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A incerteza em relação à economia está em alta e a confiança de empresários e consumidores, em baixa. As indefinições sobre o cenário das contas públicas e a equipe econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que começa dia 1.º de janeiro, são os principais fatores que alimentam esse comportamento.
Bancos, consultorias e corretoras não esperam uma forte redução na taxa Selic, atualmente em 13,75% ao ano, para 2023. O ponto médio (mediana) das expectativas publicadas nesta semana pelo boletim Focus está em 11,75%. “E se as incertezas predominarem, podemos ter uma forte alta”, alerta Lucas Godeiro, pesquisador do TC.
Uma das fontes de preocupação está com a situação do teto de gastos, que pode contribuir para pressionar o endividamento público do país – que recua desde 2021. Em outubro, a dívida bruta correspondia a 75,1% do PIB, segundo o Banco Central, e o Ministério da Economia estima que ela terminará o ano em 73,7%.
Já existia no mercado a expectativa de aumento do endividamento nos próximos anos, para além de 80% do PIB. As negociações da PEC fura-teto – que por fim permitiram um gasto de quase R$ 170 bilhões além dos limites originais do teto de gastos em 2023, além da substituição da política fiscal no ano que vem – reforçam o pessimismo.
“Os juros funcionam como uma trava para os negócios e vêm contaminando as expectativas”, diz o gerente de análise econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo.
Ele aponta que, no caso da indústria, esse cenário de menor confiança pode se refletir em menos investimento, menos contrações e produção menor. Nos 12 meses encerrados em outubro, o setor registra uma retração de 1,4% na produção, comparativamente ao período anterior, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O impacto maior acontece em segmentos que dependem mais do crédito”, complementa Azevedo.
Outro fator que afeta o humor de empresários e consumidores é o desaquecimento da atividade econômica. Se, para 2022, as expectativas sinalizam para um crescimento perto ou ligeiramente superior a 3%, para o próximo ano, o ponto médio (mediana) das projeções no boletim Focus está em 0,79%.
O cenário não é dos mais favoráveis, afirma a coordenadora de sondagens da Fundação Getulio Vargas (FGV), Viviane Seda Bittencourt: “Já está precificado que 2023 vai ser um ano mais desafiador, especialmente do lado fiscal. O governo terá dificuldades em atuar como indutor da economia, o que limita a expansão da atividade”.
A FGV detectou, em novembro, a maior queda de confiança empresarial desde março de 2021. “A segunda queda consecutiva de ambos os indicadores confirma a fase de desaceleração do nível de atividade no quarto trimestre e capta projeções pessimistas em relação aos próximos meses”, cita a entidade.
O índice apurado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV caiu 6,7 pontos em novembro, para 91,5 pontos, o menor nível desde fevereiro. Índices acima de 100 refletem confiança empresarial, enquanto números abaixo de 100 refletem falta de confiança.
Serviços ainda sentem impactos da inflação
A queda de confiança é disseminada entre os diferentes segmentos de atividade econômica. Apenas 16% tiveram alta. O impacto da inflação elevada, que chegou ao pico de 12,1% ao ano em abril e depois recuou, ainda é sentido. E mesmo setores que vem se mantendo com um grau de resiliência maior, como o de serviços, perderam ânimo.
Os serviços foram beneficiados, neste ano, pela diminuição na intensidade da pandemia da Covid-19, pela vacinação e pela flexibilização no uso de máscaras. Nos dez primeiros meses do ano, o setor acumula um crescimento de 8,7% em relação ao mesmo período de 2021. Os serviços de alimentação e alojamento são o principal destaque, aponta o IBGE.
Ainda assim, o índice de confiança dos serviços caiu 5,4 pontos em novembro, atingindo 93,7 pontos e retornando ao menor nível desde março. “Apesar do termino do período eleitoral, fatores políticos foram citados como limitadores a melhorar os negócios nos próximos meses, o que eleva a incerteza do cenário no curto prazo e um ambiente macroeconômico delicado em 2023”, diz Rodolpho Tobler, economista da FGV, em nota.
Comércio tem o menor nível de confiança entre os setores
Em novembro, o comércio voltou a registrar o menor nível de confiança entre os setores e está em seus menores patamares desde abril. Na escala, onde números maiores que 100 indicam maior confiança, o indicador registrou 87,2 pontos.
Segundo Tobler, fatores políticos parecem contribuir negativamente para a falta de confiança no comércio, limitando a melhora dos negócios nos próximos meses.
“A deterioração [da confiança] chama atenção pela intensidade e disseminação da sua queda. Os empresários percebem uma forte desaceleração da atividade e projetam piora para os próximos meses, em linha com um cenário mais restritivo de elevada taxa de juro, inflação e redução de ímpeto de consumo por parte dos consumidores”, diz ele, por meio de nota.
Lucas Godeiro, da TC, aponta também que o comércio tende a ser mais afetado pelo aumento nas incertezas porque depende muito dos juros.
A demanda por crédito está em baixa, tanto entre consumidores quanto entre empresas. E nos 12 meses encerrados em outubro, o comércio varejista ampliado – que inclui vendas de material de construção e de veículos – acumula queda de 1% em relação a igual período anterior, de acordo com números do IBGE.
Na construção, confiança teve maior queda desde abril de 2020
Outro setor que vem sentido forte queda na confiança é a construção. Segundo o Ibre/FGV, o índice caiu 5,3 pontos em novembro, o maior recuo desde abril de 2020, e chegou aos 92,9 pontos, patamar mais baixo desde março.
Segundo a coordenadora de projetos da construção do Ibre/FGV, Ana Maria Castelo, depois de sete meses sentindo um otimismo moderado, a percepção para os negócios e a demanda para os próximos três meses sofreu um revés expressivo.
“Não houve nenhuma alteração substancial em relação aos fatores limitativos aos negócios – as assinalações em demanda insuficiente até tiveram queda na comparação com outubro. Assim, mostra-se evidente que o choque de expectativas pode ser associado aos resultados das eleições. As incertezas em relação à política econômica do próximo governo provocam um receio de piora no ambiente futuro dos negócios. O setor está crescendo, mas o futuro é incerto”, diz Castelo.
Industrial tem mais confiança na sua empresa que na economia
A confiança do empresário da indústria caiu em dezembro pelo terceiro mês consecutivo, aponta a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ela é a menor desde julho de 2020. “De uma forma geral, há ainda confiança do empresário, mas ela é restrita e pouco intensa”, diz o gerente de análise econômica da entidade empresarial, Marcelo Azevedo.
Segundo ele, houve uma inversão na avaliação das condições atuais da economia brasileira. A percepção é de que o cenário piorou. Em relação às expectativas, o cenário é de um otimismo moderado, resultante da confiança do empresário no desempenho de sua empresa. “No tocante à economia brasileira, há percepção de piora das condições atuais e expectativas negativas”, afirma o economista.
A queda da confiança é generalizada na indústria. Em dezembro, ela caiu em 19 de 29 setores industriais, em três regiões do Brasil e em todos os portes de empresa. O recuo mais pronunciado é entre as empresas de grande porte. E no Sul e no Sudeste, os industriais demonstram falta de confiança.
Não é só a CNI que mostra essa perda de ímpeto na confiança da indústria. Outra instituição que aponta o mesmo é o Ibre/FGV, cujo índice caiu para 92,1 pontos, o menor desde julho de 2020.
O economista Stefano Pacini, do FGV Ibre, avalia que há deterioração de percepções sobre a situação atual decorrente de uma piora na demanda e consequente aumento do nível de estoques, o maior desde o período de lockdown.
Também há, de acordo com ele, uma piora das expectativas para os próximos meses, possivelmente relacionada a uma desaceleração global prevista e um cenário econômico brasileiro de incertezas para o início do próximo ano.
Juros e inflação afetam confiança dos consumidores
As expectativas para a demanda tiveram uma queda forte no mês passado, mesmo com contratações elevadas e queda da inflação, que nos 12 meses encerrados em novembro atingiu 5,9%, segundo o IBGE.
Além de refletir a desaceleração da economia, essas expectativas partem de um quadro de juros mais elevados, um crédito mais restrito e maior endividamento das famílias, ressalta a FGV.
“O mercado de trabalho vem se recuperando, mas com vulnerabilidade. Quem está tendo mais chance são as pessoas com mais qualificação, o que acaba impactando negativamente as famílias de baixa renda”, diz Bittencourt.
A confiança dos consumidores também está em queda. Segundo a coordenadora de sondagens da FGV, passado o efeito das transferências do governo, os consumidores de baixa renda voltaram a se sentir menos satisfeitos em relação à situação financeira familiar e revisaram suas expectativas para baixo nos próximos meses.
“Mesmo com uma queda nas perspectivas sobre a inflação e um efeito ainda positivo no mercado de trabalho, há um aumento do pessimismo sobre as finanças familiares nos próximos meses. É possível que exista algum espaço para o consumo pelas famílias de maior poder aquisitivo, mas, dadas as condições macroeconômicas, sua sustentação nos próximos meses acaba sendo uma tarefa difícil”, ressalta.
Os juros mais altos dificultam a procura por crédito e a renegociação das dívidas. Os dados mais recentes da Serasa Experian, de outubro, mostram que a demanda por dinheiro entre os consumidores caiu 14,8% no comparativo entre outubro de 2021 e 2022. É a quinta retração seguida desde maio. O maior recuo na demanda por crédito ocorreu entre aqueles que ganham entre R$ 500 e R$ 2 mil por mês.
A inadimplência também está elevada entre as pessoas físicas. São 69,1 milhões de consumidores com pendências, o maior número da série histórica da Serasa, iniciada em março de 2016.