Opinião
A ovelha negra da família
Cristina Rios, repórter de Economia
Imersa em mais uma turbulência econômica, a Argentina se transformou nos últimos anos em uma espécie de "ovelha negra" do Mercosul. É aquele membro da família que todo mundo quer bem, mas que sempre está metido em confusões. E as trapalhadas do vizinho prometem dificultar, e bastante, a vida do Brasil em 2014.
Em meio a uma forte desvalorização da moeda, o país ainda enfrenta uma inflação que sobe a passos largos, enquanto o governo de Cristina Kirchner controla os índices de preços e tenta recuperar a confiança da população e dos investidores.
Pelo menos de duas formas a Argentina vai complicar o cenário para o Brasil. De um lado, os turistas brasileiros veem a inflação encarecer os gastos no país. De outro, as empresas que exportam para o país vizinho terão mais dificuldade para vender para os parceiros do Mercosul. A Argentina não é só o terceiro parceiro comercial das exportações brasileiras, mas também é responsável, na Região Sul, por boa parte das compras de pequenas e médias empresas. Um estrago no país vizinho também afetará o desempenho econômico do Paraná.
Com a água já batendo no pescoço, os argentinos também tendem a reeditar velhas práticas protecionistas. O anúncio dos cortes nas importações de automóveis feito pelo governo argentino, no fim do ano passado, é um exemplo disso e pode não ser o único.
Os argentinos compraram US$ 18 bilhões em manufaturados brasileiros em 2013. Mas a retração do consumo doméstico e a forte desvalorização do peso devem tirar, pelo menos, US$ 3 bilhões das exportações do Brasil. Para complicar, há ainda os problemas da Venezuela. Para o Brasil, que no ano passado registrou o pior resultado da sua balança comercial desde 2000, o ano que começou promete ser mais um de fortes emoções nessa área.
US$ 2 bilhões foi quanto as empresas do Paraná faturaram com as vendas para a Argentina em 2013. O valor equivale a 11% de todas as exportações do estado. O país é o segundo destino das vendas do estado, atrás apenas da China. Com uma diferença fundamental: enquanto os chineses quase só compram soja e outras matérias-primas, os argentinos importam principalmente industrializados.
A crise argentina começa a espirrar nos parceiros comerciais, a começar pelo Brasil. Em janeiro, as exportações brasileiras para o país vizinho caíram 14% em relação ao mesmo mês de 2012. O cenário para os próximos meses não é otimista. Em dezembro, a Argentina anunciou um corte de 27,5% nas importações do setor automotivo; além disso, a alta do câmbio deixou os importados mais caros para o consumidor argentino.
Veja o quadro argentino no setor de exportações paranaenses
A retração nas importações afeta o Paraná, um dos principais parceiros comerciais da Argentina. A queda nas exportações do estado para o país vizinho foi relativamente suave em janeiro, de pouco mais de 1%, mas as projeções para o longo prazo preocupam. "O problema está no caso de os importadores argentinos não conseguirem honrar as compras que fizerem", diz Roberto Zurcher, economista da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).
Na avaliação de Zurcher, se a crise se aprofundar e a Argentina não tiver divisas suficientes para acertar as compras com o resto do mundo, haverá uma queda muito forte nas exportações brasileiras.
Mercado automotivo
O Brasil é o principal fornecedor de veículos e peças para a Argentina, e boa parte dessas vendas são feitas por empresas instaladas no Paraná. Depois de subir 9% de 2012 para 2013, as exportações brasileiras de veículos e peças para a Argentina caíram 11% em janeiro, em comparação a igual período do ano passado. Por enquanto, as montadoras e fabricantes de autopeças do Paraná ainda não acusaram o golpe: as vendas do início do ano tiveram forte aumento de 22%, dando sequência à alta de 17% ocorrida de 2012 para 2013.
Porém, o mesmo resultado não se repetiu no setor de máquinas e aparelhos mecânicos, o segundo do estado em receita de exportações para a Argentina: em janeiro, o faturamento dos exportadores despencou 28%. O setor de papel, o terceiro do ranking, saiu-se bem, com aumento de 4% nas exportações em janeiro.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, acredita que a crise na Argentina tende a piorar e que deve prejudicar o Brasil. Além de frear a entrada de automóveis e autopeças, o governo de Cristina Kirchner não tem pressa em autorizar a entrada de produtos brasileiros. A demora na liberação da Declaração Juramentada Antecipada de Importação (Djai), obrigatória para compras externas, é uma das barreiras. Outro entrave refere-se à dificuldade para trocar pesos por dólares para quitar as importações.
Castro prevê que os argentinos reduzam suas importações totais em US$ 5 bilhões neste ano. Desse total, US$ 3 bilhões se referem a produtos brasileiros o equivalente a 15% do que o Brasil exportou para o país vizinho em 2013. "E tudo isso torcendo para que a Argentina não declare moratória", diz.
Dependência
País é o 2.º parceiro comercial do Paraná
Na soma de exportações e importações, a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás de China e Estados Unidos.
No ano passado, as empresas brasileiras exportaram US$ 19,6 bilhões para o país vizinho (o equivalente a 8% do total), e importaram US$ 16,4 bilhões (7% do total).
Para o Paraná, a Argentina é ainda mais importante. O país é o segundo parceiro do estado, depois da China. Em 2013, os argentinos compraram US$ 2 bilhões em produtos paranaenses (11% do que o estado exportou), principalmente industrializados. Em direção oposta, o estado comprou US$ 2,3 bilhões da Argentina (11% de todas as importações).
O governo brasileiro vê a situação com cautela. Para Daniel Godinho, secretário do Ministério do Desenvolvimento, é preciso mais tempo para avaliar a queda nas exportações.
Colaborou Fernando Jasper
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