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A crise econômica provocada pelo novo coronavírus deve ter impactos perversos sobre o mercado de trabalho e a renda dos brasileiros. Em boletim divulgado em abril, o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à Fundação Getulio Vargas (FGV), projeta que a taxa de desocupação fique com uma média de 17,8% em 2020 – o que representa aumento de seis pontos percentuais no desemprego em relação a 2019.
De acordo com esse trecho do boletim, assinado pelo pesquisador Daniel Duque, a expectativa é de que, no primeiro trimestre deste ano, a taxa fique estável em relação ao mesmo período de 2019, em 12,7%. Mas, a partir de março, a projeção é de que os indicadores do trabalho comecem a refletir a desaceleração da atividade econômica advinda da crise do novo coronavírus.
Ainda segundo o Ibre, o rendimento efetivo do trabalho também deve ser atingido significativamente pela crise. Na média do ano, a previsão do boletim é de queda real de 8,58% na comparação com 2019. "Com isso, a renda efetiva média fechará o ano no nível de R$ 2.206 mensais, frente a R$ 2.413 no ano anterior", completa o texto.
Perda de renda não será homogênea, aponta pesquisador
A massa de rendimentos efetivos do trabalho (MRT), um outro indicador, deve cair 14,4% em 2020, chegando ao seu menor patamar desde o início da série histórica (2012). "Nesse cenário, ainda que o governo federal lance mão de grandes programas de transferência de renda, dificilmente seu volume seria capaz de compensar o montante perdido no período. Mais de R$ 30 bilhões mensais de perda de MRT correspondem a cerca de 5% do PIB [Produto Interno Bruto] de 2019", afirma o documento.
O boletim destaca, ainda, que a perda de rendimentos não deve ocorrer de forma homogênea, já que o desemprego deve atingir trabalhadores de diversos setores. Com relação ao mercado de trabalho formal, o texto cita os termos da medida provisória (MP) 936, que permitiu a redução de jornada e salários e a suspensão de contratos de trabalho durante o período da crise.
O resultado da política deve ser uma importante diminuição na renda dos funcionários com carteira assinada. Na estimativa do governo, a queda será de 15% na renda média dos trabalhadores incluídos nos acordos.
No mercado informal, a perspectiva é de queda na renda enquanto durarem as medidas de isolamento social, mesmo que não haja perda permanente de vagas.
Mais pobres já estão sendo mais penalizados pelo desemprego
As previsões já estão se concretizando, principalmente entre os mais pobres. Uma pesquisa da consultoria alemã Roland Berger aponta que 1/3 das famílias que têm renda de até um salário mínimo já possuem ao menos uma pessoa sem emprego por causa do novo coronavírus. O levantamento, realizado no início da quarentena, entrevistou 700 pessoas em todo o país.
O percentual de pessoas que disseram ter algum membro da família desempregado por conta do coronavírus muda conforme a renda familiar, segundo a pesquisa. Nas famílias com renda entre R$ 1 mil e R$ 3 mil, por exemplo, apenas 4% relataram já ter um familiar desempregado.
Nas famílias que ganham entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, por sua vez, o índice sobe para 9%. Mas, quando a renda varia entre R$ 5 mil e R$ 10 mil a proporção de famílias que já têm algum integrante desempregado cai para 6%. Ente os que ganham mais de R$ 30 mil, o índice chega a 0%.
A situação é ainda pior porque para os mais pobres, conforme aponta o levantamento, quanto menor a renda, menos famílias têm reservas para enfrentar o momento de crise. Entre as famílias que ganham até R$ 1 mil, 57% não têm qualquer reserva. Quando a renda sobe para o intervalo entre R$ 1 mil e R$ 3 mil, esse percentual cai para 42%; e, entre as famílias com renda entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, para 31%.
“Quanto menor a renda, maior o impacto da crise sobre essa população mais vulnerável", disse um dos sócios da consultoria, Marcus Ayres, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo". "A cada dia que passa, a deterioração nos indicadores aumenta", completou.
Crise enterra melhora na taxa de desemprego
A crise do coronavírus se abateu sobre o Brasil e o mundo no momento em que o mercado de trabalho no país apresentava reação após a recessão, impulsionado principalmente pelo emprego informal.
De acordo com o IBGE, a taxa de desemprego caiu de 12,7% no primeiro trimestre de 2019 para 11% no quarto trimestre do ano.