Mesmo com as medidas do governo para reduzir a oferta de crédito, o volume de empréstimos continua a crescer com força e, o que é pior, o consumidor está optando por formas de financiamento mais caras, como o cheque especial e o crédito pessoal, cujas taxas de juros chegam a 185% ao ano.
O saldo de concessões do cheque especial foi o segundo que mais cresceu nesse ano até maio (26%) só perdendo para os financiamentos imobiliários, que avançaram 30%, segundo dados do Banco Central. O ritmo é o dobro do registrado no mesmo período do ano passado. Em maio de 2010, o saldo do cheque especial crescia em média 13% em relação a dezembro do ano anterior.
O crescimento das operações de financiamentos mais caras, aparentemente, indica que o consumidor está recorrendo a esse tipo de recurso para pagar despesas mensais e cobrir eventuais "buracos" no orçamento.
"Pode ser reflexo do fato de o consumidor estar mais endividado, o que limita o acesso a linhas de financiamento mais baratas, situação que é agravada pelo aumento da inflação, que corrói a renda", afirma Miguel José Ribeiro de Oliveira, da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). "Também temos que considerar que é um dinheiro de fácil acesso, já disponível na conta", diz.
A substituição do crédito mais barato pelo mais caro também pode ser resultado do encarecimento e da maior dificuldade para contratar linhas mais baratas, como o consignado e o financiamento para compra de veículos. Ambas foram alvo de medidas de contenção do Banco Central (BC), a partir de dezembro do ano passado.
Na época, em uma tentativa de frear o consumo e a inflação e evitar a formação de eventuais bolhas, o BC determinou também o aumento dos depósitos compulsórios dinheiro que os bancos têm que deixar depositado na instituição, com objetivo de enxugar o crédito no mercado. Recentemente, o BC voltou a limitar o empréstimo com desconto em folha por meio do cartão consignado.
A preferência do consumidor pelo crédito caro pode ser medida pelo aumento das concessões diárias, que cresceram 18,1% no cheque especial e 16,2% no cheque especial em maio, contra uma queda de 17,4% nos financiamentos de veículos (leia matéria na página 3). Em 12 meses, as operações do cheque especial aumentaram 17,8%, contra apenas 2,3% do crédito consignado, que permite desconto em folha de pagamento.
Segundo Claudia Silvano, coordenadora do Procon-PR, o consumidor não faz a conta de qual é o dinheiro mais barato e qual é o mais caro. "O que interessa para ele é a sua necessidade e a facilidade de acesso. Entre ter de pedir um empréstimo no banco e usar o dinheiro que tem disponível na conta, por qual você acha que ele vai optar? O cheque especial vende uma aparente facilidade, mas cobra uma conta cara", afirma.
Para Marcelo Curado, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o Banco Central não vem conseguindo conter o crédito como gostaria. O emprego em alta proporciona maior segurança para o consumidor, que continua a se endividar, mesmo que tenha de optar por um financiamento com custo elevado.
A dívida total das famílias bateu recorde em maio, segundo levantamento da LCA Consultores. As contas no cartão de crédito, cheque especial, financiamento bancário, crédito consignado, crédito para compra de veículos e imóveis, corresponde atualmente a 40% da massa anual de rendimentos do trabalho e dos benefícios pagos pelo INSS.
Bolha
Apesar do crescimento vigoroso dos empréstimos e financiamentos nos últimos meses, Curado descarta problemas no curto prazo, já que o emprego e a renda tendem a manter a inadimplência em patamares mais comportados.
Nas últimas semanas voltaram a pipocar na imprensa mundial informações sobre a possibilidade de formação de bolhas de crédito no país, mas a maioria dos economistas brasileiros refuta essa possibilidade. "O crescimento das operações não constitui elemento para dizer que há bolha. Não apenas porque temos uma participação do crédito total sobre o PIB inferior a 50% hoje está em 46,9% mas também porque a qualidade do crédito e as exigências para sua contratação são muito maiores do que em países que viveram esse problema como os Estados Unidos", afirma.
Para as entidades ligadas à defesa do consumidor, no entanto, a oferta de crédito é preocupante. "Os bancos oferecem crédito incompatível com a renda do consumidor, o que pode levar sim a um fenômeno de bolha", afirma Claudia Silvano, do Procon-PR.