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A cotação do dólar rompeu na terça-feira (22) o piso de R$ 5,00 no fechamento, o que não ocorria desde 10 de junho de 2020. É um movimento que vem sendo “ensaiado” desde a última semana, quando por duas ocasiões a moeda norte-americana chegou a ser negociada abaixo desse patamar, mas acabou fechando o dia acima dele.
Acompanhando essa tendência, as projeções das instituições financeiras para o câmbio ao fim do ano, publicadas no Relatório Focus – pesquisa publicada semanalmente pelo Banco Central –, sinalizam também para uma queda. Há quatro semanas, o ponto médio (mediana) estava em R$ 5,30, de acordo com o relatório Focus. Nesta semana, caiu para R$ 5,10. Mas há projeções que sinalizam para taxas mais baixas, como R$ 4,70.
Uma conjunção de fatores positivos ajuda a explicar este cenário, diz Victor Scalet, estrategista da XP Investimentos: a melhora no ambiente político e fiscal, a pressão causada pela valorização das commodities, os fluxos positivos na balança comercial e o estrangeiro voltando a dar mais atenção para o Brasil. Outro fator que contribui para a valorização do real frente ao dólar é o aumento na taxa Selic, motivado pela alta na inflação.
Mas, mesmo com a queda do câmbio — uma baixa de 14,7% desde a maior cotação de fechamento, em 9 de março —, o real ainda está muito desvalorizado. “Isto reflete o risco da moeda brasileira”, aponta a economista Cristiane Quartaroli, do banco Ourinvest.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam, entretanto, que há riscos que podem acabar segurando a valorização do real. Um deles é a volatilidade que, tradicionalmente, aumenta em períodos eleitorais. Outro é a questão fiscal, dada a dificuldade estrutural brasileira em se fazer ajustes.
A seguir, cinco fatores que ajudam a explicar a valorização do real em relação à moeda norte-americana:
1. Aumento na taxa básica de juros (Selic)
O principal fator que está contribuindo para a perda de valor na cotação do dólar é a política monetária, por meio do aumento na taxa básica de juros (Selic). Desde o início do ano, ela passou de 2% para 4,25% ao ano. E novas altas estão a caminho: o mercado trabalha com o cenário de 6,5% ao ano para dezembro, um ponto percentual a mais do que se projetava há quatro semanas.
Um aumento na taxa de juros favorece a entrada de dólares, mas dependendo do ritmo de alta pode afetar o crescimento, já que a Selic serve de baliza para o custo do dinheiro. Atualmente, economistas consideram que uma taxa de até 6,5% não prejudica a expansão da economia.
“A política monetária brasileira vai ser um fator relevante para a cotação do dólar”, diz Scalet, da XP. E um eventual aumento no ritmo de alta na Selic — para 1 ponto percentual no início de agosto — já está no radar do mercado.
2. Cenário fiscal melhor, beneficiado pela alta no PIB
Outro fator que está contribuindo para a cotação do dólar cair é a melhoria na situação fiscal do Brasil, que, mesmo assim, continua a inspirar cuidados.
O cenário melhorou após a aprovação do Orçamento, que deveria ter ocorrido no fim do ano passado e só foi efetivada na segunda quinzena de abril. “O risco fiscal teve uma redução”, diz Celson Plácido, diretor da Warren Investimentos. E ganhou mais fôlego com a divulgação do PIB do primeiro trimestre, no início do mês, que mostrou uma expansão de 1,2% em comparação com os últimos três meses de 2020. “E não havia auxílio emergencial no começo do ano”, frisa o especialista.
Um número favorável é o desempenho da arrecadação tributária, reflexo da maior atividade econômica, que contribuiu para o superávit primário (a poupança feita para pagar a parcela dos juros da dívida pública) do setor público consolidado de R$ 75,8 bilhões no primeiro quadrimestre do ano, segundo o BC. No mesmo período do ano passado houve um déficit de R$ 82,6 bilhões.
Segundo o executivo, esse cenário de contas públicas no azul só era esperado para daqui a dois anos. Com isso, a relação entre dívida bruta do governo geral e PIB, que estava na faixa de 90% no início do ano, caiu para 86,7% em abril.
3. Valorização das commodities e fluxos positivos na balança comercial
Outro fator que contribui para um real mais forte é a alta nas commodities, que está injetando dólares na economia brasileira. As exportações de soja, beneficiadas pela alta demanda chinesa e pela boa safra, atingiram US$ 20,3 bilhões nos cinco primeiros meses do ano, 29,6% a mais do que em 2020. As de minério de ferro tiveram um incremento de 113,7% em dólares, segundo a Secretaria de Comércio Exterior.
A demanda maior por commodities brasileiras está associada à evolução da vacinação nos Estados Unidos e na China — os dois maiores clientes de produtos brasileiros —, afirma Cristiane Quartaroli, do Ourinvest. O país asiático já aplicou mais de um bilhão de doses e os EUA já vacinaram, até o dia 22, 52,95% da população com pelo menos uma dose.
“Isto contribui para melhorar os fluxos comerciais e contribui para valorizar o real. Entre os emergentes, o Brasil é um dos países mais líquidos e um dos que cuja moeda mais tinha se desvalorizado”, destaca a economista do banco Ourinvest.
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4. Melhora no humor do investidor
A melhoria do humor do investidor em relação ao Brasil também está contribuindo para deixar o real mais forte. O risco-país do Brasil, medido pelo CDS de 5 anos, caiu 27,8% desde o final de março, quando atingiu seu maior patamar no ano.
O sucesso das últimas concessões é um termômetro disso. Três dos quatro blocos em que foi dividida a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) geraram uma outorga de R$ 22,69 bilhões, 114% a mais do que o mínimo esperado. Os leilões dos aeroportos tiveram um ágio médio de 3.822%. E novas concessões estão a caminho, como rodovias em Minas Gerais e no Paraná.
Mas, segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês), o processo de desestatização no Brasil não está avançando muito rápido. Ele foi anunciado no final de 2018, com a previsão de reduzir o número de empresas administradas pelo estado de 134 para 12. Apenas dois movimentos acontecerem no ano passado, com a venda de campos de óleo e gás a investidores da Austrália e do Reino Unido e a transferência da Caixa Seguridade para a francesa CNP Assurances.
Mais dinheiro estrangeiro está entrando na B3, a bolsa brasileira. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), somente no mercado de ações, entre janeiro e maio entraram US$ 16,8 bilhões, vindos de fora do país, 35% a mais do que no mesmo período de 2020.
Outro processo que poderia ter impacto relevante na valorização do real seria a apreciação das reformas, principalmente a tributária, por parte do Congresso. Cristiane Quartaroli, do banco Ourinvest, vê que essa janela de oportunidade está se fechando, à medida que se antecipa a campanha eleitoral. “Tradicionalmente, reformas são seguradas nesse período, que tem uma tendência à desvalorização do real.”
Ela aponta que a aprovação das reformas ajudaria a colocar o país em outro patamar para os investidores, sinalizando um risco menor.
5. Dinheiro de sobra no mundo
O que também contribui para o cenário de valorização do real é a maior disponibilidade de dinheiro no mundo, por causa dos programas de estímulo fiscal e monetário adotados em algumas das principais economias globais.
“Isso favorece um cenário mais atrativo para o Brasil, ainda mais que outros mercados emergentes, como a Argentina e a Turquia, estão com problemas”, destaca Plácido.
Uma questão que está no radar é quando os Estados Unidos vão rever a sua política de estímulos. O cenário mais provável até o momento, segundo especialistas, é de que essa movimentação comece no ano que vem, com possibilidade de alta nos juros básicos em 2023.
“Juros maiores nos Estados Unidos fazem com que o fluxo de capitais se direcione para lá, favorecendo um fortalecimento da moeda americana”, sinaliza Cristiane Quartaroli, do Ourinvest.