A crise teve origem no descontrole dos gastos públicos, mas quem está pagando a fatura são os que trabalham na iniciativa privada. Em dois anos, quase 2,5 milhões de empregos com carteira assinada foram extintos. E o rendimento médio de quem continuou ocupado – entre formais, informais, domésticos, autônomos e empregadores – caiu quase 2% em termos reais. Enquanto isso, o ganho mensal dos servidores públicos, que têm estabilidade de emprego e já ganhavam mais, subiu 4,6% acima da inflação.
Em outras palavras, a recessão aprofundou o abismo entre os funcionários públicos e os demais trabalhadores. E as reformas anunciadas pelo governo farão pouco para diminuir essa diferença.
O teto de gastos, aprovado em primeira votação na Câmara, afeta o orçamento de áreas que interessam ao conjunto da população, como educação, saúde e investimentos em infraestrutura, mas em princípio não mexe com o funcionalismo. O quadro de servidores só será atingido – com congelamento de salários, promoções e vantagens – caso os limites definidos pela lei sejam descumpridos.
Quanto à reforma da previdência, a promessa do presidente Michel Temer (PMDB) é de que a idade mínima de 65 anos valerá tanto para quem trabalha no setor privado quanto para os servidores. É uma hipótese que ainda será testada. As diferentes corporações apenas começaram a reagir, e membros do próprio governo não escondem a contrariedade – na sexta-feira (14), o ministro da Defesa, Raul Jungmann, voltou a defender tratamento especial para os militares.
Não se sabe, também, se a reforma mexerá no aspecto mais desigual: o cálculo do valor do benefício, que sempre favoreceu o funcionalismo. A sugestão de mudança mais drástica até agora veio de governadores, que pressionam para que a contribuição previdenciária descontada do salário dos servidores suba de 11% para 14%. Segundo eles, seria uma forma de atenuar a situação dramática das finanças estaduais.
Para especialistas, os atrasos de salários – frequentes em estados como o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul – e o congelamento de reajustes, como o anunciado no Paraná, são uma prévia do que pode ocorrer em todo o país caso não haja uma reforma do funcionalismo.
Urgência
“É urgente uma reforma. Não para tirar direitos, mas para ajustar e adequar expectativas”, diz Monica Pinhanez, professora da Escola de Administração Pública e de Empresas (FGV/Ebape). “Há setores do funcionalismo bem remunerados, mas há outros mal pagos. Não há uma carreira unificada. Há questões relativas à estabilidade e à aposentadoria em que os governos não podem mexer nem quando há necessidade”, diz.
Monica defende que as mudanças sejam discutidas com toda a sociedade. “Todos nos beneficiamos de um serviço público que funcione, com funcionários qualificados, bem pagos e respeitados. Mas o sistema precisa ser sustentável.”
Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, que tem assessorado governadores, a primeira questão a ser atacada tem de ser a previdência dos servidores. “Em primeiro lugar, porque o gasto é muito alto. Nos principais estados, ela consome cerca de um terço das receitas. Em segundo, porque é um gasto rígido, que não diminui. Em terceiro, porque as projeções mostram que ele crescerá acima do PIB”, explica.
Se nada for feito, alerta Velloso, o pagamento dos inativos vai consumir frações crescentes dos orçamentos, tirando recursos de outras áreas. “Daqui a poucos veremos situações de calamidade, com uma explosão nos atrasos de pagamento para servidores e os próprios inativos”, diz.