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O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou, ainda sem previsão de nova data, um julgamento que pode beneficiar milhares de trabalhadores que têm ou já tiveram saldo no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de 1999 para cá. Isso porque está em discussão se a correção monetária do saldo do fundo, hoje feita com base na Taxa Referencial (TR) mais 3% ao ano, deveria ser feita, em vez disso, por um índice inflacionário, como o INPC ou o IPCA. Dependendo da decisão, o impacto pode passar de meio trilhão de reais.
Nos últimos anos, o reajuste dos valores depositados no fundo de garantia tem sido de apenas 3% anuais, uma vez que a TR está zerada pelo Banco Central desde 2017. A mudança é questionada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), requerida pelo partido Solidariedade em abril de 2014. Na petição, a legenda cita estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que mostra perda 48,3% nas contas do FGTS em relação à inflação apenas até 2013.
Caso todos os cotistas do FGTS tivessem direito à correção pela inflação, um total de R$ 554 bilhões precisaria ser depositado nas contas de 60 milhões de pessoas que têm ou já tiveram saldo no fundo desde janeiro de 1999, segundo cálculo do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador (IFGT).
No fim de junho, um abaixo-assinado com mais de 10 mil assinaturas foi entregue ao Supremo pedindo que o presidente Luiz Fux agende o mais rapidamente possível o julgamento da ação.
Presidente do instituto, Mario Avelino, que acompanha o assunto desde 2001, explica que a estimativa é obtida a partir de um cálculo feito com dados dos balancetes do FGTS divulgados mensalmente pela Caixa. Do valor total de contas ativas e inativas, o IFGT aplica, para o período dos últimos 22 anos, o INPC como índice de correção em substituição à TR. “O FGTS é uma poupança e, como tal, rende a juros compostos”, ressalta.
Diante da expressividade do montante, juristas familiarizados com o tema acreditam que, caso decida pela revisão do índice, a Corte aplique a chamada modulação de efeitos, na qual as consequências de uma decisão têm eficácia limitada. Neste caso, há uma tendência de que apenas ganhem direito à correção dos valores os trabalhadores que entraram com ação pedindo a revisão até a data do julgamento da ADI. O processo pode ser conduzido individualmente ou por meio de adesão a ações coletivas.
“A suspensão do julgamento é como um balde de água fria. Não tenho dúvida de que o primeiro efeito negativo vai ser desestimular o trabalhador a correr atrás do prejuízo, porque reforça-se a cultura de que é perda de tempo brigar com o governo”, diz Avelino. Por outro lado, o adiamento dá mais tempo para quem quiser entrar com ação na Justiça pedindo a revisão dos valores do FGTS.
O IFGT disponibiliza uma calculadora que permite estimar o valor a que o trabalhador terá direito em caso de decisão favorável do STF.
Centenas de milhares de ações questionam índice de correção
O imbróglio jurídico sobre a revisão do índice de correção dos saldos do FGTS se arrasta há anos. Ao longo do tempo, centenas de milhares de ações questionando o cálculo foram se acumulando em varas e tribunais pelo país, sempre com resultado desfavorável ao trabalhador.
Em fevereiro de 2014, um dos processos chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator do caso na Corte, ministro Benedito Gonçalves, mandou suspender todas as ações semelhantes enquanto não se julgasse aquela, que formaria jurisprudência. “À época estima-se que cerca de 500 mil processos foram suspensos enquanto se aguardava o julgamento”, conta Avelino. O resultado, proferido apenas em abril de 2018, novamente foi contrário à mudança na taxa de reajuste.
A partir de abril de 2018, cerca de 300 mil casos foram julgados pelo país aplicando-se o entendimento do STJ, até que, em setembro de 2019, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso suspendeu mais uma vez as ações, que eram em torno de 200 mil, enquanto não se julgasse a ADI 5.090, requerida pelo Solidariedade em 2014.
O julgamento da ADI foi marcado inicialmente para dezembro de 2019 e, em seguida, adiado para maio de 2020, quando acabou retirado de pauta. No dia 17 de dezembro de 2020, O STF agendou a decisão para a última quinta-feira (13), prazo que acabou suspenso mais uma vez.