A cotação do dólar recuou significativamente nos últimos quatro meses. Desde 9 de março – quando foi registrada a maior taxa média do ano, de R$ 5,84, segundo as negociações registradas pelo Banco Central –, o câmbio ficou 14% mais em conta, mesmo considerando a recente subida de cotações. Nesta quinta-feira (1º), novamente influenciada pela cena política, a cotação média da moeda norte-americana chegou a R$ 5,01, de acordo com o BC.
Esse cenário tem impactos positivos, mas também negativos, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
Quem ganha com a queda do dólar
Um dos impactos positivos é no combate à inflação. “Uma moeda [o real] forte reduz a pressão da alta nos preços”, explica Lívio Ribeiro, pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). O motivo é que importar acaba ficando mais barato em reais e o impacto dos preços elevados das commodities fica menor, uma vez que a cotação de referência destas é em dólar.
Nos 12 meses encerrados em maio, o IPCA – a inflação oficial e que é calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – acumula uma alta de 8,06%, a maior desde setembro de 2016. A projeção do mercado financeiro, no relatório Focus, do BC, é de que o ano termine com uma alta de 5,97%.
"Agora, a cotação do dólar pressiona menos o IGP-M e, por consequência, os reflexos sobre o IPCA são menores", afirma o professor de finanças do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), Rodrigo Leite.
Algumas cadeias produtivas que podem ser favorecidas com esse movimento são as de derivados de petróleo, etanol, trigo e soja. “Ajuda a tirar a pressão existente sobre os preços”, diz o economista-sênior da Tendências Consultoria, Silvio Campos.
Quem também se beneficia com fortalecimento da moeda brasileira, aponta o professor da Coppead/UFRJ, é quem está com planos de viajar para o exterior. Mas estes ganhos podem ser limitados pelas restrições impostas por diversos países à entrada de brasileiros, por causa da pandemia da Covid-19.
O fortalecimento do real também traz impactos positivos a setores que tem uma forte presença de custos dolarizados, como é o caso da aviação comercial. Mais da metade deles, como aluguel de aeronaves e preço do combustível, está baseada na moeda americana, aponta a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear).
Quem perde com a queda do dólar
Impactos negativos podem ser sentidos pelos exportadores, pois veem sua receita em reais diminuir. “Há uma sensação de perda de oportunidade em relação ao período em que o dólar estava na faixa dos R$ 5,80”, diz o head de câmbio da Ethimos Investimentos, Lucas Brigatto.
É o caso das commodities agrícolas. Mas, mesmo com a redução no câmbio, o Itaú BBA considera que o ano-safra que está começando (2021/22) sinaliza para uma boa rentabilidade dentro da porteira, principalmente para as culturas agrícolas.
“Apesar do aumento esperado do custo de produção, os preços das principais commodities deverão seguir firmes, embora algum arrefecimento em relação aos patamares atuais seja esperado”, aponta relatório da instituição financeira.
"Câmbio justo" e eleições
Um modelo desenvolvido pelo Ibre/FGV sinaliza que a “taxa justa” de câmbio está na faixa dos R$ 4,60. “Mas isto não quer dizer que o câmbio vá migrar para ela. Pode demorar um tempo para se chegar a esse patamar”, explica Ribeiro. Atualmente, as previsões das instituições financeiras para o final do ano oscilam entre R$ 4,35 e R$ 5,53.
O pesquisador lembra que no ano que vem haverá a campanha eleitoral e isto contribui para deixar a moeda mais pressionada. O ponto médio (mediana) das projeções do Relatório Focus sinalizam para uma taxa de câmbio de R$ 5,20, ao fim do ano que vem.
“Há também outras questões que poderão ajudar a ditar o rumo do câmbio, como a discussão das reformas tributária e administrativa”, complementa o professor da Coppead/UFRJ.
Jankiel Santos, economista do Santander Brasil, avalia que uma acentuação no fortalecimento do real frente ao dólar neste ano vai depender muito de novas surpresas positivas na economia.
Outro fator que pode pesar, segundo Campos Neto, é que a calmaria do dólar está com os dias contados. Ele aponta que, diante do aumento da inflação nos Estados Unidos, há uma tendência à retirada de estímulos monetários e, até mesmo, alta do juro básico. “É um movimento que deve começar a partir do segundo semestre.”
Ele ressalta que estes fatores – proximidade do período eleitoral e cenário internacional – são dificultadores para que haja continuidade no avanço do fortalecimento do real em relação à moeda americana.
Nos últimos dias, desdobramentos da CPI da Covid no Senado contribuíram para oscilações no dólar. A moeda, que chegou a R$ 4,92 na última sexta-feira (25) avançou novamente para a casa dos R$ 5.
Os fatores que contribuem para a queda do dólar
Uma série de fatores está contribuindo para a cotação do dólar ficar mais baixa, como a alta das commodities, o diferencial entre as taxas de juros doméstica e do resto do mundo e a descompressão do "risco Brasil", apontam os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
“Tradicionalmente, fatores globais influenciam mais do que os domésticos na questão cambial. Mas, nas últimas semanas, a diferença entre as taxas de juro interna e externa se tornou o principal responsável pela valorização do real”, explica o pesquisador da FGV.
Santos, do Santander Brasil, lembra que há alguns meses o real tinha um grande descolamento em relação a outras moedas emergentes e estava entre as que mais se desvalorizaram. Desde o início de janeiro de 2020 até o pico da cotação em 2021, em 9 de março, o dinheiro brasileiro tinha perdido 31,13% do seu valor frente ao dólar, segundo dados do BC. “Houve uma correção natural do valor do real”, complementa Campos Neto.
Um dos fatores que pressionavam negativamente o real, segundo o economista do Santander, era a falta de aprovação do Orçamento Geral da União, que deveria ter ocorrido em dezembro e só foi votada em abril. Esta indefinição também pressionava o teto de gastos.
“Havia também uma percepção negativa por parte do mercado, em relação ao lado fiscal da economia. Com a votação do Orçamento, manteve-se a estrutura fiscal dando alívio aos temores existentes, diz ele.
O economista aponta que, com a melhora no front fiscal e a maior rapidez na alta dos juros, o Brasil se tornou mais atrativo para o investidor estrangeiro.
O head de renda variável da Monte Bravo Investimentos, Bruno Madruga, diz que essa situação tem favorecido a entrada de dinheiro estrangeiro no Brasil. Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) apontam que, nos cinco primeiros meses do ano, houve um crescimento de 35%, comparativamente ao mesmo período de 2020, na subscrição em ofertas públicas de ações por parte de investidores estrangeiros.
E, segundo o banco americano Morgan Stanley informou ao “Valor”, as captações externas brasileiras já atingem US$ 21 bilhões neste ano. Em todo o ano de 2020, foram US$ 27,9 bilhões.
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