Tradicionais motores das vendas no segundo semestre, a Black Friday – que no Brasil se prolonga pelo mês de novembro – e o Natal vão dividir o calendário em 2022 com outro evento costumeiramente vantajoso para a economia: a Copa do Mundo da Fifa. Para especialistas e representantes do comércio, esse encontro de datas no último trimestre alimenta certo otimismo, mas deve ser aguardado com um pé atrás.
Além de aumentar a complexidade das previsões de oferta, demanda e logística das varejistas, a avaliação é de que a competição entre as datas pode restringir oportunidades de compra e limitar gastos por impulso.
Adiado para driblar as altas temperaturas do verão do Catar, o Mundial de futebol será realizado entre 20 de novembro e 18 de dezembro. Normalmente, o torneio é realizado nos meses de junho e julho, quando – a cada quatro anos – aquece vendas de um período em geral mais morno para o varejo nacional.
Para a head de varejo da XP, Danniela Eiger, um maior distanciamento entre eventos é sabidamente mais favorável, tornando mais viável que o consumidor tenha capacidade financeira para aproveitar múltiplas datas de interesse.
"A sobreposição preocupa porque estamos falando de um momento de renda disponível menor e, pensando do lado de crédito, se [a Copa] tivesse acontecido em julho, você poderia eventualmente se financiar ou comprometer o crédito do cartão, ir pagando até o final do ano e já teria fôlego para fazer um novo financiamento, um novo parcelamento", explica.
Com o Mundial da Fifa em meados do ano, o comprador poderia parcelar uma nova tevê em cinco vezes no cartão de crédito, por exemplo, e já teria recomposto o seu limite a tempo de comprar os presentes de Natal. Com a Copa começando em novembro, quase coincidente com outros momentos já atrativos para o consumo de bens duráveis, o risco é de que a demanda acabe pulverizada, com o orçamento destinado para o torneio afetando a renda eventualmente destinada à Black Friday e ao Natal (ou vice-versa), caindo em uma dinâmica de escolha, que o jargão do setor chama de "share of wallet".
Por restrições de renda, as pessoas podem ter de optar por colocar seu dinheiro em determinada categoria de produtos (ou um segmento econômico) em detrimento de consumir outros itens ou em outros momentos. As compras por impulso também arriscam sair prejudicadas, uma vez que "as pessoas vão de fato dedicar momentos em que poderiam estar passeando no shopping, poderiam estar vendo alguma coisa online, para assistir o jogo, seja em casa, num bar, restaurante" afirma a analista.
Nessa avaliação, Eiger antecipa que nem todos os setores têm desvantagens adiante por causa do cronograma do Mundial.
Copa em novembro "engarrafa" calendário e traz desafio extra para o varejo
Além do calendário concentrado, aquisições relativamente recentes feitas durante a pandemia também podem ameaçar a intenção de compra de eletroeletrônicos, muito buscados durante os meses em que o trabalho remoto e o distanciamento social foram a tônica.
O cenário desafiador vale especialmente para produtos do tipo, bastante visados pelos fãs do esporte para acompanhar as partidas. Já segmentos como alimentação, bebidas e o atacarejo devem se beneficiar do mundial independentemente da data. Nesta seara, a sazonalidade pode ser, inclusive, mais favorável por causa da proximidade do verão.
"Talvez a mais óbvia como positiva seja a questão de varejo alimentar. As pessoas vão assistir os jogos em bares, em restaurantes, mesmo em casa e compram produtos como cerveja, petiscos. Isso pode ajudar tanto a categoria no B2B [vendas negócio a negócio], com a demanda dos clientes 'indiretos' que consomem no atacarejo, como também pode ter uma ajuda no B2C [vendas entre negócios e clientes], as pessoas vão ficar mais em casa, fazer confraternizações para assistir ao jogo", resume a analista especializada em varejo.
Quando a análise avança para o cenário macroeconômico, há elementos que ajudam, mas outros podem prejudicar as chances de economia mais aquecida durante os últimos meses do ano.
A injeção de mais dinheiro graças ao aumento do contingente da população empregada e ao Auxílio Brasil turbinado – de R$ 600 até dezembro, e que pela intenção do governo eleito será mantido assim no próximo ano – é ponto que pesa a favor de um panorama positivo de vendas e de busca por serviços. Pode-se esperar que contas mais urgentes tenham sido quitadas no início do segundo semestre e que venha a sobrar dinheiro para gastos não essenciais ou mesmo supérfluos.
Em avaliação recente, os economistas Marcos Caruso e Eduardo Vilarim, do banco Original, falaram em boas perspectivas para o segundo semestre, puxadas pelo aumento da massa salarial real e pelo benefício de R$ 600, “contribuindo para um consumo mais forte do que o esperado anteriormente”.
O otimismo, no entanto, é refreado pelos juros elevados e a inflação ainda alta apesar dos períodos recentes de deflação mensal, combinação que tem limitado o poder de compra do brasileiro. O país tem, ainda, quase 69 milhões de inadimplentes conforme levantamento da Serasa Experian. O número é recorde e representa menos força para uma recuperação da economia.
A pesquisa de Intenção de Consumo das Famílias (ICF), publicada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), demonstrava tendência de alta desde janeiro de 2022, mas fortemente baseada no consumo das famílias com rendimento acima de dez salários mínimos. Já no índice de outubro a intenção de consumo cresceu mais nas famílias com renda mais baixa. Entre os componentes da intenção de consumo, as maiores altas ficaram no nível de consumo atual (4,1%) e na perspectiva de consumo (2,5%) - boa notícia para o comércio.
Enquanto isso, os sinais vindos do empresariado são dúbios. Sondagens feitas por duas instituições apontam resultados opostos.
De um lado, o Índice de Confiança do Empresário do Comércio medido pela mesma CNC e divulgado nesta quinta-feira (3) teve avanço de 0,7% em outubro na comparação com setembro, uma reversão após dois meses de queda.
Na avaliação do presidente da Confederação, José Roberto Tadros, o cenário está diretamente conectado à Intenção de Consumo das Famílias, que teve o nono mês consecutivo de aumento. “A combinação entre a queda da inflação e as transferências de renda tem favorecido o poder de compra dos consumidores, que estão mais satisfeitos com o nível de consumo e mais dispostos a consumir nos próximos meses, o que naturalmente impulsiona a confiança do varejo nacional”, pontua Tadros.
Segundo ele, esses fatores se aliam à previsão de 2,1% de aumento das vendas de fim de ano e à consequente necessidade de mais contratações de trabalhadores temporários, que devem superar os números de 2013.
De outro lado, pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) mostrou que a confiança do setor recuou 3,3 pontos em outubro, interrompendo a fase de alta iniciada em março. Apesar disso, "as avaliações sobre o presente continuaram melhorando no mês influenciada pela melhora do humor entre os consumidores de menor poder aquisitivo", destaca o Ibre.
Inflação da Copa do Mundo
Mais um ponto interessante a ser considerado são os preços de itens tradicionalmente procurados durante a Copa, que tiveram alta considerável desde o mundial de 2018. Levantamento realizado pela XP dá conta de que os itens mais consumidos durante o mundial chegam a registrar altas de 100%.
O item mais inflacionado são as figurinhas do álbum da Copa, seguidas da carne, 80% mais salgada. A camisa oficial da Seleção também subiu bem acima da inflação do período (26,8%), com preço 40% maior. Puxadores de vendas pré-Mundial, os televisores estão em média 17% mais caros, enquanto a cerveja fora de casa subiu 15% desde a Copa da Rússia.
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