, diz Guillermo González King, diretor executivo da Mexico IT, uma parceria público-privada que funciona como uma câmara de comércio do ramo de tecnologia. “Infelizmente, a percepção é de que segurança pessoal é um pré-requisito.”

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