O Poder Judiciário está buscando construir um entendimento comum das situações em que pode haver a responsabilização civil por dano moral em uma relação de consumo. Os juízes têm sido cada vez mais criteriosos ao analisar processos dessa natureza, reconhecendo o direito à indenização só em casos em que há evidente ofensa à personalidade, à moral e à dignidade da pessoa, diferente dos chamados "meros dissabores".
Assim, ser barrado na porta giratória de um banco ou ser revistado por um segurança na entrada de uma boate são situações que podem gerar certo desconforto a um cliente, mas não o suficiente para que a Justiça entenda que houve dano moral, capaz de gerar direito à indenização.
Os especialistas defendem que o prejuízo moral não seja mais considerado um caráter absoluto e que seja comprovado pela força dos próprios fatos. "O dano moral deve causar dor e sofrimento para a pessoa. Muitas vezes, um leve constrangimento, dissabor ou aborrecimento é entendido como um evento comum da própria vida. O dano moral atinge a pessoa, sua honra, seu nome", explica a advogada da Comissão de Direitos do Consumidor da OAB e professora de Direito das Relações de Consumo Tassia Erbano.
Em outros casos, porém, há a figura do dano moral presumido, em que a simples comprovação do fato é suficiente para entender que houve dano moral. "Isso ocorre quando a situação é tão contundente que, pela sua simples existência, já se entende que houve dano", pontua a coordenadora do Procon-PR, Claudia Silvano. Ela considera necessária a criação de limites para evitar a chamada "indústria do dano moral". Mas ressalva que não há como dar resposta a situações menos contundentes, onde existe prejuízo para o consumidor, ainda que não o dano moral.
A coordenadora cita o exemplo o consumidor que é obrigado a esperar uma hora por atendimento na fila de um banco. "Pode não haver o dano moral, mas o consumidor, de alguma forma, é prejudicado já que o tempo do fornecedor é economicamente aferível e financeiramente quantificável, mas o do cliente não", compara. "Busca-se por analogia ressarcir o dano. Alguns juristas defendem a tese de que o tempo perdido do consumidor também constitui dano", explica. "Só existe indústria quando existe matéria prima", analisa.
Tássia Erbano lembra que, para haver espaço para o direito, não pode haver espaço para o abuso. "É preciso a boa fé de ambas as partes. Esse é um pressuposto nas relações de consumo que deve sempre estar presente", afirma.
Seis exemplosVeja as situações em que o STJ define que o dano moral pode ser presumido.
Responsabilidade bancária
Quando a inclusão indevida na lista de devedores é resultado de falha na prestação do serviço da instituição bancária, a responsabilidade pelo dano moral é do próprio banco, que causa desconforto e abalo psíquico ao cliente.
Para o STJ, a responsabilidade também é atribuída ao banco quando talões de cheques são extraviados e usados indevidamente por terceiros, resultando na inclusão do nome do correntista em cadastro de inadimplentes. O entendimento é baseado no Código de Defesa do Consumidor, que caracteriza a o defeito na prestação do serviço.
O dano moral, entretanto, deixa de existir quando a vítima do erro já possui registros anteriores em cadastro de inadimplentes. Neste caso, diz a Súmula 385 do STJ que a pessoa não pode se sentir ofendida pela nova inscrição, ainda que equivocada.
Diploma sem reconhecimento
A Justiça reconhece o dano moral presumido em casos de alunos que concluíram curso superior e não puderam exercer a profissão por falta de diploma reconhecido pelo Ministério da Educação.
Em julgamento sobre um caso desta natureza, envolvendo alunas do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Pelotas, o STJ entendeu que "a demora na concessão do diploma expõe ao ridículo o pseudoprofissional, que conclui o curso mas se vê impedido de exercer qualquer atividade a ele correlata".
O STJ negou, entretanto, a concessão do pedido de indenização por danos materiais. O fato de não estarem todos os autores empregados não poderia ser tido como consequência da demora na entrega do diploma. A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou, em seu voto, que, ao contrário do dano moral, o dano material não pode ser presumido. Como não havia relatos de que eles teriam sofrido perdas reais com o atraso do diploma, a comprovação dos prejuízos materiais não foi feita.
Cadastro de inadimplentes
Em casos em que o consumidor tem o nome inscrito indevidamente em cadastros de proteção ao crédito, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O simples fato de ter o "nome sujo" indevidamente já configura o dano.
Esses cadastros armazenam informações sobre dívidas vencidas e não pagas, além de registros como protestos de títulos, ações judiciais e cheques sem fundos. Uma vez que tem o nome nesses cadastros, o consumidor fica com acesso restrito ao crédito, e fica impedida de contratar financiamentos e fazer compras no crediário.
No STJ, é consolidado o entendimento de que a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes caracteriza o dano moral como presumido e, dessa forma, dispensa a comprovação mesmo que a prejudicada seja pessoa jurídica.
Atraso de voo
A Justiça também considera dano moral presumido casos de atraso de voos de companhias aéreas, inclusive aqueles em que o passageiro não pode viajar no horário programado por prática de overbooking quando a companhia vende passagens acima da capacidade de transporte do avião.
No entendimento do STJ, a responsabilidade é do fornecedor, por causar desconforto, aflição e transtornos ao passageiro que arcou com o pagamentos daquele serviço, prestado de forma defeituosa.
O transportador responde pelo atraso de voo internacional, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor como pela Convenção de Varsóvia, que unifica as regras sobre o transporte aéreo internacional e responsabiliza as companhias "pelo dano proveniente do atraso, no transporte aéreo de viajantes, bagagens ou mercadorias."
Equívoco administrativo
Na relação entre o cidadão e o poder público, também pode haver a configuração de dano moral em razão de falha administrativa. Em 2003, a Primeira Turma julgou um recurso especial envolvendo um homem teve de pagar uma multa indevida, por erro de registro do órgão de trânsito. A multa de trânsito indevidamente cobrada foi considerada pela Terceira Turma, no caso, como indenizável por danos morais e o órgão foi condenado ao pagamento de dez vezes esse valor.
A decisão abriu um precedente para "que os atos administrativos sejam realizados com perfeição, compreendendo a efetiva execução do que é almejado".
Para o relator do caso, ministro José Delgado, "o cidadão não pode ser compelido a suportar as consequências da má organização, abuso e falta de eficiência daqueles que devem, com toda boa vontade, solicitude e cortesia, atender ao público".
De acordo com a decisão, o dano moral presumido foi comprovado pela cobrança de algo que já havia sido superado, colocando o licenciamento do automóvel sob condição do novo pagamento da multa. "É dever da administração pública primar pelo atendimento ágil e eficiente de modo a não deixar prejudicados os interesses da sociedade", concluiu.
Credibilidade desviada
A inclusão indevida e equivocada de nomes de médicos em guia orientador de plano de saúde gerou, no STJ, o dever de indenizar por ser dano presumido.
O livro de uma operadora de planos de saúde foi publicado com o nome de médicos sem que eles fossem ao menos procurados pelo representante da seguradora para negociações a respeito de credenciamento junto àquela rede. Os profissionais só ficaram sabendo que os nomes estavam no documento quando passaram a receber ligações de pacientes interessados no serviço pelo convênio.
Neste caso, a decisão teve como base o direito à imagem, que foi usada com fins lucrativos, sendo dispensável a demonstração do prejuízo material ou moral.
No julgamento, o ministro relator advertiu que a seguradora não deve desviar credibilidade dos profissionais para o plano de saúde, incluindo indevidamente seus nomes no guia destinado aos pacientes. Esse ato, "constitui dano presumido à imagem, gerador de direito à indenização, salientando-se, aliás, inexistir necessidade de comprovação de qualquer prejuízo".
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