Pouco mais de 30 mil microempreendedores (MEI) ou micro e pequenas empresas tiveram acesso ao Programa Emergencial de Acesso ao Crédito (Peac) Maquininhas. Uma das modalidades de socorro ao pequeno negócio criada pelo governo federal em meio à pandemia de coronavírus, o Peac liberou menos de 10% do total de crédito disponível para uma pequena fração do público-alvo projetado, que era de 3 milhões de empresários.
A linha de crédito está disponível há dois meses, desde o fim de setembro, e será encerrada no fim deste mês. Seu trunfo era o fato de a garantia vir de parte das vendas feitas via máquinas de pagamento digital. Mas, dos R$ 10 bilhões reservados para a ação, apenas R$ 898,4 milhões foram emprestados até 26 de novembro, de acordo com levantamento do BNDES.
A baixa adesão à linha de crédito das maquininhas, que faz empréstimos de até R$ 50 mil, surpreende porque suas condições são bastante atraentes: carência de seis meses para início do pagamento, prazo de 30 meses para quitação e taxas de juros fixadas em 6% ao ano. O analista de Capitalização e Serviços Financeiros do Sebrae, Giovanni Bevilaqua, lembra que no primeiro semestre essas taxas de juros para os pequenos negócios alcançaram a marca de 30% ao ano.
Duas razões principais despontam como a causa da baixa adesão ao Peac Maquininhas. Por um lado, são poucas as instituições bancárias que aderiram ao programa e liberaram crédito. De acordo com o BNDES, desde o início das operações, em 30 de setembro, apenas cinco de nove bancos habilitados já ofertaram empréstimos – Banco do Brasil, Safra, Money Plus, Caixa Econômica Federal e Banco Inter (veja abaixo).
Instituição financeira | Empresas financiadas | Valor financiado |
Banco do Brasil | 13.114 | R$ 443 milhões |
Banco Safra | 8.825 | R$ 236,4 milhões |
Money Plus | 7.944 | R$ 214,4 milhões |
Caixa Econômica Federal | 126 | R$ 4,5 milhões |
Banco Inter | 2 | R$ 62,9 mil |
TOTAL | 30.011 | R$ 898,4 milhões |
De outro, o cenário de incerteza em relação à retomada da economia e eventual nova onda da pandemia da Covid-19 faz com que o empreendedor e pequeno empresário se tornem mais resistentes a contrair uma dívida. Além disso, historicamente a oferta de crédito para esse nicho é menor. O Sebrae estima que, após oito meses de pandemia, apenas 16% dos pequenos negócios conseguiram, de fato, algum tipo de crédito. No caso dos empréstimos via maquininhas, também falta tempo e divulgação.
A 8ª edição da pesquisa do Sebrae e FGV, sobre pequenos negócios na pandemia, questionou os entrevistados sobre a modalidade e 41% disseram que nem a conheciam. Outros 40% conheciam a linha de crédito, mas não solicitaram recursos. Para 15% dos entrevistados, ela não seria útil pois não usam maquininhas. Apenas 3% dos entrevistados solicitaram crédito no programa.
Timing da liberação da linha de crédito atrapalhou
A avaliação de Beviláqua, do Sebrae, é de que, após oito meses de pandemia, quem tinha de pegar crédito já o fez. “Quem não pegou [crédito], vai esperar para ver como vai se desenrolar o cenário futuro”, diz. Ele destaca que a questão não é apenas a disponibilidade do recurso, mas também o fato de que contrair um empréstimo agora é ter uma dívida que o pequeno poderá não ter como arcar no futuro.
O comportamento das instituições financeiras seguiu o padrão, na visão do analista. “O crédito para pequenos negócios é muito restrito, corresponde a cerca de 20% de tudo que é conseguido para empresas. De janeiro a junho, teve um aumento na concessão de crédito e, mesmo assim, a participação relativa dos pequenos negócios permaneceu em 20%”, explica.
Ele lembra que as instituições financeiras, principalmente bancos tradicionais, mantiveram seus critérios de avaliação de risco para concessão de créditos, o que acaba restringindo o número de pequenos negócios que podem ser beneficiados. Nesse caso, os empreendedores foram atrás de cooperativas, sociedades de crédito direto e fintechs para conseguir se financiar.
O economista da Associação Comercial de São Paulo Ulisses Ruiz de Gamboa concorda com essa análise. “Em primeiro lugar, muitas dessas empresas não sobreviveram ao tsunami da pandemia. Aí teve a disponibilização de recurso, mas, na prática, a microempresa tem dificuldade de acessar o crédito”, destaca.
Para Gamboa, nesse caso, a ação do governo – que liberou recursos – esbarrou na realidade do mercado. “Tem, por um lado, a dificuldade de o banco conceder o empréstimo. E tem o lado do tomador de crédito, que está apreensivo com o cenário de incerteza grande.”
As características dos pequenos negócios, que não têm capacidade para concorrer com empresas de maior lastro, é um impeditivo. O que acaba ocorrendo é que existe uma intenção de conceder o crédito mas, na prática, essa concessão é menor do que o esperado nesse período de pandemia.
Como funciona o Peac Maquininhas
O Peac Maquininhas foi pensado para facilitar o acesso ao crédito de microempreendedores individuais (MEI) e micro e pequenas empresas, com faturamento máximo de R$ 4,8 milhões anuais, durante o período da pandemia. O trunfo dessa modalidade é que o crédito está disponível como garantia de recebíveis. Na prática, o pequeno empresário toma um empréstimo e fornece, como garantia de pagamento, os valores que serão recebidos pelas máquinas de cartão de débito ou crédito.
Por meio da medida provisória 975, o governo federal disponibilizou R$ 10 bilhões para o programa, em duas parcelas de R$ 5 bilhões. De acordo com o Ministério da Economia, mais de 40 instituições financeiras poderiam participar do Peac, que tem o BNDES como agente financeiro.
Os empréstimos via maquininha são limitados ao dobro da média mensal de vendas recebidas pelos equipamentos, sem exceder R$ 50 mil. O prazo total da linha de crédito, com taxa de juros de 6% ao ano, é de 36 meses – seis meses de carência e 30 meses para o pagamento.
A expectativa do Ministério da Economia era de beneficiar cerca de 3 milhões de contratantes com a medida. A modalidade de empréstimo ficou disponível em 30 de setembro e poderá ser tomada até 31 de dezembro de 2020.
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