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Contas públicas

Corte de gastos sai mais fraco do Congresso; veja o que mudou no pacote

Congresso afrouxou vários pontos do pacote de corte de gastos, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende que não houve "desidratação". (Foto: Diogo Zacarias/MF)

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Após intensas negociações que culminaram na desidratação das medidas de ajuste, o Congresso aprovou, até a tarde desta sexta-feira (20), a maior parte dos três projetos apresentados pelo Executivo para o corte de gastos do orçamento. Ficou de fora da apreciação apenas o projeto relativo à carreira dos militares, que o governo enviou ao Legislativo nesta semana.

Apesar das mudanças feitas pelos parlamentares, a equipe econômica considera que a previsão inicial de economia, de R$ 71,9 bilhões em dois anos, será mantida. Até 2030, a redução de gastos prevista é de R$ 327 bilhões. Mas os valores já eram contestados por economistas mesmo antes das alterações.

A votação foi mais demorada na Câmara. Na quarta-feira à noite (18), a sessão precisou ser interrompida pela ameaça de falta de votos a favor do governo no plenário. Entre as mudanças negociadas, a que mais facilitou a votação foi a supressão de restrições previstas para as emendas parlamentares. Outros pontos relevantes removidos foram o limite mais severo aos "supersalários" do funcionalismo e a restrição à compensação de créditos tributários pelas empresas.

No Senado, a votação foi mais tranquila. Os senadores referendaram mudanças feitas na Câmara que diminuíram o tamanho do corte de gastos devido ao lobby de vários setores.

A equipe econômica argumenta que os temas principais, como os relativos ao reajuste do salário mínimo e ao Fundo de Desenvolvimento da Educação, continuam de pé e sustentarão o ajuste previsto.

Nesta sexta-feira (20), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou que haja desidratação no corte de gastos. “Fala-se em ‘desidratação’, mas havia expectativa de parte dos analistas que poderia haver ‘hidratação’. Os ajustes feitos na redação não afetam o resultado final”, disse o ministro. Segundo ele, haverá análise contínua das contas e novas medidas de redução de despesas podem ser anunciadas no próximo ano.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, já havia brincado com o tema na véspera. "Esse pacote não tem urina mais escura, não diminuiu o ritmo de urina, não tem boca seca, não tem mais sede, não tem nenhuma alteração nele que signifique desidratação do pacote. O que tem é aquilo que o Congresso Nacional tem sempre a liberdade de fazer, que é aprimorar", afirmou.

Medidas não garantem metas, avalia consultoria

Segundo avaliação da Warren Investimentos, as medidas aprovadas, "apesar de importantes, não garantem o cumprimento das metas fiscais de 2025 e 2026" e não são capazes de levar as contas do governo ao superávit primário rnecessário para baixar os juros e estabilizar a dívida pública.

Para 2025, a consultoria estima que o corte de despesa proporcionado pelo pacote será de R$ 19,2 bilhões, ou 0,15% do PIB, o que "não garante, mas possibilita o cumprimento da meta fiscal de 2025, levando-se em conta o limite inferior de déficit de R$ 31 bilhões e os precatórios excedentes não computados para fins de aferição de cumprimento de meta de R$ 44,1 bilhões".

Ja em 2026, a economia é R$ 26,2 bilhões (0,19% do PIB). Mas o déficit estimado é de R$ 117,5 bilhões e o ajuste necessário chega aos de R$ 61,8 bilhões. “Trata-se de corte elevado para ser implementado apenas via contingenciamento, do que concluímos que o pacote fiscal foi insuficiente para garantir o cumprimento da meta fiscal de 2026”, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.

A projeções também indicam que a Dívida Bruta do Governo Geral continuará subindo, em nível próximo de 85% do PIB, em 2026, e ultrapassando 95% do PIB, em 2033. “Se nada for feito, a consequência da percepção de risco fiscal exacerbado se fará sentir, de maneira vigorosa, sobre juros, câmbio e expectativas de inflação”, conclui Salto.

O que o Congresso mudou no pacote de corte de gastos

Confira a seguir como ficou o pacote de corte de gastos com os principais pontos alterados e mantidos em cada projeto:

Projeto de lei (PL) 4.614/2024

Salário mínimo. O texto aprovado mantém o limite de ganho real do salário mínimo ao teto de despesas do arcabouço fiscal, de 2,5%. Com isso, ficou garantida uma das principais medidas do pacote, com economia estimada em R$ 11,9 bilhões nos primeiros dois anos.

Benefício de Prestação Continuada (BPC). O tema foi um dos mais alterados. O relator fez dez mudanças no benefício, que corresponde a um salário mínimo (R$ 1.412) pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda (renda familiar de até um quarto de salário mínimo – R$ 353 – por pessoa). A proposta do governo restringia o acúmulo de benefícios, ampliava o conceito de família para o cálculo da renda e dificultava a concessão do benefício a quem tem a posse ou propriedade de bens. Todos os itens foram derrubados. O relator inseriu, porém, dois artigos que condicionam o benefício à avaliação que ateste deficiência de grau moderado ou grave.

O tema era o mais polêmico desde que o pacote chegou ao Congresso, contando com oposição até da base aliada do governo. O governo previa R$ 4 bilhões em dois anos com o combate a fraudes no BPC. O impacto, segundo aliados do Planalto, deverá ser mantido.

Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF). A proposta do Executivo era mudar o critério de reajuste do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) para reduzir os repasses e economizar R$ 2,3 bilhões em dois anos. O relator manteve a atual forma de correção.

Proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/2024

Abono salarial: A PEC aprovada manteve a mudança proposta pelo governo no critério de concessão do abono salarial, uma espécie de 14.º salário pago a trabalhadores com carteira assinada. O texto estabelece que os trabalhadores elegíveis para o benefício em 2025 deverão receber o equivalente a dois salários mínimos do ano-base, no caso 2023. O valor equivalente seria o de R$ 2.640.

A partir de 2026, a ideia é que o valor, corrigido pela inflação, seja travado quando atingir 1,5 salário mínimo. A transição entre os patamares deve demorar dez anos, segundo estimativa do governo. A economia projetada começaria tímida, mas teria um impacto acumulado de R$ 18,1 bilhões até 2030.

Fundo de Desenvolvimento da Educação (Fundeb). O texto estabelece que até 10% dos recursos destinados pela União ao Fundeb poderão ser usados para a criação de matrículas em tempo integral na educação básica pública. Inicialmente, o governo propôs destinar 20% dos montante como parte de um esforço para reduzir os gastos diretos do Ministério da Educação (MEC) com a modalidade de ensino. O valor economizado, na ordem de R$ 10 bilhões, poderia ser redirecionado para equilibrar as contas públicas. O relator reduziu o percentual e estabeleceu que essa mudança será aplicada apenas em 2025. Também determinou que, a partir de 2026, os estados e municípios terão que destinar 4% de seus próprios recursos do Fundeb para o ensino em tempo integral.

Supersalários. O texto original do governo incluía mecanismos para reduzir a quantidade de penduricalhos que fazem salários ultrapassar o teto constitucional, hoje em R$ 44 mil na esfera federal. A ideia era que uma lei complementar definisse as verbas que podem ficar fora do teto. O relator alterou a exigência para lei ordinária, mais fácil de ser aprovada, já que requer quórum menor, o que facilita a criação e manutenção de penduricalhos. Além disso, o instrumento também pode ser contornado por resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que segundo algumas interpretações têm força de lei. Na prática, portanto, o texto mantém as brechas atuais para engordar os salários.

Orçamento. O relator excluiu a revogação, proposta no texto original, da obrigação do governo em executar os programas do Orçamento. Assim, eliminou o poder de a equipe econômica fazer contingenciamentos preventivos para cumprir o centro da meta fiscal.

Projeto de lei complementar (PLP) 210/2024

Emendas parlamentares. Numa das primeiras negociações sobre o texto, a Câmara aprovou somente o bloqueio de emendas de comissão para cumprir os limites do arcabouço fiscal. A proposta do governo permitia bloquear e contingenciar até 15% de todas as emendas, inclusive individuais. Isso significaria, potencialmente, R$ 7,6 bilhões do total de R$ 50,5 bilhões em emendas previstas para 2025. Com a aprovação valendo apenas para verbas não impositivas, que somarão R$ 11,5 bilhões, a trava será de, no máximo, R$ 1,7 bilhão.

Créditos tributários. Os parlamentares retiraram do governo a possibilidade de limitar o uso de créditos tributários para abater tributos em caso de déficit nas contas a partir de 2025.

Fundos públicos. O governo propôs desvincular os recursos de oito fundos públicos e redirecioná-los para o abatimento da dívida pública na ordem de R$ 39,3 bilhões. O relator reduziu a permissão para cinco fundos. Foram retirados do texto o Fundo Nacional Antidrogas, Fundo da Marinha Mercante e Fundo Nacional da Aviação Civil. Juntos, eles tinham um saldo de R$ 20,4 bilhões no fim de 2023.

DPVAT. Os parlamentares incluíram no texto o fim do Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), antigo DPVAT. Extinto pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o imposto foi reformulado e recriado em 2024 pela gestão Lula, mas começaria a ser cobrado apenas em 2025. Após um acordo com o governo, a oposição conseguiu apoio para que a revogação do DPVAT fosse incluída no projeto.

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