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Análise

“Correção da trajetória fiscal exige alta de impostos”, diz diretor do FMI

Otaviano Canuto esteve em Curitiba para participar do 21º Congresso Brasileiro de Economia. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Otaviano Canuto esteve em Curitiba para participar do 21º Congresso Brasileiro de Economia. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

O governo precisa rever as regras dos gastos obrigatórios, entre eles a Previdência e alguns programas sociais, que já comprometem 90% do Orçamento e limitam cada vez mais os investimentos públicos. Mas, antes de resolver essa questão estrutural, terá de apagar um incêndio: corrigir o rumo de suas finanças e levar o resultado primário de volta para o lado positivo. E isso inevitavelmente exige um aumento de impostos, ainda que temporário. A avaliação é do diretor-executivo para o Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), Otaviano Canuto, que conversou com a Gazeta do Povo na tarde de quarta-feira (9), em Curitiba, onde participou do 21.º Congresso Brasileiro de Economia, que termina nesta sexta (11).

Na entrevista, Canuto defendeu o ajuste fiscal que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tenta promover e disse que não é hora – nem há recursos – para estimular a demanda a fim de reavivar a confiança dos empresários. Opinião oposta à dos economistas desenvolvimentistas, muitos deles egressos da Unicamp, onde o próprio Canuto defendeu sua tese de doutorado em 1991.

Nossa economia está em situação delicada. Onde foi que erramos?

Em três coisas importantes. Uma foi o esforço, que não deu certo, de disparar um novo ciclo de crescimento depois da crise financeira global. Outra coisa foi não ter visto que o fantástico ciclo de crescimento com inclusão social do novo milênio tinha alcançado limites de exaustão. E a terceira é a gente prestar menos atenção do que devia a fatores estruturais que limitam o crescimento há muito tempo.

Que fatores são esses?

Um é a exclusão social, legado de nosso padrão de crescimento no século passado. O país alcançou níveis de renda média-alta por habitante, mas tem uma parcela enorme da população em atividades de baixíssima produtividade. Estamos melhorando nisso. Houve a redução da pobreza. O acesso à educação aumentou, mas falta melhorar a qualidade. Também precisa ocorrer uma redefinição da relação entre o Estado e o setor privado. Ainda temos um Orçamento muito vulnerável a demandas de grupos de interesse. O ambiente de negócios é muito ruim. As relações contratuais são custosas, envolvem uma incerteza muito grande. O Brasil é um país onde talentos e recursos materiais são desperdiçados em muitas atividades que não agregam valor nenhum.

Pagar impostos, por exemplo.

Isso. Independentemente do tamanho da carga tributária, o ato de pagar impostos consome recursos materiais e humanos que poderiam estar fazendo coisas muito mais úteis. Também há o recurso fácil à proteção comercial diante de qualquer problema, a ideia de que estabelecer políticas de conteúdo local é solução mágica. Esses problemas levam a outros. Tem 30 anos que esse país não investe o que precisa em infraestrutura, e isso cobra um preço. Então eu citei três questões importantes em que erramos. Mas há uma outra questão que afeta nossa economia hoje. É uma dor de curto prazo, com grande responsabilidade na desaceleração profunda do PIB neste ano, mas que é parte de um processo benigno no longo prazo, que é o desmoronamento da estrutura das relações público-privadas que existiam anteriormente.

O senhor fala da operação Lava Jato.

Sim. A gente tinha um sistema estável, muito bem organizado, mas que dava poucos resultados para muito custo. A notícia boa é que essa estrutura está desmoronando e em algum momento haverá uma mudança na regra do jogo. A má notícia é que, enquanto a gente não chega lá, há uma paralisia de investimentos. O grosso da desaceleração do PIB neste ano tem a ver com isso e com a desconfiança em função da crise política. Não tem nada a ver com o ajuste do Joaquim.

O ajuste fiscal não é um dos responsáveis pela desaceleração, então?

Não. Em grande medida o que o governo está tentando é uma correção do desajuste dos últimos anos. O ajuste de preços já está ocorrendo, o ajuste cambial já começa a mostrar resultados na mudança de sinal da balança comercial. O que ainda precisa acontecer é uma correção mínima de curto prazo na trajetória fiscal. Aliviado esse problema, é preciso voltar àquela agenda estrutural, pensar em uma revisão do gasto público. São dois tempos aí.

Nesse caso, a revisão do gasto ficaria para o médio e longo prazo?

Sim, porque antes é fundamental apagar esse incêndio. Se não, ele pode se alastrar e tornar as correções de longo prazo ainda mais difíceis. Sem uma reforma estrutural, a margem de manobra do gasto público é muito baixa. Mais de 90% da despesa é obrigatória, obedece às regras dos supostos direitos que foram colocados lá. Então eu vejo uma combinação de coisas no lado do gasto, mas inevitavelmente com algum aumento na arrecadação tributária, que, como sabemos, será mais fácil de ser engolido se de fato for temporário.

Das propostas de tributos que surgiram nos últimos dias, qual teria o menor custo, ou seria mais eficiente?

Seria leviano da minha parte dizer que temos clareza de quais opções teriam uma relação de custo-eficácia melhor. O que posso afirmar é que a arrecadação terá que subir para tirar o superávit primário do patamar negativo em que está.

Alguns economistas defendem a interrupção do ajuste fiscal e a criação de estímulos à demanda, para resgatar a confiança do empresariado. Outros defendem que o ajuste é fundamental para esse resgate. Quem está correto?

É um falso dilema. O pessoal que enfatiza que o empresário não vai investir enquanto não vir demanda ignora que não é só a demanda que determina a decisão de investir ou não. É o retorno. E o risco. Se o empresário vê o surto de demanda como uma coisa temporária, se vê turbulência, chance de calote, ele sabe que o custo do endividamento vai continuar ruim. E aí não vai investir, porque não é maluco.

Sobre o gasto, o que pode ser revisto?

A Previdência seria um objeto óbvio de revisão. Mesmo quando a gente tira dos gastos da Previdência a parcela que é de assistência social, o que resta, como proporção do PIB, está na mesma faixa dos países avançados, que tem uma população mais envelhecida que a nossa. Está na hora também de rever os programas sociais existentes. Alguns estão mais que testados e são hoje um paradigma mundial, como o Bolsa Família. Mas tem outros que se a gente fizer um custo-eficácia, vai se surpreender. Um exemplo é o seguro-defeso, que como bem disse o Joaquim, tornou-se uma questão bíblica. Criou um milagre, não de multiplicação de peixes, mas de pescadores.

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