A crise hídrica que alavancou o preço da conta de luz dos brasileiros não é a única que impacta o setor de energia mundo afora em 2021. A rápida retomada da produção – puxada pela vacinação contra a Covid-19 – após meses de economia em marcha lenta levou a aumentos significativos da demanda por energia, em especial por combustíveis fósseis, mas sobrecarregou a oferta.
Além do Brasil, Europa e China também foram impactadas por características climáticas atípicas que derrubaram a geração de fontes limpas, entretanto o descompasso na cadeia de fornecimento é o fator principal para as crises locais. Problema generalizado é o alto custo do petróleo e seus derivados, que afeta preços e preocupa os mercados globais.
Na Europa, que tem como principal item da matriz energética o gás natural, os preços já têm galopado por causa da baixa nos estoques – a pior em uma década – em decorrência da redução de fornecimento por parte da Rússia. Para os próximos meses os valores tendem a subir ainda mais com a aproximação do inverno e a baixa das temperaturas, que aumentam seu consumo em sistemas de aquecimento e devem manter as usinas pressionadas.
Em paralelo, houve queda de 7% na produção eólica do Reino Unido, que fornece mais de um terço dos recursos eólicos offshore do continente. A produção de energia caiu por causa de uma redução na velocidade média dos ventos na região, somando-se à pressão sobre a oferta.
Na China, o problema também é combinado. Além do avanço de medidas ambientais de restrição à produção do carvão mineral, a geração hidrelétrica foi menor do que se previa, promovendo um desbalanceamento do fornecimento energético no país, destaca a XP em relatório recente. Ainda assim, o maior peso fica com o carvão, fonte energética número 1 do gigante asiático.
No país, a crise energética já provocou apagões e impediu o funcionamento de fábricas por causa da escassez do combustível, que tem como principal substituto o gás natural, que precisa ser disputado com a Europa apesar das altas recorde nos preços. No início do outubro, já com fornecimento racionado em algumas províncias, o governo ordenou o aumento da capacidade de produção nas minas, de olho em restabelecer o suprimento e no crescimento de demanda nos meses mais frios.
Na Europa e na China, crise de energia indica dependência dos combustíveis fósseis
Na avaliação dos especialistas da XP, o avanço da chamada agenda ESG (Ambiental, Social e Governança, na tradução para o português), tem feito decrescer a capacidade de geração de energia a partir de combustíveis fósseis em decorrência da retirada de investimentos do setor de petróleo e gás. Desprestigiados, petróleo e carvão mineral desaceleram produção, apesar de a economia global ainda permanecer fortemente dependente dessas fontes energéticas que, agora, sobem de preço.
Conforme relatório assinado pelas estrategistas de ações Jennie Li e Rebecca Nossig e a redatora Juliana Kirihata, "quando falamos da crise energética, é possível perceber que, mesmo com o avanço e a crescente busca por investimentos ESG, a economia global ainda é bastante dependente das fontes de energia 'não limpas' (geradas por combustíveis fósseis), já que elas seguem sendo as nossas principais fontes energéticas".
Apesar dos efeitos da crise e das turbulências no mercado, o economista-chefe da gestora Julius Baer, Norbert Rücker, acredita que "a crise energética é em grande parte um fenômeno cíclico e não estrutural", com perspectiva, portanto, de ser temporária.
No Brasil, alta de preços é puxada pelas térmicas, mas problema é climático
O Brasil sofreu com a escassez de chuvas e pior afluência em mais de 90 anos, o que tem pressionado a operação do sistema elétrico. Com pouca água acumulada nos reservatórios, a estratégia adotada pelas autoridades foi por poupar armazenamento, substituindo tanto quanto possível a geração hidrelétrica – principal fonte energética do país – pela térmica.
O acionamento dessas usinas, entretanto, também alimenta a crise de energia brasileira, uma vez que são unidades abastecidas por combustíveis mais caro e que têm sido muito disputados em outros pontos do planeta em meio à aceleração da retomada econômica no pós pandemia – caso do gás.
O horizonte brasileiro é apontado como crítico entre 2021 e 2022, mas os riscos de racionamentos de energia são considerados baixos pelas consultorias e nulos pelo governo – em especial depois que as chuvas de outubro e novembro vieram mais intensas que o esperado.
A chance de que o consumidor brasileiro experimente novas crises como a atual, entretanto, não pode ser descartada. Dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam que desde o ano de 2014 os principais subsistemas do país têm chegada de água às barragens menor do que a média, indicando que será preciso mais do que um bom período de chuvas para recuperar os níveis.
A previsão é de que pelo menos até abril de 2022 a tarifa de energia permaneça com a cobrança adicional da bandeira Escassez Hídrica, criada para bancar os custos mais altos de geração de energia, inflados justamente pelo uso de combustível fóssil nas termelétricas. Com alta maior do que 20% no ano, o preço da energia elétrica dá combustível para a inflação e pode frear a retomada.
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