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Entidades que representam setores importantes da economia brasileira vêm reclamando que, apesar das medidas anunciadas pelo Banco Central (BC) em março para aumentar a oferta de crédito, as instituições financeiras estão dificultando a concessão de financiamentos e praticando taxas de juros mais altas.
Em carta ao BC, representantes do comércio varejista afirmam que as taxas de juros praticadas agora estão, em média, 50% superiores às registradas antes da crise do novo coronavírus. Em alguns casos, segundo eles, o aumento chega a 70%.
A carta é assinada pela Associação Nacional de Shoppings Centers (Abrasce); pelo Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV); pela Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL); pela Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB); e pela Associação Brasileira de Franchising (ABF), de franquias.
De acordo com o texto, o aumento das taxas atinge "operações habituais do varejo", entre elas capital de giro, conta garantida, antecipação de recebíveis, risco sacado e empréstimos 4131, feitos em moeda estrangeira.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, reconheceu o problema em conversa online com o setor varejista no sábado (4), afirmando que os recursos liberados aos bancos para ampliar o crédito em meio à pandemia do novo coronavírus estão "empoçados no sistema financeiro".
Ainda no sábado, em videoconferência promovida pela XP Investimentos, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que os bancos no Brasil estão "com medo" de conceder crédito, em função dos impactos da pandemia sobre a economia brasileira. Ou seja, as instituições bancárias não querem correr riscos.
O Banco Central disponibilizou até agora R$ 1,216 trilhão, o equivalente a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB), para manter a liquidez do sistema bancário.
Além dos juros altos, garantias exigidas são "desproporcionais", dizem empresas
Em outro documento, encaminhado ao ministro Paulo Guedes, as entidades pedem que o BC atue para "evitar uma elevação desmedida dos juros" e para que deixem de ser feitas “solicitações desproporcionais de garantias que inviabilizam o acesso às operações de crédito já existentes no mercado”.
Ao jornal Folha de S. Paulo, empresários revelaram, sob a condição de anonimato, que há casos em que as taxas praticadas pelas instituições financeiras dobraram ou triplicaram após a crise do novo coronavírus. Alguns setores, ainda segundo os relatos, tiveram o crédito cancelado.
Ainda de acordo com esses empresários, alguns bancos estão se negando a fazer a prorrogação de parcelas de financiamentos por 60 dias, conforme anunciado pelas instituições financeiras em março. Segundo eles, em alguns casos, os bancos estão oferecendo um refinanciamento, com taxas de juros muito superiores – ou nem estão abrindo as negociações.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, reconheceu que a instituição já identificou que os bancos estão reduzindo os empréstimos e, ao mesmo tempo, aumentando as taxas. "O BC está monitorando o mercado de crédito, conversando com os setores que podem ser impactados, com bancos grandes, médios e empresas de meio de pagamentos para checar se existe algum problema de repasses. Podemos tomar mais medidas e estamos monitorando para que os efeitos dessas ações cheguem na ponta", disse Campos Neto, conforme relato do Uol.
O que o BC já fez – e por que não foi o suficiente
Quando a crise econômica relacionada à disseminação da Covid-19 começou a se desenhar no país, o BC foi a instituição que agiu mais rápido na tentativa de conter os efeitos da epidemia. Entre as medidas tomadas estão ações para aumentar a liquidez dos bancos, como a redução da alíquota de recolhimento compulsório sobre recursos a prazo (de 31% para 17%). O Banco Central liberou R$ 1,216 trilhão em recursos para os bancos brasileiros, o equivalente a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, reduziu a taxa básica de juros (Selic) ao seu menor patamar histórico (3,75%).
Marcelo Godke, advogado e professor de Direito Bancário, explica que as medidas não surtiram efeito por cauda do contexto econômico que o Brasil vive. "Em momentos de crise, as taxas de juros tendem a subir, e não a cair, porque aumenta o risco das operações para os bancos. Com o risco maior, a remuneração cobrada pelas instituições também aumenta", diz.
Segundo ele, o caso dos bancos públicos é um pouco diferente, já que o Estado pode capitalizar as instituições se houver um calote generalizado. "Com o risco maior, não dá para esperar que os bancos privados façam qualquer coisa de graça", afirma o professor.
O que o governo está fazendo para contornar o "medo" dos bancos
Para contornar o problema nos bancos, o ministro Paulo Guedes diz que o governo está trabalhando para que o dinheiro chegue diretamente a quem precisa: famílias e empresas.
Na última sexta-feira (3), o governo anunciou a assinatura de uma medida provisória (MP) que permite a liberação de R$ 40 bilhões, no período de dois meses, a empresas com faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. Este crédito, com taxa de 3,75% ao ano, servirá para o financiamento da folha de pagamentos das empresas.
Como 85% dos recursos (R$ 34 bilhões) serão bancados pelo Tesouro Nacional, o risco da operação, para as instituições financeiras, caiu. O mecanismo favorece que o dinheiro chegue, de fato, às empresas. Os demais 15% (R$ 6 bilhões) serão provenientes dos bancos. O BNDES será o responsável por repassar os recursos às instituições financeiras, que farão a liberação da linha aos clientes.
O governo trabalha ainda com a possibilidade de compra direta, pelo Banco Central, das carteiras de crédito e títulos das empresas como forma de fazer com que recursos liberados pelo governo cheguem efetivamente às mãos dos empresários.
A compra direta de carteiras ou títulos já é utilizada por outros bancos centrais do mundo, como o Fed, dos Estados Unidos. Esse instrumento permite ao BC injetar recursos no mercado para ajudar as empresas a obter crédito, sem precisar dos bancos como intermediários. Para que isso aconteça, porém, é necessária a aprovação da PEC do Orçamento de Guerra, que já está no Congresso. A proposta de emenda constitucional foi aprovada na sexta-feira (3), em dois turnos, pela Câmara dos Deputados, e agora está em análise no Senado Federal.
Outra medida, essa de efeito mais imediato, foi anunciada nesta segunda-feira (6). O Conselho Monetário Nacional (CMN) proibiu que bancos possam aumentar ou antecipar a remuneração de seus dirigentes. Segundo o Banco Central, o objetivo é evitar que as instituições financeiras usem os recursos disponíveis para outras ações que não a manutenção do crédito.
A medida é válida para remuneração fixa, como salários, e variáveis, como bônus ou participações nos lucros, e tem validade até dia 30 de setembro deste ano.
O que pode ser feito para que as empresas tenham acesso a crédito mais barato?
A oferta de crédito para empresas é, nesse momento, fundamental para que muitos negócios sejam salvos da falência. Isso porque parte significativa dessas empresas deve ir a faturamento zero, por conta das medidas de isolamento social necessárias no combate ao novo coronavírus.
Nesse cenário, o ex-presidente do BC, Armínio Fraga, defende que o governo forneça linhas de crédito que permitam dar fôlego aos negócios durante a crise. "Defendo que a resposta venha através de linhas de crédito públicas. Não é razoável se exigir dos bancos que façam empréstimos para perder dinheiro. Por outro lado, do ponto de vista público e social, faz todo sentido conceder empréstimos que serão pagos se, e quando, as empresas recuperarem as suas receitas. Essa proposta deveria estar vinculada à preservação do emprego", disse o economista em debate online promovido pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), na última quinta-feira (2).
A ideia já havia sido defendida por Fraga em artigo no jornal Folha de S. Paulo, assinado com os economistas Vinicius Carrasco e José Alexandre Scheinkman.
O que diz a Febraban sobre o patamar dos juros
Em nota encaminhada à Gazeta do Povo, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) afirma que as taxas de juros praticadas "ficaram estáveis" nas últimas semanas, mesmo com "uma revisão geral do risco das operações de crédito em função da pandemia".
"Nas operações com grandes empresas e nas operações novas, às vezes o cenário é um pouco distinto, sobretudo com linhas mais longas. Isso ocorre porque o custo de captação aumentou substancialmente, mas, neste caso, as operações de crédito envolvem grandes empresas, que demandam volumes significativos de recursos, com impactos relevantes sobre a liquidez do setor bancário", diz o texto.
A Federação também argumenta que os bancos internacionais cortaram as linhas de crédito para as instituições brasileiras, "o que estreitou mais ainda a liquidez do sistema".
Por fim, a nota diz que "os bancos têm consciência do momento excepcional pelo qual passa, não só o Brasil, mas o mundo. E estão prontos para ajudar a sociedade a atravessá-lo".