Os efeitos da crise financeira ocasionaram a abertura de uma nova fase nas licitações de rodovias. Os elevados deságios verificados nos últimos leilões de concessão não se repetirão, avaliam especialistas. A perspectiva de desaceleração da economia local resulta em uma expectativa menor de crescimento do tráfego nas estradas, o que fará com que as concessionárias exijam um pedágio mais alto para remunerar os seus projetos. Outro ponto a contar desfavoravelmente na elaboração das propostas é a dificuldade em tomar crédito. Para combatê-la, analistas esperam uma maior participação do governo federal no processo licitatório.
"Aquela fase de elevados deságios passou", assegura o professor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende. No leilão do trecho Oeste do Rodoanel, por exemplo, realizado em março deste ano, a Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) venceu com um deságio de 61% sobre o teto estipulado no edital de concessão.
"Estamos percebendo que a crise não atingiu o sistema financeiro brasileiro com tanta veemência como nos outros países, mas isso não quer dizer que ela não afetará a economia real na mesma proporção. Há sérias restrições de crédito", acrescenta.
O próximo leilão de rodovias agendado é o das paulistas Marechal Rondon (Leste e Oeste), Dom Pedro I, Raposo Tavares, Ayrton Senna e Carvalho Pinto. Os investimentos em todas as vias é estimado em R$ 11,5 bilhões. Desse total, R$ 3,5 bilhões referem-se ao valor a ser pago pela concessionária pelo direito de operar a estrada. Segundo especialistas, esse é um dos grandes obstáculos para a viabilidade dos projetos, pois o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não financia o pagamento de outorgas.
"O grande problema é o financiamento para o pagamento de outorgas. Será preciso contratar empréstimo-ponte até viabilizar o financiamento de longo prazo", afirma o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Servilha Duarte, prevendo dificuldades nessa operação. Para ele, as incertezas sobre a profundidade da crise no Brasil dificultarão a conclusão de operações desse tipo. "Para entrar na disputa, os licitantes precisarão de recursos próprios ou trabalhar para tornar os empréstimos-ponte viáveis."
Além da concorrência na fila do crédito com dezenas de outras empresas que ainda não pretendem adiar projetos, os candidatos a levar as rodovias paulistas também esbarrarão no mercado com o pleito das vencedoras do leilão dos sete lotes de federais realizado ao final do ano passado. Ainda não há financiamento contratado com o BNDES para nenhum dos projetos, entre eles obras de importantes rodovias, como Fernão Dias e Regis Bittencourt. "Os financiamentos de médio e longo prazo ainda não foram viabilizados", lembra Duarte. Somente a espanhola OHL, por exemplo, deve investir cerca de R$ 4 bilhões nos cinco lotes que arrematou no final do ano passado e ainda negocia com o BNDES.
Diante de todas essas dificuldades, o professor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende prevê uma nova fase para o setor de concessão de rodovias. "O poder público vai entrar garantindo o financiamento a partir de agora. Terá de avalizar o colchão de financiamento. Se não tiver o aval do poder público, as licitações não ocorrerão", afirma. Confirmando a teoria de Resende e para justificar a manutenção da data do leilão para o próximo dia 29, o governo de São Paulo informou que conseguiu apoio de um banco comercial e de três instituições de fomento para financiar os vencedores.
Para dezembro, ainda estão previstas as licitações para a segunda etapa de concessões das rodovias federais, com investimento estimado em R$ 2 bilhões. Também pelo programa de recuperação de rodovias, o governo paulista prepara estudos para conceder novos lotes à iniciativa privada, como os trechos Leste e Sul do Rodoanel e as rodovias dos Tamoios e Oswaldo Cruz.
Lado bom
Embora admita que há um problema grave de crédito no curto prazo, o sócio-diretor da Trevisan Consultoria Olivier Girard acredita que a crise pode ser benéfica para o setor de infra-estrutura, incluindo as concessões de rodovias, no longo prazo. Segundo ele, a forte crise nos mercados financeiros deve provocar uma mudança de comportamento nos investidores, que devem procurar ativos tangíveis para investir.
"A partir do momento em que as pessoas começarem a pensar o sistema financeiro, elas devem buscar oportunidades de investimento baseadas em garantia real, onde os projetos de infra-estrutura se enquadram", destaca ele.
Montadoras
No setor automotivo, que planeja investir US$ 23 bilhões nos próximos quatro anos no País, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as perspectivas também não muito animadoras. As restrições nas condições de crédito, que já chega aos consumidores, a falta de confiança e as perspectivas de desaquecimento do mercado interno formam um cenário desfavorável para a manutenção do ritmo frenético de atividade verificado no setor nos últimos anos. Do ponto de vista de investimento, há ainda um outro fator que pode provocar adiamentos ou até mesmo cancelamentos de projetos: o desempenho ruim de algumas multinacionais nos países desenvolvidos.
"Algumas montadoras internacionais, como Ford e General Motors, não estão bem. Se tiver dinheiro sobrando, será para pagar contas nos Estados Unidos", diz Girard, que acredita em retração nos investimentos em resposta à queda de demanda. Até o momento, no entanto, nenhuma montadora admite rever seus planos.
Em contrapartida, o consultor acrescenta que uma possível queda no preço do aço no mercado internacional tende a diminuir o custo de produção da indústria automobilística. "E aí elas têm duas possibilidades: ou passarão a trabalhar com uma margem de lucro maior, o que pode ajudar na sua saúde financeira, ou podem repassar essa queda no custo para o mercado, numa tentativa de incentivar as vendas."
Entre os maiores investimentos de montadoras previstos para os próximos anos destacam-se o plano de investimento da Fiat de 2008 a 2010 (no valor de R$ 6 bilhões), o plano da Ford de R$ 2,2 bilhões, divulgado para o período que vai de 2007 a 2011; os recursos da GM do Brasil, de R$ 1 bilhão; a construção de uma nova fábrica da Toyota em Sorocaba (SP), com investimentos de aproximadamente R$ 1,4 bilhão; e de uma nova unidade da Hyundai em Piracicaba (SP), que deve demandar cerca de R$ 1,2 bilhão.