No regramento brasileiro, União, estados e municípios não podem criar despesas extras sem demonstrar qual será a fonte de recursos para financiar esses novos gastos. Isso, contudo, não se aplica à conta da energia elétrica paga por quase 90 milhões de unidades consumidoras do país.
Na prática, o governo e o Congresso têm criado incentivos, subsídios ou benefícios para este ou aquele setor e não resta à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) alternativa que não seja determinar que as concessionárias lancem na conta dos consumidores. A fatura de energia, assim, virou um "cabide" para as mais variadas despesas do setor.
“Quando digo que a Aneel não tem discricionariedade, é que uma vez que o Congresso Nacional insira um custo por lei, sou obrigado a colocar na tarifa. E a maioria dos movimentos vêm no sentido de elevar a tarifa”, afirmou o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, em audiência pública no Senado, no final de maio.
Ele lembrou que durante o processo de capitalização da Eletrobras, o Congresso decidiu que o sistema deveria contratar obrigatoriamente 8 gigawatts (GW) das termelétricas a gás natural, que têm custo mais elevado. “Foi uma decisão soberana, e nós temos que atender”, enfatizou.
Se é subsídio, não deveria ser pago na conta de luz
Os chamados “encargos setoriais” viraram um grande gancho para todo tipo de penduricalho de benefícios e subsídios. E, dentre os vários segmentos do setor de energia elétrica, é praticamente consenso de que subsídios definidos em políticas públicas deveriam ser custeados pelo Tesouro, em vez de serem aplicados compulsoriamente na conta de luz dos consumidores.
“Se é subsídio, é porque tem algum setor da sociedade que precisa. Isso tem que vir do Orçamento da União. Por que o consumidor de Curitiba tem que pagar o óleo diesel do Norte? A gente acaba subsidiando, em Curitiba ou em São Paulo, aquilo que deveria sair do Orçamento da união. Eles não querem discutir no Congresso, daí enfiam na conta de energia”, diz Cláudio Ribeiro, CEO da 2W Ecobank, comercializadora de energia no mercado livre.
Hora de passar pente-fino na CDE
Na mesma linha se queixa Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee).
"Temos incentivos que estão completando 50 anos de existência. E mesmo os que deveriam estar sendo reduzidos, há projetos de lei para não acabarem. Precisamos parar, olhar para onde está caminhando o custo da energia elétrica, entender as razões por que estão aumentando, basicamente em função desses tratamentos diferenciados que se dá para alguns segmentos, e criar a condição para resolver esse problema", enfatiza Madureira.
A reforma tributária pode ser a oportunidade para rever o equilíbrio das cobranças e benefícios no sistema energético. Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia e ex-diretor geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), lembra que a Conta do Desenvolvimento Energético (CDE), onde está embutida a maioria dos benefícios, foi criada em 2002 para fazer frente ao custo dos combustíveis fósseis.
"Era de R$ 2 bilhões e hoje já chega a quase R$ 35 bilhões. Defendemos que se passe um pente-fino nessa conta. Verificar o que deve permanecer e o que deixou de ser necessário. Por exemplo, tem subsídio à geração a carvão nacional, e nós entendemos que não devemos subsidiar o carvão", afirma Barata.
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