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Depois da pandemia

Oito sugestões para o Brasil superar a crise econômica provocada pela Covid-19

(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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A pandemia da Covid-19 atropelou a discreta recuperação econômica do Brasil e forçará o país a propor novas alternativas para sair da nova crise imposta pelo problema sanitário. Além de buscar medidas para a retomada do crescimento, o governo terá de lidar com a continuidade do ajuste fiscal depois de um ano em que foi exigido o aumento do gasto público.

A queda no nível da atividade econômica, o desemprego e a suspensão da renda da maioria dos brasileiros foram mitigadas com programas extraordinários, como o auxílio emergencial e as linhas de créditos para empresas. Algumas dessas medidas poderão se tornar permanentes. É o que sugere o documento Brasil Pós Covid-19, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Com foco no equilíbrio fiscal, pesquisadores sugeriram medidas – além das reformas – para melhorar a eficiência da economia, como programas microeconômicos de investimentos e ações para incentivar a contratação de trabalhadores com subsídios temporários.

O documento é dividido em quatro eixos temáticos: atividade produtiva e reconstrução das cadeias de produção; inserção internacional; investimento em infraestrutura; e proteção econômica e social de populações vulneráveis.

A Gazeta do Povo selecionou as principais propostas. Confira a seguir oito sugestões do Ipea para o país superar a crise da Covid-19:

1) Nova lei de falências

Muitas empresas fecharam as portas definitivamente por causa da crise imposta pela pandemia da Covid-19, e outras tantas ainda terão o mesmo destino. Por isso, é preciso reformar o sistema legal de recuperação das companhias brasileiras. O Ipea avalia que a atual lei de falências não simplificou ou acelerou processos judiciais nem melhorou a recuperação de créditos, preservação de empregos ou a continuidade de atividades econômicas.

Para o instituto, essa reforma precisa prever, entre outras ações, a ampliação de acesso a regime insolvencial (possibilidade de falência e recuperação a pessoas físicas e pessoas jurídicas não empresárias), a suspensão automática de ações e execuções e regras para financiamento do ente em recuperação. Também tem de fornecer garantias para continuidade de negócios economicamente viáveis e simplificar procedimentos e recursos, para diminuir a duração dos processos e pressão sobre o Judiciário.

Essa proposta já está na mira do governo, que quer alterar a lei de falências em breve para evitar a depreciação do patrimônio de uma empresa em dificuldades, o que atrapalha o remanejamento e pagamento de suas obrigações. A estimativa do Ministério da Economia é de que 3.513 empresas possam entrar com pedidos de recuperação nos próximos meses, número três vezes maior que o esperado em um cenário sem pandemia.

2) Ajuda para micro e pequenas empresas

Micro e pequenas empresas representam quase 95% das firmas do Brasil e são responsáveis por 60% dos empregos formais. A avaliação do Ipea é de que as ações que foram adotadas para socorrer empresas pelo governo durante a pandemia não incluíram as microempresas (com faturamento anual até R$ 360 mil) e restringiram a possibilidade de uso do recurso ao pagamento de empregados, sem considerar outros custos que permaneceram mesmo com os negócios fechados.

O instituto apresentou duas propostas para esse setor. A primeira é de concessão de empréstimos com juro zero, proporcional ao faturamento médio mensal (a depender da atividade), para todas as micro e pequenas empresas que faturem até R$ 4,8 milhões brutos anuais. Em contrapartida, aquelas que receberem o financiamento terão de manter os empregos por seis meses após o isolamento social. O pagamento terá um ano de carência, também partindo da data de retomada de atividades, e a amortização contingente ao faturamento.

A outra sugestão é de estimular o uso estratégico de compras públicas para fomentar atividades do setor. Como essas empresas têm pouco capital de giro e pode se tornar mais complicado manterem-se na ativa sem garantia de demanda, o poder público poderia entrar como um “garantidor” de um patamar mínimo de compras, ao mesmo tempo em que estimula a competição.

Países como Itália (Mepa), Chile (tienda electrónica ChileCompra), Ucrânia (ProZorro) e Dinamarca já adotaram medidas similares. A ação, no entanto, exige boa focalização para ter um resultado efetivo tanto para o governo (que não teria aumento de custos, apenas remanejaria compras que já faz) quanto para as empresas.

3) Nova indústria: reciclagem automotiva

A avaliação do Ipea é que a criação de uma indústria de reciclagem automotiva no Brasil, que ainda não existe, pode trazer resultados em várias frentes. Segundo o instituto, isso tem o potencial de melhorar as condições gerais de circulação de veículos, com resultados na redução de acidentes, aumento da segurança e benefícios ambientais.

A criação do novo setor incentivaria a indústria automobilística e abriria espaço para contratação de mão de obra com menos qualificação. O Ipea afirma que essa indústria da reciclagem de veículos movimenta cerca de US$ 25 bilhões ao ano e emprega cerca de 100 mil pessoas nos Estados Unidos. No Brasil, o potencial estimado é de atingir cerca de 30% desses números.

4) Incentivos fiscais a doadores de universidades e instituições de ciência e tecnologia

Um meio para incentivar universidades e instituições de ciência e tecnologia seria a concessão de incentivos fiscais a empresas e pessoas físicas que fizessem algum tipo de doação. A proposta do Ipea é de zerar o imposto de doação e conceder isenção de Imposto de Renda sobre os valores doados para essas instituições, sejam elas públicas ou privadas.

Para adotar esse tipo de medida, seria preciso fazer algumas modificações na legislação para possibilitar a ação. Uma possibilidade é analisar a experiência obtida com a Lei Rouanet. A avaliação do Ipea é de que, no longo prazo, esse tipo de fundo pode se tornar uma relevante fonte de recursos para as universidades. O modelo norte-americano é citado como exemplo.

5) Relações exteriores: estimular o comércio e atrair investidores

Como a pandemia da Covid-19 afetou todos os países, em etapas diferentes, o Ipea avalia dois pontos principais para o Brasil focar: estimular o comércio exterior e buscar investimento estrangeiro para ações internas.

No caso do comércio exterior, o instituto alerta para uma combinação de fatores negativos que podem afetar a exportação brasileira, como a retração da atividade econômica mundial, aumento de barreiras tarifárias e políticas que privilegiam a compra de bens produzidos domesticamente. Nesse sentido, é preciso reforçar ações de curto prazo, que mantenham suporte às empresas de exportação, estimulando o setor e mapeando oportunidades de crescimento de vendas durante esse período de reorganização de produção e comércio.

Na outra ponta, o país deve trabalhar para atrair investimento estrangeiro e ampliar o acesso a fontes internacionais de financiamento. O Ipea pondera que o fluxo mundial de investimentos estrangeiros já havia recuado em 2019, o que impõe um desafio extra. Para isso, a sugestão é redobrar esforços na promoção do país, ao mesmo tempo em que se faz uma busca ativa por fontes e financiamentos externos que são pouco aproveitadas pelo país. Um exemplo são as linhas de crédito de bancos e fundos multilaterais para novos projetos, que podem ser usadas para projetos de infraestrutura física e social, incluindo a área da saúde.

Nesse contexto, o Brasil precisa trabalhar para combater o próprio protecionismo – constantemente mal visto no cenário internacional – e até mesmo buscar algum papel de coordenação da ajuda para países em desenvolvimento.

6) Foco em construção e manutenção de rodovias e ferrovias

Para melhorar a infraestrutura interna, o Ipea sugere ações específicas para rodovias e ferrovias.

No caso das estradas, a sugestão é fazer a manutenção emergencial usando o regime diferenciado de contratações públicas (RDC). O processo simplificado pode suprir mais rapidamente a necessidade de manutenção de rodovias brasileiras e, considerando este momento de baixo movimento, seria mais fácil executar os trabalhos. A medida promoveria contratação de elevado número de empregados, e seria mais fácil promover medidas de distanciamento por se tratar de espaço aberto. A estimativa do instituto é de geração de 100 mil empregos por ano para cada R$ 1 bilhão investido. O Ipea ainda projeta a possibilidade de investimentos entre R$ 15 e 20 bilhões, entre recursos da União, estados e municípios.

Outro eixo proposto é o de permitir a construção ferroviária privada mediante autorização. A avaliação é de que o atual modelo de concessão criou um mercado cativo do modal para transporte de produção agrícola. No entanto, as ferrovias têm capacidade de melhorar a eficiência de setores importantes da indústria. Para o Ipea, permitir a construção, com exclusividade e exploração por tempo determinado, pode criar um novo mercado para o setor, baseado em investimentos privados.

7) Subsídio temporário para contratação e renovação de programas de redução de jornada

Os efeitos negativos da pandemia da Covid-19 no mercado de trabalho precisam ser enfrentados com ações fortes, que tanto procurem evitar as demissões quanto facilitem a recontratação de trabalhadores dispensados. O Ipea propõe dois tipos de medidas nesse sentido.

Um foco é listar ações que incentivem as empresas a contratar ou recontratar mão de obra. A sugestão é reformular a proposta do contrato Verde Amarelo, substituindo a focalização direta em jovens e idosos para uma alternativa com jornadas de trabalho reduzidas, que seriam mais adequadas para o momento atual.

Na outra frente, a opção seria renovar providências que já foram tomadas para evitar demissões e renovar a MP 936, que permite suspensão de contrato de trabalho e redução da jornada e salários. Essa ação já foi tomada e o prazo de duração das medidas foi ampliado.

8) Benefícios voltados para a infância

Em momento que a agenda de assistência social ganhou força dentro do governo, com a possibilidade da criação do Renda Brasil, a sugestão do Ipea é criar uma transferência universal para criança, acoplada a um programa bem focalizado, voltado a famílias extremamente pobres. A avaliação de técnicos do instituto é de que, embora existam alguns benefícios voltados especificamente para crianças de todas as faixas de renda (Bolsa Família, salário-família e desconto do IR), os programas são descoordenados, o que gera sobreposições e hiatos de cobertura.

A proposta é criar um benefício infantil universal para crianças e adolescentes de até 18 anos, no valor do benefício variável do Bolsa Família (atualmente, R$ 41), extinguindo duas modalidades de benefícios variáveis e o benefício básico do Bolsa Família, o salário-família e a dedução por filhos dependentes no IR. Para os mais pobres, o benefício de superação da extrema pobreza, dentro do Bolsa Família, seguiria existindo e compensaria o fim do pagamento básico.

O Ipea estimou, em 2018, custo anual de R$ 26,6 bilhões ao ano com a proposta, mas R$ 19,1 bilhões viriam da extinção de benefícios já existentes.

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