Empresas e consumidores estão procurando mais crédito nos bancos. O saldo de empréstimos no Sistema Financeiro Nacional atingiu o equivalente a 54,4% do PIB em março, de acordo com dados do Banco Central. Trata-se do maior índice da série histórica iniciada em 1995, superando os recordes recentes de dezembro de 2020 (53,99%) e fevereiro de 2021 (53,98%). O pico anterior, de 53,9%, foi verificado em dezembro de 2015.
Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostram que o ano passado fechou com uma expansão de 15,4% na carteira de crédito dos bancos. Entre as empresas, há uma busca por reforçar o capital de giro. E as pessoas físicas procuram quitar dívidas e trocar dívidas mais caras por outras mais baratas.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a busca foi impulsionada pelas medidas de apoio ao governo para o enfrentamento da pandemia, a queda na taxa de juros e a redução do compulsório (dinheiro que obrigatoriamente deve ser retido pelas instituições financeiras).
A carteira de crédito às empresas cresceu 21,7%. Para pessoas físicas, a expansão foi de 10,8%. “As medidas adotadas pelo governo e pelo Banco Central tiveram efeitos positivos e garantiram a liquidez do sistema”, diz Sérgio Leite, analista da XP Investimentos.
O crescimento deve ser ligeiramente mais contido neste ano, mas ainda assim digno de nota. Instituições com as quais a Gazeta do Povo conversou projetam uma expansão entre 9% e 10% neste ano. Em março, o saldo total de crédito foi 10,9% superior ao de fevereiro de 2020, antes da pandemia.
“Ainda há espaço para crescimento, em especial no segmento de pessoas jurídicas e em recursos livres”, escreve Francisco de Luna Santos, técnico de pesquisa e planejamento do Ipea, em relatório sobre o mercado de crédito.
Uma série de fatores ditará o ritmo dessa expansão, destaca Leite: a evolução nos casos de Covid-19, o ritmo da vacinação e a evolução da economia. As projeções para o crescimento do PIB estão em alta há algumas semanas. Segundo o Relatório Focus do BC, em um mês o ponto médio das previsões passou de 3,04% para 3,45%.
Demanda das empresas por empréstimos
A busca de crédito por parte das empresas está em alta, aponta a Serasa Experian. No primeiro quadrimestre do ano, cresceu 2,4% em relação aos quatro meses anteriores e 13,4% comparativamente a igual período de 2020, quando se sentiam os primeiros reflexos da pandemia.
Diante do aumento nas incertezas, o analista da XP aponta que principalmente as médias e grandes empresas procuraram formar um colchão de segurança. Ele lembra que as companhias de capital aberto estão com níveis de caixa historicamente elevados.
“As empresas estão procurando crédito para reforçar seu capital de giro. O foco delas é a gestão do caixa para chegar no mês com as contas em dia”, afirma o economista Luiz Rabi, da Serasa.
Isto explica o forte crescimento do saldo de operações em linhas de crédito como desconto de duplicatas e recebíveis (20,2%, no comparativo entre março de 2020 e 2021, de acordo com dados do Banco Central) e de capital de giro (36,5%). As concessões de microcrédito para microempreendedores individuais (MEIs) também tiveram uma forte alta: 30%.
Segundo a analista de renda fixa da XP Investimentos, Camilla Dolle, a inadimplência de grandes e médias empresas continua controlada e em baixos níveis históricos. “Para micro e pequenas empresas, apesar do nível de inadimplência estar baixo historicamente, já é possível observar uma tendência de retomada nos indicadores de atraso nesses segmentos.”
Demanda do consumidor por empréstimos
O consumidor também está procurando mais crédito. O movimento se acentuou em abril, destaca a Serasa. O primeiro quadrimestre registrou uma alta de 21,1%, em comparação com o mesmo período de 2020. A força dessa expansão foi maior no Norte e Nordeste e entre o público que tem uma renda pessoal mensal de até R$ 500.
Rabi vê um forte movimento de quitação de dívidas por parte das pessoas físicas. “Está havendo uma troca de dívida antiga e cara por outra barata”, diz.
Em março, o saldo das operações com crédito consignado estava em R$ 451,2 bilhões, o maior nível da história. É uma alta de 13,6% em relação ao mesmo mês do ano passado, de acordo com dados do BC.
Segundo o economista da Serasa, os consumidores estão aproveitando uma janela de oportunidade criada pela redução nos juros básicos. Com as projeções de uma nova alta na Selic para 4,25% ao ano, em junho, a expectativa é de que essa janela se feche ao fim do primeiro semestre.
Créditos rural e imobiliário também vão bem
Outros nichos de crédito que vão bem são o crédito rural e o imobiliário. O primeiro está sendo impulsionado pelo bom momento do campo.
O PIB do agronegócio cresceu 24,31% no ano passado, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP). As commodities agrícolas estão em alta e as perspectivas são de mais uma boa safra, com uma expansão de 5,7% na produção, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O crédito imobiliário, por sua vez, foi fortemente influenciado pela queda na taxa Selic, que entre agosto de 2020 e março de 2021 esteve em seu menor patamar histórico: 2% ao ano. “Esta linha é muito sensível às variações nos juros”, explica Rabi.
Outro fator que contribui para o bom desempenho das linhas de crédito imobiliárias, segundo Santos, técnico do Ipea, é a demanda represada no segmento imobiliário. Ele avalia que essa tendência de crescimento não será revertida por causa da piora da situação na pandemia e as recentes altas de juros.
Inadimplência das pessoas físicas tende a crescer
O "outro lado" dessa expansão dos empréstimos é que o mercado já trabalha com a perspectiva de aumento na inadimplência entre as pessoas físicas. Os motivos:
- O auxílio emergencial deixou de ser pago no primeiro trimestre e, mesmo com a retomada em abril, deve corresponder neste ano a apenas 15% do total registrado em 2020;
- A inflação subiu muito a partir do segundo semestre do ano passado – só a alimentação no domicílio ficou 15,54% mais cara nos 12 meses encerrados em abril, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); e
- Há uma tendência natural ao aumento nas taxas de juro.
“As pessoas físicas foram as mais atingidas pela pandemia”, ressalta Leite, da XP. O número de famílias endividadas alcançou o recorde histórico em abril, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e Turismo (CNC): 67,5%.
Aumento do calote não deve gerar dor de cabeça aos bancos
O provável aumento da inadimplência por causa da alta nos empréstimos não deve gerar dor de cabeça aos bancos. “Não é uma explosão, mas sim uma volta aos níveis pré-pandemia. Vai devolver a queda registrada no ano anterior”, afirma Rabi.
Em março, de acordo com a instituição, eram 5,9 milhões de empresas inadimplentes, com uma dívida média de R$ 17,9 mil, o menor nível desde dezembro de 2019. Entre as pessoas físicas, eram 62,6 milhões de inadimplentes, com uma dívida média de R$ 3,9 mil.
O economista da Serasa avalia que o máximo que pode ocorrer, é uma queda nos lucros das instituições financeiras. “Temos um sistema financeiro bem capitalizado, bem provisionado e com liquidez elevada”, complementa Santos. A XP espera, inclusive, uma redução das provisões dos bancos para este ano retomando a patamares próximos aos praticados em 2018 e 2019.
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