A inflação e a baixa confiança dos consumidores já afetam um dos segmentos tradicionalmente menos vulneráveis do varejo: o de alimentos. As famílias reduziram o número de vezes em que vão aos supermercados e o volume de compras estacionou. Para especialistas, uma retomada depende do comportamento dos preços daqui para a frente e é possível que as vendas não voltem a se aquecer antes das festas de fim de ano.
Pesquisa da Kantar Worldpanel revela que no primeiro semestre de 2014 os consumidores já frequentaram menos vezes pontos de venda como supermercados, mercearias ou padarias. O número de viagens caiu 10,5% ante o mesmo período de 2013. Já o número de itens comprados cresceu, mas pouco e mal compensou o efeito da redução de frequência, fazendo o volume médio ficar praticamente estável com alta de apenas 0,5%. "Já estamos vendo um volume médio não crescendo em proporções que compensem a queda da frequência", diz a diretora de contas da empresa Christine Pereira. Para ela, os números indicam um "passo para trás" em tendências de consumo que vinham sendo positivas para a indústria e o varejo.
A má notícia para os varejistas, na avaliação do economista Rodrigo Mariano, da Associação Paulista de Supermercados (Apas), é que junto com a frequência cai a chamada "compra por impulso", algo essencial para o desempenho das empresas do setor. Para Mariano, há uma relação direta entre esse novo comportamento do consumidor e a inflação. Como a entidade trabalha com a hipótese de que provavelmente a inflação no acumulado de 2014 não supere o patamar em que se encontra hoje, Mariano acredita que um pouco dessas vendas por impulso possam voltar com a chegada das festas de fim de ano.
A previsão para o setor este ano, porém, não é nada otimista. As vendas devem crescer 1,9% em 2014, pior desempenho desde 2006, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
O efeito negativo dessa mudança de hábitos do consumidor nas vendas das redes de supermercado só não deve ser pior porque alguns produtos mais caros ainda estão vendendo. O tíquete médio das compras, segundo a Kantar, subiu 25,1% na comparação semestral em razão da procura por alguns itens de maior valor como produtos com apelo saudável ou de praticidade, comenta Christine. O presidente da Abras, Fernando Yamada, avalia que é este indicador que ajuda a conter o pessimismo neste segundo semestre. "Mostra que ainda não regredimos para aquela compra que é apenas do produto absolutamente básico", ponderou.
No segundo semestre, ainda pesa uma desaceleração de segmentos cujas vendas cresceram durante a Copa do Mundo, lembra em comentário a analista Irma Sgarz, do Goldman Sachs. Ela cita dados fracos de produção de bebidas, por exemplo. Em agosto, segundo o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), da Receita Federal, tanto cerveja como refrigerantes tiveram redução na produção ante o ano anterior.
Grandes redes
Apesar do ambiente fragilizado do setor, analistas ainda consideram as ações do Grupo Pão de Açúcar (GPA) como uma boa opção para o investidor de Bolsa. Num cenário fraco, os grandes grupos veem a necessidade de conquistar fatias maiores de mercado para continuar com crescimento de vendas. O GPA vem apostando em abertura de novas lojas este ano e, segundo o vice-presidente de Infraestrutura e Desenvolvimento Estratégico do GPA, Peter Estermann, manterá os investimentos em expansão orgânica em 2015.
A abertura de novas lojas em ritmo acelerado é um dos fatores que fez a Standard & Poor's dar uma avaliação positiva para a empresa. A agência alterou na última sexta-feira a perspectiva do rating de crédito corporativo do grupo varejista, de estável para positiva, e reafirmou o rating 'brAA+'. A S&P considera que a companhia pode ter nos próximos três anos crescimento "mesmas lojas" (unidades abertas há mais de um ano) um pouco mais fraco do que o nível de 2013, quando o índice teve alta de 9%. O efeito tende a ser compensado, porém, por uma aceleração na abertura de novas unidades.
Outros grandes concorrentes do setor supermercadista também se mobilizam. O Carrefour, que vinha abrindo apenas lojas na bandeira Atacadão, já planeja unidades novas da marca principal, incluindo as Express, que são minimercados. Já o Walmart e o Cencosud estão mais concentrados em processos de reestruturação internos, com integração de bandeiras.
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