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Diante de uma resistência cada vez maior do Congresso, virou questão de honra para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, levar adiante o plano de extinguir – ou pelo menos limitar significativamente – o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e a desoneração da folha de pagamentos de municípios.
Consideradas cruciais para a meta do ministro de equilibrar as contas públicas este ano, as iniciativas estavam contempladas na controversa Medida Provisória (MP) 1.202, editada pelo governo às vésperas da virada do ano e que estabelecia ainda a reoneração da folha de 17 setores beneficiados com um desconto na contribuição previdenciária patronal.
A reação negativa dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que ameaçaram derrubar o texto, fez com que Haddad recuasse mais de uma vez e aceitasse encaminhar as medidas por meio de projetos de lei (PL), que dependem da análise de ambas as Casas legislativas.
Pressionado por parlamentares, empresários e prefeitos, o governo incialmente tornou sem efeito o trecho da MP que previa a reoneração de empresas. Na sequência, decidiu rever também a parte que extinguia o Perse.
Mesmo com as concessões, no entanto, o ministro sofreu novo revés esta semana, quando Pacheco deixou caducar o trecho da MP que tratava da reoneração da folha de municípios.
Agora, enquanto cogita até mesmo recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a reoneração sobre a folha de prefeituras, o ministro conta com a aprovação de três diferentes PLs, todos à espera de votação em comissões na Câmara dos Deputados:
- PL 493/2024, que reonera a folha de pagamento de empresas beneficiadas com um desconto na contribuição previdenciária patronal;
- PL 1.026/2024, que limita o alcance do Perse e extingue o programa até 2027; e
- PL 1.027/2024, que reonera a folha de pagamento de municípios.
A equipe de análise macroeconômica da corretora Warren Rena estima que eventual rejeição das propostas implicaria em perda de receita de R$ 25,6 bilhões para a União em 2024. Desse montante, R$ 16 bilhões viriam da necessidade de compensação no caso da manutenção da desoneração da folha de empresas (R$ 12 bilhões) e de municípios (R$ 4 bilhões).
A meta estabelecida pelo arcabouço fiscal é de resultado primário zero (sem déficit nem superávit) neste ano, com tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB para mais ou para menos. Embora as expectativas tenham melhorado um pouco recentemente, o mercado ainda vê o governo longe disso: a mediana das expectativas é de déficit de 0,7% do PIB neste ano, segundo o boletim Focus, do Banco Central.
Projetos trazem versões "desidratadas" de trechos da MP 1.202
Uma das principais frustrações de Haddad em seu plano para zerar o déficit primário em 2024 foi a prorrogação até 2027 da desoneração da folha de pagamento, aprovada pelo Congresso no fim do ano passado.
Mais do que prolongar o benefício, considerado uma herança “maldita” do governo de Dilma Rousseff (PT), os parlamentares ainda o estenderam a prefeituras de municípios com até 156,2 mil habitantes, que tiveram alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha reduzida de 20% para 8%.
A proposta foi vetada integralmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas, em nova derrota do governo, o veto foi derrubado. O impacto com a decisão, segundo o Ministério da Fazenda, chegaria a R$ 19 bilhões por ano aos cofres da União.
A Gazeta do Povo, como empresa de comunicação, está entre os setores beneficiados pela prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.
No dia 28 de dezembro de 2023, em meio ao recesso legislativo, o governo decidiu editar a MP 1.202, estabelecendo a reoneração gradual da folha salarial tanto de empresas quanto de municípios beneficiados.
O texto também previa o fim do Perse, instituído em 2022, no governo de Jair Bolsonaro (PL), para mitigar os impactos econômicos da pandemia de Covid-19 em empresas do setor de eventos e turismo.
Segundo a Fazenda, no ano passado, o total de renúncias com o programa chegou a R$ 17 bilhões. Haddad sustenta que, além de ter custado muito mais do que se estimava inicialmente – a expectativa era de uma renúncia anual de R$ 4 bilhões –, haveria indícios de irregularidades no uso dos benefícios.
Com o recuo do governo e a decisão de encaminhar as medidas por meio de PLs, as mudanças passaram por um processo de “desidratação”.No caso dos municípios, o governo quer limitar a alíquota reduzida às cidades com até 50 mil residentes e receita líquida per capita de até R$ 3.895. Conforme o texto, assinado pelos líderes do governo, José Guimarães (PT-CE), e da federação PT/PV/PCdoB, Odair Cunha (PT-MG), a contribuição seria retomada gradualmente, da seguinte forma:
- 14% em 2024;
- 16% em 2025 e
- 18% em 2026.
Para ter direito ao benefício, os municípios devem estar sem débitos tributários. O texto prevê que as dívidas com a Receita Federal podem ser parceladas em até 60 meses, com redução de 70% de multas e juros. Além disso, proíbe que municípios com regime próprio de Previdência e beneficiados pela medida migrem para o regime geral.
Ministro quer limitar desconto e número de empresas beneficiadas pelo Perse
No caso do Perse, o Ministério da Fazenda quer cortar o número de atividades econômicas beneficiadas de 44 para 12, além de reduzir gradualmente o desconto tributário até 2027. Também ficariam excluídas, segundo o PL proposto, as empresas com faturamento acima de R$ 78 milhões.
Continuariam a ser contemplados no novo Perse, de acordo com a proposta, as seguintes atividades:
- Hotéis;
- Serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas;
- Casas de festas e eventos;
- Produção teatral;
- Produção musical;
- Produção de espetáculos de dança;
- Produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares;
- Atividades de sonorização e de iluminação;
- Artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente;
- Restaurantes e similares;
- Bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento; e
- Bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento.
Entre as atividades que perderiam acesso ao programa incluem-se empresas de transporte, operadores turísticos e agências de viagem, museus, albergues, apart-hotéis, alojamentos e campings, serviços de filmagem e de bufês para festas e eventos, cinemas, aluguel de equipamentos esportivos e recreativos, casas de festas e de eventos, zoológicos e produtores de filmes publicitários.
O projeto ainda prevê que, caso o contribuinte tenha usufruído indevidamente do benefício, ele deverá aderir a um processo de “autorregularização” em até 90 dias, por meio de confissão e do pagamento ou parcelamento do valor integral dos tributos, acrescidos dos juros, com afastamento da incidência das multas de mora e de ofício em relação aos débitos relativos aos fatos geradores anteriores a março de 2024.
“Entendemos que, a despeito da imperiosa necessidade de continuidade no processo de ajuste fiscal, a matéria carece ainda de maiores aprofundamentos no âmbito do Congresso Nacional. Assim, propomos por meio deste projeto de lei uma recomposição de alíquotas de maneira mais gradual que a descontinuidade proposta na MPV [medida provisória], chegando-se à alíquota plena apenas no exercício de 2027”, explicam Guimarães e Cunha, também autores da proposta.Conforme o texto, para as empresas beneficiadas a alíquota de PIS, Cofins e CSLL sairia dos atuais 0% para 55% da alíquota normal a partir de abril de 2024; para 60% em 2025; e para 75% em 2026. Já o IRPJ, atualmente zerado, iria para 60% da alíquota padrão no ano que vem, e para 75% em 2026.
Reoneração de folha de municípios tensiona relação entre Pacheco e Haddad
Em meio à negociação pela aprovação das matérias, Pacheco e Haddad trocaram farpas publicamente esta semana em mais um capítulo da crescente tensão entre Fazenda e Congresso em torno da MP 1.202.
Na segunda-feira (1.º), o presidente do Senado prorrogou a validade da MP por mais 60 dias, mas deixou o trecho que tratava da reoneração da folha de municípios caducar. Com isso, as prefeituras que vinham pagando 20% de contribuição previdenciária sobre os salários voltaram a recolher 8% sobre a folha, como antes da medida.
“A decisão significa que a discussão sobre o tema da desoneração da folha de pagamento e seu eventual novo modelo devem ser tratados integralmente por projeto de lei, e não por MP. Estamos abertos à discussão célere e ao melhor e mais justo modelo para o Brasil”, disse o presidente do Senado, em nota.
No dia seguinte, Haddad declarou não ter sido avisado previamente por Pacheco da decisão. “Eu prefiro nem comentar sem saber melhor qual foi o procedimento adotado, porque a medida provisória já tinha sido recepcionada com aquele acordo de tirar os 17 setores e tramitar por projeto de lei com urgência constitucional”, afirmou o ministro.
Em recado ao Congresso, ele disse que "a arrumação das contas públicas exige um compromisso do três Poderes" e que "o papel da Fazenda é dar um norte sobre como arrumar".
Pacheco, por sua vez, disse que o episódio “não abalaria” a relação com o governo. “Não há nenhum tipo de afronta, nenhum ato de irresponsabilidade fiscal”, acrescentou. “Eu comuniquei o ministro responsável pela articulação política, ministro Alexandre Padilha, de que nós na iminência da vigência de uma Medida Provisória que desconstituía a decisão do Congresso Nacional relativamente a desoneração, que nós teríamos então a decisão de não prorrogar a medida provisória, reconhecendo esses dispositivos inconstitucionais. E, obviamente, disse também a ele que nós estamos abertos a ouvir a nova proposta do governo relativamente a desoneração da folha via projeto de lei”, afirmou.
Haddad, no entanto, afirmou, após uma reunião com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que a Advocacia-Geral da União (AGU) “está estudando” o que pode ser feito para derrubar a desoneração dos municípios, sem descartar a possibilidade de levar o caso ao STF.
“A AGU está estudando a matéria. Isso não foi submetido ainda ao presidente da República. Temos que entender que todo gasto tributário primário tem que vir acompanhado de uma compensação. Isso não sou eu que estou inventando, não é o presidente que está inventando. É uma lei complementar aprovada pelo mesmo Congresso”, afirmou.
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