Em tempos de ressaca provocada por instrumentos financeiros complexos, tem se destacado uma aplicação que está entre as mais antigas, o ouro. O metal tem se valorizado com força e nas duas últimas semanas bateu quase diariamente o recorde histórico de preço em Londres, a cotação da onça, medida que equivale a 31 gramas, passou de US$ 1.140, valor 40% maior do que há dois anos.A valorização do ouro ocorre em paralelo ao avanço de outras commodities, como cobre, petróleo e celulose, mas tem algumas peculiaridades. De todos os produtos básicos que estão em alta, o metal dourado é o que mais se aproxima da função de reserva de valor que normalmente é encontrada no dinheiro. Sua valorização quase ininterrupta nesta década mostra que há mais gente tentando se proteger da fraqueza econômica nas economias desenvolvidas.De forma geral, a escalada das commodities e de algumas moedas, entre elas o real, ocorre porque os investidores conseguem tomar dinheiro emprestado a um custo quase nulo em alguns países, em especial nos Estados Unidos, para fazer investimentos de curto prazo. Eles compram contratos futuros de metais, petróleo e ações em países emergentes. "Há excesso de dólares circulando e esse fluxo de capital é direcionado para a compra de ativos, inclusive o ouro", diz o economista Fernando Ferrari Filho, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).Muitos apostam que as economias emergentes, como Brasil e China, voltarão a crescer com força e de forma sustentável, o que ajuda a explicar a valorização de produtos básicos como petróleo. Mas o ouro e outros metais preciosos têm um comportamento diferente de outras commodities. Eles tendem a subir quando a economia vai mal e, mais do que a antecipação da recuperação, sua alta mostra que há muita desconfiança ainda no ar."Os EUA e outros países estão gastando muito para sair da crise e há o risco disso se transformar em inflação mais para frente. O ouro reflete esse risco", diz o economista José Guilherme Vieira, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Diferentemente de outras commodities, o metal dourado é menos influenciado pela atividade industrial de países emergentes e tem uma oferta bem mais restrita, o que o torna menos sensível a dados de produção o que não ocorre com o petróleo, por exemplo. Calcula-se que o estoque mundial de ouro seja de 160 mil toneladas, peso comparável ao transportado por apenas três navios graneleiros carregados com soja, e a produção anual não passa de 2,5 mil toneladas.
Bancos centrais
Um movimento que surpreendeu analistas e colaborou para a valorização do ouro nas duas últimas semanas foi o fato de o banco central da Índia ter comprado 200 toneladas vendidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). "A Índia quis diversificar suas reservas em um movimento que reflete o momento pelo qual passa o dólar, principal moeda de reserva do mundo", diz Ferrari Filho.