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Para facilitar a aprovação do projeto do novo arcabouço fiscal na Câmara, o relator da proposta, deputado Claudio Cajado (PP-BA), retirou da versão final do texto um dispositivo que fixava o crescimento real do limite de gastos públicos para 2024 em 2,5%, independentemente da evolução na arrecadação.
Por outro lado, um novo artigo incluído no texto-base aprovado autoriza o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a aumentar o espaço para novas despesas no mês de maio do próximo ano, caso a receita projetada para o exercício, ao fim do segundo bimestre, seja superior à prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024.
A ampliação do limite de gastos, nesse caso, ocorrerá na proporção da diferença entre o projetado para 2024 em relação ao realizado em 2023 e o estabelecido na LOA, até o máximo de 2,5% de aumento real. Caso a estimativa não se realize ao fim do ano, esse aumento no teto será “devolvido” no exercício de 2025.
Na prática, portanto, a Câmara trocou uma artimanha por outra, de forma a manter ao governo a possibilidade de gastar mais no próximo ano. O texto foi aprovado por larga vantagem: 372 votos a favor, 108 contrários e uma abstenção.
“Em resumo, o novo texto acaba dando voltas para chegar ao mesmo ponto: o limite de despesas deve ser corrigido em 2,5% acima da inflação em 2024 e 2025, já que receitas adicionais decorrentes de medidas que entrarão em vigor nos próximos meses possibilitarão ao governo atingir esse patamar”, analisa Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos.
Para os economistas Felipe Salto, Josué Pellegrini e Fernanda Castro, da Warren Rena, a mudança pode resultar em uma taxa de variação real que se situará entre 1,1% e 2,5%. Isso significaria um aumento de R$ 29,4 bilhões no limite de gastos para 2024. Na média de 2024 a 2032, essa expansão anual no teto de despesas poderia superar R$ 36 bilhões.
“A aposta implícita nessa regra complexa, vale dizer, é que a dinâmica de receitas de 2024 deverá permitir uma maior expansão de gastos, que não estaria avalizada na presença apenas da regra geral contida no texto original do PLP 93”, comentam os analistas em relatório para clientes.
“O problema é que, na prática, pode-se estar criando um mecanismo ad hoc que dá um teor bastante casuístico para o primeiro ano de aplicação do arcabouço fiscal, com o objetivo prático de produzir uma taxa real elevada, que possa se aproximar dos 2,5%, mesmo a regra dos 70% sobre a variação real da receita líquida até junho de 2023 não ensejando tal comportamento”, escrevem.
Segundo o jornal “O Estado de S.Paulo”, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, atuou diretamente nos bastidores para impedir que a nova versão do substitutivo de Cajado limitasse a ampliação dos gastos do governo em 2024, primeiro ano de vigência da nova regra fiscal, caso o texto tenha o aval também do Senado.
“A Câmara dos Deputados deu uma demonstração de que busca um entendimento para ajudar o Brasil a recuperar taxas de crescimento mais expressivas”, disse Haddad em conversa com jornalistas logo após a aprovação do texto na Câmara.
Veja a seguir outras mudanças feitas por Cajado na versão final do projeto de lei complementar (PLP) 93/2023, que institui a nova regra fiscal.
Gastos com Fundeb dentro da regra
A versão final do relatório de Cajado manteve os gastos da União com complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) sob o alcance do novo arcabouço fiscal, diferentemente do texto original do governo, que excluía os gastos da regra. Mas incluiu um parágrafo que tornou mais explícito que o crescimento das despesas com o fundo elevará automaticamente o limite para gastos, permitindo que essa elevação não ocupe o espaço de outras despesas.
Contingenciamento de investimentos
Outro dispositivo acrescentado ao projeto de lei complementar permite o contingenciamento de investimentos, em caso de iminente rompimento da meta fiscal, na mesma proporção das demais medidas discricionárias. “Em tese, isso assegura um maior espaço para o governo fazer os ajustes necessários para o cumprimento da meta de resultado primário durante a execução”, diz Sbardelotto, da XP.
Porcentual mínimo de despesas discricionárias
A versão anterior da proposta permitia que o governo definisse a cada ano, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), qual seria o porcentual mínimo de despesas discricionárias. “Em tese, o governo poderia definir um mínimo próximo a 100%, o que eliminaria a possibilidade de contingenciamentos e reduziria a efetividade da regra”, explica o economista da XP.
No texto aprovado, no entanto, essa possibilidade foi retirada, ficando apenas o limite mínimo de 75% fixado na lei.
Regra para investimentos
O relator modificou ainda a regra referente ao patamar mínimo investimentos. Na proposta original, o valor seria corrigido sempre pela inflação e partiria do orçado para 2023 (R$ 78,8 bilhões). Agora, os investimentos terão de corresponder a 0,6% do PIB estimado no Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) para o respectivo ano.
O índice de 0,6% do PIB projetado, segundo estimativa da Warren Rena, resultaria em montante em torno de R$ 63,9 bilhões. “A nova regra, quando comparada à anterior, abre R$ 14,9 bilhões, de saída, nas despesas discricionárias, aumentando o espaço para fazer resultado primário”, comentam os analistas da corretora.
Vedação à exclusão de despesas primárias
Outra modificação foi o acréscimo de um parágrafo que modifica a Lei de Responsabilidade Fiscal, proibindo disposições que excluam despesas da apuração da meta de resultado primário.
“Esse dispositivo é bastante salutar”, avaliam Salto, Pellegrini e Fernanda, da Warren Rena. “A prática [de exclusão de despesas] já foi largamente usada no passado recente e colaborou para distorcer os mecanismos originais do sistema de metas de resultado primário adotado desde 1999 no Brasil.”
Regra de sustentabilidade da dívida
Também foi complementado dispositivo que o substitutivo inicial já trazia em termos de regra de sustentabilidade de dívida/PIB, com uma explicitação da trajetória de dez anos no Anexo de Metas Fiscais da LDO e compatibilização com as metas de resultado primário. Nos meses de maio, setembro e fevereiro, quando forem apresentados os resultados fiscais em comissão, no Congresso Nacional, o ministro da Fazenda será obrigado a evidenciar também os números da dívida pública e o cumprimento da trajetória projetada.