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Investimento privado

Fã de estatais, governo busca investimento privado na infraestrutura

Fã de estatais, governo se rende ao investimento privado com concessões de infraestrutura
O ministro dos Transportes, Renan Filho, durante leilão de rodovias em 12 de dezembro de 2024: governo adota pragmatismo ao repassar infraestrutura ao setor privado, mas investimento segue longe do ideal. (Foto: Marcio Ferreira/Ministério dos Transportes)

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Apesar de ser avesso a privatizações, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aumentou sua agenda de concessões de obras de infraestrutura à iniciativa privada nos dois primeiros anos de mandato. Por meio de leilões coordenados pelos ministérios da área, o Executivo tenta suprir a falta de recursos para investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. O investimento do país nessa área, apesar disso, segue muito abaixo do ideal.

Apenas neste ano, o governo quer leiloar mais de R$ 105 bilhões em concessões de transportes. A maior parte desses recursos está vinculada a repactuações de contratos antigos.

O principal desafio para a concretização dessa meta é macroeconômico. A tendência é de alta nos juros: atualmente a Selic está em 12,25% ao ano e as expectativas do mercado financeiro para o final do ano indicam para uma taxa de 14,75% ao ano, segundo o boletim Focus do BC. O dinheiro que seria destinado a investimentos em infraestrutura concorreria com o mercado financeiro.

Concessões não são receita nova

As concessões não são uma receita nova. Começaram a ganhar espaço no país na década de 1990 e, desde então, os diversos governos, mergulhados permanentemente em crise orçamentária, têm procurado oferecer projetos atrativos para investimentos. A aversão ao capital privado, marca histórica das gestões petistas, não impediu o avanço da agenda.

O ministro dos Transportes, Renan Filho (PP-AL), festejou, em dezembro, a realização de nove leilões para concessão de sistemas rodoviários em todo o país desde o início da gestão. A expectativa é impulsionar mais de R$ 111 bilhões em investimentos para a modernização de cerca de 4,3 mil quilômetros de rodovias concedidas.

O governo prevê que outros 35 serão realizados até o fim do mandato, em 2026. O próximo da agenda, previsto para 7 de janeiro, é o da concessão da Ponte Internacional de São Borja, que liga as cidades de São Borja (RS), no Brasil, e Santo Tomé, na Argentina.

Em novembro, o ministro havia dito que os planos da atual gestão são mais ambiciosos que os do governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), com o então ministro Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos-SP), hoje governador de São Paulo, à frente.

“É uma decisão pragmática de qualquer governo, à esquerda ou à direita”, afirma Marcus Quintella, professor e especialista em Transportes da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Transportes).

“Os governantes têm essa linha de raciocínio muito clara [de atrair investimentos privados em infraestrutura]. Até porque, se o governo não fizer isso, não consegue desenvolver o país, não consegue manter geração de emprego, não consegue manter o PIB em ascensão. É a infraestrutura de transporte que escoa a produção agrícola, produção industrial, minério e commodities.”

Ferrovias, portos e aeroportos também estão no radar

Há também planos para concessões de 2,4 mil quilômetros de ferrovias para a iniciativa privada, um traçado que cortaria o país de um lado a outro, saindo de Lucas do Rio Verde, município localizado na região central do Mato Grosso, até chegar ao litoral baiano, em Ilhéus. É a chamada Ferrovia de Integração Oeste – Leste (Fiol).

Para Paulo Villa, diretor executivo da Associação de Usuários de Portos da Bahia (Usuport) e especialista em infraestrutura de transporte de carga, trata-se de uma das mais importantes concessões do país. “Sobretudo porque você une três regiões: Sudeste, Nordeste e o Centro-Oeste”, explica.

O governo também quer destravar a Ferrogrão, estrada de ferro para ligar Sinop (MT) a Miritituba (PA), projeto que teve o andamento suspenso por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na esfera portuária, a Secretaria Nacional de Portos realizou oito leilões, atraindo investimentos de R$ 3,74 bilhões até dezembro. Um programa do Ministério de Portos e Aeroportos pretende atrair investimentos de concessionárias para a melhoria da infraestrutura de 102 aeroportos regionais, com investimento total de R$ 5,3 bilhões.

Investimento em infraestrutura está muito abaixo do necessário

Segundo Quintella, apesar do avanço da agenda, as necessidades do país estão muito além da capacidade de financiamento do governo, mesmo com concessões e até parcerias público-privadas. O ponto central, segundo ele, é a modelagem financeira capaz de atrair o capital e garantir retorno dos investimentos dentro de um horizonte determinado de tempo.

Levantamentos de referência sobre o tema demonstram que o país precisaria gastar, nos próximos 20 anos, em torno de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano, ininterruptamente, para tirar o atraso logístico de transporte do país.

“Pegando o histórico das últimas décadas, chegamos perto de 1% de investimento, considerando capital público e privado”, afirma. “Os recursos públicos ficam em torno de 0,4%. É um número alarmante. Não temos nem previsão de chegar perto. Não há sequer projetos nem frentes de trabalho para isso.”

Projetos de concessão precisam estar integrados

Villa, da Usuport, diz que o empenho do governo atual para as concessões é bem-vindo, mas que os processos precisam ser mais bem estruturados. Segundo ele, há problemas de planejamento e de burocracia que demonstram que o país “vem ainda engatinhando, fazendo concessões de uma forma preliminar e antiga”.

“Precisamos de um modelo de concessão realmente dinâmico, que sinalize para o setor produtivo como as coisas vão acontecer”, afirma. “O governo precisa ter um portfólio de projetos não para um mês ou um ano, mas para os próximos cinco anos, considerando os gargalos logísticos e a integração dos modais. Além disso, os valores de outorga com base na menor tarifa não são um critério eficiente, porque pode comprometer o empreendimento.”

Para Villa, o país devia se espelhar no modelo europeu, mais ágil e dinâmico. “Os projetos deveriam estar prontos, listados e com as licenças já aprovadas. Hoje, quem ganha a licitação perde um tempo enorme com a burocracia”, afirma.

Além disso, necessidades específicas precisam a ser consideradas. No setor portuário, há falta de terminais de contêineres. “Eu costumo dizer ainda que o Brasil não entrou na era do contêiner, estamos atrasados”, diz Villa. “Precisamos de terminais qualificados para receber navios de 400 metros de comprimento e com calado até 17 metros, que é o padrão internacional.”

No caso de ferrovias, o que se vê é uma "colcha de retalhos". “Não existe um plano nacional ferroviário e com bitola única, ou seja, uma única largura de trilhos ao longo de toda a malha, permitindo a integração dos transportes", diz. "Só a malha Centro-Oeste tem quase 8 mil quilometros, uma extensão grande para qualquer país grande do mundo."

Villa acredita que falta ouvir mais a sociedade. As audiências públicas, segundo ele, são mal divulgadas e acabam impedindo a diversidade de opiniões e interesses. Um exemplo foi a audiência pública da concessão da BR-116 Norte, realizada em meados de dezembro, onde houve apenas três manifestações.

Para ele, o governo tem tentado "mostrar serviço”, mas preterindo o principal. “Está tendo um esforço de marketing para atrair os investidores privados", diz. "Não há outra mesmo saída para o Brasil em termos de infraestrutura de transporte de carga que não seja fazer concessões. Mas o que eu digo para o ministro é: vamos fazer bons projetos, projetos modernos, voltados para o futuro e com certeza não vai faltar interessados.”

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