Para o norte-americano "médio", o ideal de vida se traduz em uma casa no subúrbio, um carro utilitário, fazer compras no shopping e viajar nas férias. Mas o sonho americano anda abalado: a maior economia do mundo enfrenta hoje sua maior crise desde a Grande Depressão que se seguiu à quebra da bolsa de Nova York, em 1929.
O que já foi dito sobre a crise
A data exata de aniversário da crise é controversa. Mas muitos economistas apontam seu "nascimento" em agosto de 2007, mês em que o banco francês BNP Paribas congelou os resgates de três fundos ligados ao mercado de subprime dos Estados Unidos e em que três grandes instituições de crédito norte-americanas quase foram à lona. Antes disso, dizem especialistas, a crise estava em "gestação".
"Hoje existe nos EUA uma grande insatisfação com a situação econômica no país. Mais de 80% dos americanos estão infelizes com a atual situação econômica do país. A crise tem atingido a população americana de forma bastante grave", afirma Eliana Cardoso, professora da Fundação Getulio Vargas e ex-professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Ironicamente, a crise teve como estopim o representante maior desse sonho: a casa própria. Com o incentivo do crédito abundante, milhões de americanos tomaram empréstimos para comprar seus imóveis. A alta procura levou à valorização dos bens e à formação de uma bolha imobiliária.
Como toda bolha, ela estourou. O resultado é que, para uma parcela considerável da população, o sonho desmoronou: a casa foi tomada pelo banco, o carro beberrão está parado, as compras, minguando. E o "golpe de misericórdia" é que não dá mais nem para afogar as mágoas: a típica cerveja americana, a Budweiser, agora é belgo-brasileira.
No princípio, era o crédito
Até 2005, no embalo do bom momento da economia mundial, milhões de norte-americano compraram imóveis com até 90% do valor financiado. Outros tantos hipotecaram os imóveis de que eram donos, usando os recursos para o consumo e movimentando a roda da economia do país.
O problema chegou na hora de pagar a conta. Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, grande parte desses créditos concedidos eram "ninja" sigla em inglês para "sem renda, sem emprego, sem bens" , e o calote foi inevitável.
Os preços dos imóveis, que em alguns casos tinham triplicado de valor, desabaram, trazendo ainda mais prejuízos. Muita gente terminou com uma dívida maior do que o valor da casa que possuía. Hegemonia comprometida
O saldo da crise até agora é de quase US$ 400 bilhões de perdas aos bancos; 2,8 milhões americanos com risco de perderem suas casas; seis grandes empresas de crédito com falência pedida; quase 900 instituições financeiras de pequeno e médio porte comprometidas.
A conseqüência que mais preocupa, no entanto, é a desaceleração do crescimento da economia, e a perspectiva de que os EUA possam estar entrando em recessão. Nesta semana, o Departamento de Comércio do país revisou os dados do PIB do último trimestre de 2007 para um recuo de 0,2%, o primeiro desde 2001.
As avaliações sobre a duração da crise variam, mas é consenso que ela não chegará ao fim no futuro próximo. "Acredita-se que este ano vai ser de crescimento muito modesto. Temos dois anos pela frente até que efeitos dessa crise sejam absorvidos e economia volte a mostrar seu vigor habitual", diz Eliana Cardoso.
Belluzzo é bem menos otimista: "Os bancos agora estão tentando prolongar o período em que eles vão apresentando as perdas. Se eles fossem escriturar essas perdas de uma vez só, seria uma catástrofe que nem mesmo a intervenção do Fed conseguiria segurar. Isso prenuncia mais 20 anos de instabilidade."
Se continuar nesse ritmo, a hegemonia econômica do país está ameaçada. A China cresce a taxas de dois dígitos anuais e já há previsões de que o PIB do país asiático supere o norte-americano em duas décadas. "A perspectiva de que (a economia da China) possa vir a ser a maior não é pura fantasia", diz Eliana.