Acabou a era do pedágio barato. Pelo menos enquanto a economia do país ainda estiver cambaleante e o crédito estiver caro. São estes os dois fatores, dizem especialistas, que vão empurrar as tarifas da próxima leva de leilões de rodovias para patamar próximo a R$ 14 por cem quilômetros rodados, valor médio das tarifas cobradas hoje nas primeiras estradas federais que foram concedidas, em meados dos anos 1990, quando o Brasil ainda engatinhava no regime de privatizações e, por isso, pagava um preço alto pela inexperiência.
De acordo com levantamento do Ipea, a média das tarifas cobradas atualmente nas praças de pedágio das rodovias federais leiloadas no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) é de R$ 13,97. Naquele período ocorreu a primeira leva de leilões do setor, com seis estradas entregues à iniciativa privada. Se nas próximas privatizações as tarifas ficarem nesse nível, o valor corresponderá a quase quatro vezes a tarifa média atual da segunda leva de concessões, feita no governo Lula (2003-2010). A média de pedágio paga nas oito estradas licitadas nessa segunda fase é de R$ 3,80.
A previsão de pedágio a R$ 14 também representa quase o triplo da tarifa média da terceira leva de privatizações de rodovias, realizada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (2011-2014). Quem trafega por uma das seis das sete estradas federais licitadas neste período (a cobrança de pedágio em uma delas ainda não começou) paga, em média, R$ 5,12 a cada cem quilômetros rodados, nos cálculos do Ipea. A média das três levas de concessões foi obtida a partir do valor que os motoristas pagam hoje ao passar nas praças de pedágio das rodovias. Estão embutidos, portanto, os reajustes realizados desde a data do leilão.
“Hoje, temos inflação alta, condições de financiamento adversas e crise política. Para atrair investidores, é preciso oferecer elevadas taxas de retorno dos projetos, o que encarece o pedágio. É pouco provável que tenhamos deságio de 50%, como ocorreu em algumas concessões. A expectativa é que o investidor faça uma oferta muito próxima à tarifa-teto estabelecida pelo governo para o leilão de cada rodovia”, avalia Carlos Alvares da Silva Campos Neto, especialista em infraestrutura do Ipea e autor do levantamento.
Deságio
Das 16 rodovias federais incluídas na segunda etapa do Programa de Investimentos em Logística, o PIL 2, lançado este ano, duas já tiveram estudos de viabilidade concluídos e encaminhados para o Tribunal de Contas da União (TCU). São elas a chamada Rodovia do Frango, que reúne trechos de quatro estradas (BR 476/153/282/480) ligando os estados de Paraná e Santa Catarina, e a BR 364/365, que liga os estados de Goiás e Minas Gerais. Em ambos os casos, a taxa interna de retorno — ou seja, a rentabilidade do empreendimento — foi fixada em 9,2%, acima da estabelecida nos governos de Lula e Dilma.
Os estudos fixaram ainda a tarifa-teto dos leilões em R$ 14,743 por cem quilômetros para a Rodovia do Frango e R$ 13,456 para a BR 364/365, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Os valores ainda podem mudar após análise do TCU. Mesmo com limites tão elevados, Cláudio Frischtak, da consultoria Inter B., avalia que o interesse dos investidores será reduzido e a chance de eles oferecerem tarifas menores que o teto serão pequenas.
Ele atribui o provável baixo interesse a dois fatores: falta de previsibilidade da economia brasileira e condições de financiamento mais duras. Desde o início deste ano, o BNDES, principal fonte de recursos para projetos de longo prazo, reduziu a parcela do crédito com juros subsidiados, devido aos menores repasses do Tesouro Nacional para o banco.
“O principal fator que proporcionou tarifas tão baixas nos leilões dos governos Lula e Dilma foi justamente o crédito subsidiado. Eu chamo isso de oportunismo tarifário. Temos a sensação de que estamos pagando pouco quando usamos essas rodovias, mas todos nós pagaremos por esse subsídio, mesmo quem não usa a estrada”, afirma Frischtak.
Além do crédito mais caro do BNDES, o acesso a outras fontes de financiamento também se tornou mais difícil. As chamadas debêntures incentivadas — títulos da dívida emitidos por empresas que são isentos de Imposto de Renda — têm encontrado menor apelo entre os investidores. Com juros altos, a tendência é que eles apliquem seu dinheiro em títulos do Tesouro, mais seguros. As debêntures são um dos mecanismos mais usados por empresas para se financiar no mercado de capitais.
E o investidor externo, diz Frischtak, apesar da grande liquidez internacional, está cauteloso. “Após a perda do grau de investimento (espécie de selo de bom pagador) do Brasil, o investidor que resolver vir para cá vai cobrar um prêmio maior. Essas dificuldades de acesso a financiamento entram no cálculo da tarifa. Por isso, ela tende a ser próxima do teto”, avalia o economista.
Vencerá os próximos leilões quem oferecer a menor tarifa. As concessões serão de 30 anos e não haverá cobrança de outorga. A ANTT diz que a fixação de uma tarifa-teto tão elevada para as duas primeiras rodovias leva em conta “efeitos inflacionários elevados, aproximadamente de 20% entre a última rodada de concessões e a nova, choque no preço de insumos asfálticos no fim de 2014 e a isenção dos eixos suspensos dos caminhões vazios”, conforme previsto na Lei dos Caminhoneiros, aprovada em 2015. A agência diz ainda que o teto é determinado em razão do fluxo de veículos de cada rodovia.
A ideia do governo era leiloar cinco das 16 rodovias incluídas no PIL 2 este ano, mas o processo atrasou. A Rodovia do Frango foi escolhida para ser a primeira, por se tratar de uma estrada com intenso fluxo de cargas. Boa parte da produção de aves dos estados de Santa Catarina e Paraná, que estão entre os maiores produtores nacionais do setor, passa por lá. Para o setor produtivo, o mais importante na questão das concessões é que elas de fato aconteçam, mesmo que a tarifa seja alta.
“Para nós, o mais importante é ter uma infraestrutura adequada. A tarifa mais alta não significará, necessariamente, aumento no preço do produto final, pois a melhoria das estradas vai levar a ganhos de produtividade que podem compensar o preço maior do frete”, disse Domingos Martins, presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Avícolas do Estado do Paraná (Sindiavipar).