Após bater máximas históricas e beirar os R$ 5,90 no início de agosto, o valor do dólar frente ao real recuou, mas se mantém bem acima do que seria considerado seu preço neutro.
Especialistas apontam que, sem as incertezas econômicas e os riscos fiscais elevados envolvendo o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a moeda americana poderia estar cotada em R$ 4,90, refletindo apenas as condições da economia do país.
“Cálculos mais otimistas projetam cotações menores, mas creio que um patamar de R$ 4,90 traduz um dólar neutro ou justo”, afirma Enrico Cozzolino, da consultoria Levante. “O que excede a isso é o que se chama prêmio de risco, que incluem a instabilidade política e fiscal.”
Para Rodolfo Margato, economista da corretora XP, a cotação neutra deveria ficar em torno dos R$ 5 por dólar, valor acima das projeções do ano passado.
Na virada para 2024, analistas de mercado projetavam apreciação da taxa de câmbio para R$ 4,50 ou até patamares inferiores.
“A dinâmica mudou bastante e o câmbio chegou a bater mais as máximas devido à elevação de prêmio de risco”, explica.
Nos últimos meses, os principais ruídos foram as falas de Lula minimizando a necessidade do ajuste fiscal e as críticas à condução da política monetária pelo Banco Central.
Mesmo com o arrefecimento dos embates e de alguma estabilização da moeda nas últimas semanas, a projeção da XP é que o dólar termine o ano em R$ 5,40. “Parte deste prêmio é permanente no país”, diz Margato.
Quais os fundamentos da cotação do dólar?
A cotação do dólar reflete a diferença entre oferta e demanda pela moeda. Em ocasiões de disponibilidade maior, o preço tende a cair. Quando o volume disponível é menor, o valor sobe.
Mas acertar a cotação exata da moeda americana é uma tarefa inglória. Nos meios acadêmicos, a piada desgastada diz que Deus inventou a cotação do dólar para promover a humildade entre os economistas.
“É número mágico que ninguém acerta, porque além de fundamentos existe a expectativa de mercado”, afirma Cozzolino.
Os fundamento são variáveis objetivas. “É preciso considerar os vários indicadores dos dois países e ainda o valor do dólar em relação a uma cesta de moedas desenvolvidas, ou seja, a posição do dólar no mundo, índice conhecido como DXY”, explica o economista da XP.
Entre as principais variáveis está o diferencial de juros entre os dois países. Quanto maiores os juros brasileiros em relação aos norte-americanos, maior a atratividade dos títulos de renda fixa brasileira.
Assim, o capital estrangeiro migra de outros países para cá, buscando um retorno mais elevado. O aumento do fluxo de capitais gera fortalecimento da taxa de câmbio local, ou seja, a cotação do dólar cai.
Por isso a atenção em relação ao esperado corte de juros do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos). A expectativa agora é que, após vários adiamentos, a taxa comece a ser reduzida em setembro.
Se confirmada, a redução das taxas de juros vai reduzir o retorno dos títulos da dívida pública dos EUA, os Treasuries, considerados um dos investimentos mais seguros do mundo. E favorecer ativos de países emergentes, como o Brasil, considerados de maior risco.
“Isso deve contribuir para a estabilidade da cotação até o fim do ano, pelo aumento da entrada de recursos”, acredita Cozzolino.
Comércio de commodities também influencia taxa de câmbio
Também influenciam a cotação os preços de commodities agrícolas, minerais ou energéticas, como o petróleo. O saldo da balança comercial (diferença entre exportações e importações) afeta a oferta e demanda por dólares.
Um superávit comercial (mais exportações do que importações) tende a fortalecer o câmbio brasileiro, ou seja, baixar a cotação.
Isso aconteceu, por exemplo, durante o "superciclo de commodities" entre 2003 e 2011, quando o Brasil vendeu muita soja e minério de ferro para a China, em expansão. O dólar chegou a custar menos de R$ 2.
O cenário hoje é bem diferente. O enfraquecimento da economia chinesa tem contribuído para a instabilidade das cotações. Os impactos geopolíticos, como a guerra na Ucrania e a escalada de tensões no Oriente Médio também pressionam o preço do petróleo.
A balança de serviços também influencia na oferta interna de dólar, já que o Brasil transaciona serviços com o mundo todo.
A conta, divulgada mensalmente pelo Banco Central, inclui desde pagamentos efetuados e recebidos no exterior, lucros, juros e dividendos à prestação de serviços de fato, transportes, royalties, direitos autorais e gastos com viagens internacionais.
Tradicionalmente, os números são deficitários. Um exemplo são os gastos em turismo. Os visitantes brasileiros costumam deixar mais dólares no exterior do que os turistas estrangeiros gastam no Brasil.
Mesmo assim, as projeções são de estabilidade da cotação. “Há indicadores de melhora, com dados positivos da balança comercial e perspectivas de crescimento do PIB”, diz o economista da Levante.
No acumulado do ano até a segunda semana de agosto, em relação ao mesmo período no ano anterior, a balança comercial apresentou superávit de US$ 52,33 bilhões. A última projeção do Boletim Focus para a balança comercial brasileira é de superavit de US$ 82,44 bilhões.
Quais são os fatores do "prêmio de risco" na cotação do dólar?
A preocupação com o déficit fiscal e a situação da dívida pública no país são fatores intangíveis que levam ao aumento do chamado "prêmio de risco" exigido pelos investidores, com impacto na cotação do dólar.
“Esse prêmio mais elevado reflete a incertezas fiscais, a desconfiança do mercado sobre cumprimento das metas fiscais e a capacidade do governo de equilibrar as contas públicas”, afirma Margato.
A mudança da meta do arcabouço fiscal para 2025 – realizada em abril pelo ministério da Fazenda – foi o pontapé inicial para a maior volatilidade da moeda.
A pasta anunciou que deixará de perseguir um superávit para buscar um resultado "neutro", isto é, um empate entre receitas e despesas. Metas à parte, por ora, o cenário ainda é de rombo elevado nas contas públicas, e a expectativa do mercado e de grande parte dos analistas é de novos déficits nos próximos anos.
Ao mesmo tempo, a resistência do governo em reduzir despesas e as declarações do presidente em Lula em defesa do aumento do gasto público também contribuíram para a desancoragem das expectativas de inflação, que elevaram o risco.
Somam-se a isso os ruídos políticos e as críticas de Lula ao presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Após da disparada do dólar, Lula arrefeceu o discurso, considerando o efeito negativo da moeda sobre o cenário fiscal.
“Quero crer que os ruídos políticos tendem a diminuir, porque o governo Lula sabe que é um tiro no pé para as contas públicas”, diz Cozzolino.
O que vem com a sucessão no Banco Central
A expectativa do mercado agora se volta para a mudança do comando do Banco Central, com o fim do mandato de Campos Neto em 31 de dezembro.
Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária do Copom e virtual indicado para o cargo por Lula, tem contado com o voto de confiança de agentes econômicos.
A atuação do diretor é considerada técnica e, segundo os analistas, deve manter a política de aperto monetário, caso necessário.
Mas a aposta maior é que, com o fim dos ruídos e a queda dos juros americanos, o dólar deva refluir e possibilitar um cenário de corte de juros mais adiante, como deseja o presidente Lula.
Isso livraria o virtual sucessor dos ataques do Planalto e do Partido dos Trabalhadores, também crítico da política do BC.
Caso a política monetária restritiva se mantenha, Cozzolino acredita que os ruídos e as críticas de Lula voltarão ao cenário.
“Se preciso, mesmo tendo sido indicado por ele, Lula vai criticar e queimar o Galípolo, jogando pra plateia”, diz. “Mas talvez, a partir da melhora internacional e da ausência de ruídos, o presidente tenha a sorte de não precisar fazer criticar o BC e ainda sair como vencedor na batalha pelo corte de juros.”
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