A disputa em torno do comando da Câmara dos Deputados pode dar uma sobrevida ao sonho do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desonerar a folha de pagamentos para todos os setores da economia em troca da criação de um imposto sobre transações digitais, nos moldes da antiga CPMF.
O projeto ganhou força com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na noite deste domingo (6), de proibir a reeleição para o comando da Câmara e do Senado. Com isso, a Corte barrou as pretensões do principal opositor no novo imposto no Congresso – o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Rechaçada por Maia, a "nova CPMF" tem o apoio de Arthur Lira (PP-AL), um dos principais líderes do Centrão e candidato do governo à presidência da Câmara. A eleição será em fevereiro e a disputa pelo cargo está em aberta.
Lira já deu entrevistas à imprensa afirmando que o novo imposto, com uma alíquota reduzida, seria bem-vindo para reduzir os encargos que incidem sobre a folha dos trabalhadores da iniciativa privada. “Se falamos de criar um imposto que não seja só virtual, mas também sobre operações financeiras, e de [alíquota de] 0,2%, 0,1%, especialmente para esse fim social, quem iria ficar contra? A esquerda, a direita, o centro, o presidente da Câmara, o presidente do Congresso?”, disse Lira em entrevista ao jornal Valor Econômico.
Qual é a proposta de Guedes
A ideia de Guedes é retirar todos os impostos que incidem sobre a folha para quem ganha um salário mínimo. Para salários maiores, haveria uma redução em percentual a ser estabelecido. O objetivo é reduzir esses encargos, que o ministro considera como os culpados pelo alto índice de pessoas fora do mercado formal de trabalho. Atualmente, a desoneração vale só para 17 setores da economia e é substituída por um percentual de recolhimento sobre a receita bruta.
Para Guedes, impostos sobre a folha “são armas de destruição em massa de emprego”. Em média, os tributos fazem um funcionário custar 1,6 vez o seu salário para o empregador, segundo Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Ibre/FGV.
Em troca da desoneração, seria criado um imposto incidente sobre qualquer transação digital. A alíquota seria de 0,2% a 0,4%. O dinheiro arrecadado, estimado em R$ 120 bilhões, iria para a Previdência Social, já que o principal imposto sobre a folha é justamente a contribuição ao INSS (20% sobre o salário do funcionário). A legislação obriga que desonerações que prejudiquem a arrecadação da Previdência sejam compensadas.
Maia é contra volta da CPMF
A proposta, contudo, não foi formalizada por Guedes, pois não encontra apoio em grande parte da cúpula do Congresso e do próprio governo. Maia já declarou diversas vezes que, enquanto for presidente da Câmara, não pautará nenhum imposto “disfarçado” de CPMF. Até partidos alinhados ideologicamente a Guedes, como o Novo, são contra. Guedes acusa Maia de interditar o debate e diz que o imposto digital é menos pior que o da folha.
“Toda vez que falarem que o imposto de transações é cumulativo, eu repito que o imposto sobre a folha é mais cumulativo. Se falarem que esse imposto sobra transações é ruim, o imposto sobre folha de pagamentos é muito pior e muito mais destrutivo", afirmou o ministro em participação no Painel Telebrasil 2020.
Barros tentou emplacar CPMF, mas não teve sucesso
O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), é outro expoente do Congresso que já declarou apoio público à nova CPMF. Em live promovida pela Genial Investimentos em setembro, ele afirmou que estava negociando com Maia e demais líderes que o novo imposto fosse apenas transitório, por seis anos, até que o governo encontrasse uma nova forma de compensar a Previdência.
Barros revelou, na época, que o governo preparava um estudo para mostrar que o imposto seria mais justo do que a tributação na folha. Mas as tratativas não tiveram sucesso e a ideia foi novamente engavetada.
Uma nova tentativa foi feita recentemente, só que integrantes da própria ala política do governo defenderam que o Executivo se abstenha de apresentar o restante da reforma tributária, que teria a desoneração e a CPMF. Eles avaliam que o governo não vai conseguir vencer “a guerra da comunicação" e explicar a necessidade do novo imposto à população, relatou o jornal Folha de S.Paulo.
Ricardo Barros confirmou que, no momento, a orientação é aguardar o parecer da comissão mista da reforma tributária para o governo emitir um parecer oficial. O relatório deve ser apresentador por Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) até o próximo dia 10.
Reforma tributária: cartada de Maia por protagonismo na disputa
O relatório de Ribeiro é uma resposta de Maia ao governo. Era também uma tentativa de recuperar o seu protagonismo na disputa à presidência da Câmara, antes dessa pretensão ter sido barrada pelo STF, e tentar fazer um sucessor. A votação da matéria estava praticamente descartada para este ano, mas voltou a ser cogitada por Maia.
O deputado diz, inclusive, que já tem 320 votos favoráveis à proposta da Câmara, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e que está sendo relatada por Ribeiro, junto à proposta de reforma tributária do Senado.
O governo ainda não encaminhou o seu texto completo da reforma. Mandou apenas o que chamou de primeira fase – um projeto de lei que prevê a unificação de PIS e Cofins na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). As demais partes da reforma tributária do governo seriam mudanças no Imposto de Renda, no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), desoneração da folha e criação do imposto sobre transações digitais. Todas estão na gaveta do Ministério da Economia aguardando os rumos da política.
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