O governo federal cortou investimentos, eliminou algumas desonerações, aumentou a alíquota de impostos e ainda sonha com receitas extraordinárias. Mas nada disso vai evitar que as contas públicas terminem 2015 com o maior rombo da história. A principal explicação para o fracasso do ajuste fiscal está na crise econômica, que derrubou a arrecadação de impostos.
Descontadas as transferências para estados e municípios, a receita da União somou R$ 786 bilhões de janeiro a setembro, R$ 38 bilhões a menos que no mesmo período do ano passado, em valores corrigidos pela inflação. As despesas também diminuíram, mas não na mesma intensidade – o recuo foi de R$ 34 bilhões.
União investe 38% menos e triplica subsídios
Leia a matéria completaNovas receitas
O governo espera obter, até 2016 R$ 81,2 bilhões, mas apenas R$ 7,7 bilhões estão garantidos:
EM 2015 ou 2016
Hidrelétricas
R$ 18 bilhões na licitação de usinas (R$ 11 bilhões na concessão e R$ 6 bilhões seis meses depois).
Portos
R$ 1,1 bilhão na concessão de quatro terminais em Santos (SP) e Vila do Conde (PA).
EM 2016
CPMF
R$ 32 bilhões com a recriação da contribuição, com alíquota de 0,2%. Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em trâmite no Congresso.
Repatriação
R$ 11,4 bilhões com a legalização de recursos não declarados fora do país. O governo sonhava em ter o dinheiro em 2015, mas desistiu.
Sistema S
R$ 6 bilhões com corte nos repasses. Medida provisória (MP) ainda não foi publicada.
Aeroportos
R$ 5 bilhões na concessão dos terminais de Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis.
Reintegra
R$ 2 bilhões com a redução do incentivo às exportações. Decreto publicado.
Lei do Bem
R$ 2 bilhões com fim de incentivo fiscal a pesquisa e desenvolvimento. MP publicada.
IR - ganhos de capital
R$ 1,8 bilhão com aumento de alíquotas. MP publicada.
Juros - capital próprio
R$ 1,1 bilhão com mudança no cálculo e na alíquota. MP publicada.
Indústria química
R$ 0,8 bilhão com suspensão de incentivo fiscal. MP publicada.
O dinheiro que deixou de entrar no caixa em nove meses equivale a mais de um ano de arrecadação com a “nova” CPMF. A contribuição, que o governo tenta recriar com alíquota de 0,2%, traria receitas de R$ 32 bilhões em 12 meses, segundo estimativa do Ministério da Fazenda.
INFOGRÁFICO: Veja a diferença entre a arrecadação e as economias do governo
A frustração de receitas também supera o impacto das medidas que o governo adotou para arrecadar mais neste ano. Segundo a última projeção, feita em setembro, o fim de alguns benefícios fiscais (como o desconto de IPI em veículos, móveis e cosméticos) e o aumento de impostos (sobre operações de crédito, combustíveis, bebidas e outros) garantirá recursos extras de R$ 26 bilhões até dezembro.
“A arrecadação depende muito da atividade econômica, do mercado de trabalho e de outros fatores. E todos estão muito ruins. Enquanto a economia não voltar a crescer, dificilmente veremos uma retomada nas receitas tributárias”, diz Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas.
Segundo ela, a piora do mercado de trabalho e a redução do lucro das empresas são as principais razões para a queda da arrecadação. As receitas com o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) caíram quase R$ 20 bilhões até setembro. A arrecadação previdenciária, afetada pelas demissões no mercado formal e a desoneração da folha de pagamento de 56 setores da economia, encolheu R$ 14 bilhões.
A “reoneração” da folha, que reduziria essa perda, foi uma das grandes frustrações do governo. No começo do ano, o Ministério da Fazenda esperava economizar R$ 5,4 bilhões com a revisão do incentivo, mas as mudanças feitas no Congresso e a demora em aprovar a medida, que só entrará em vigor em 1.º de dezembro, limitaram o ganho em 2015 a R$ 400 milhões, segundo a estimativa mais recente.
Para Denise Basgal, professora de gestão de projetos e administração pública do Instituto Superior de Administração e Economia (Isae/FGV), a atividade produtiva só vai reagir – e impulsionar a arrecadação – quando o empresário voltar a ter confiança, o que depende de atitudes do governo. “O empresário quer ver o governo reduzindo despesas e melhorando a qualidade dos gastos, como todo o setor produtivo e a população estão fazendo”, diz.
Um começo, avalia, seria enxugar o quadro de comissionados, o que teria grande impacto na credibilidade do governo, mas não tanto nas finanças: conforme o especialista em contas públicas Mansueto Almeida, o corte de 5,5 mil cargos ocupados por não concursados representaria uma economia anual de R$ 350 milhões, menos de 0,05% das despesas da União.
Superávit de 1,2% do PIB vira rombo de 1,9%
As estimativas para o rombo das contas do setor público têm piorado. A mais recente, divulgada na quinta (29) pelo secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, indica um déficit primário de R$ 110 bilhões caso toda a conta das “pedaladas fiscais” (R$ 50 bilhões) seja paga neste ano e a receita esperada para o leilão de concessão de antigas hidrelétricas (R$ 11 bilhões) não entre no caixa até 31 de dezembro.
Se a projeção se confirmar, o déficit será equivalente a 1,9% do PIB. No começo de 2015, a meta era alcançar um superávit primário de 1,2% do PIB, mas a frustração da arrecadação levou a Fazenda a rebaixar o objetivo para 0,15% do PIB em meados do ano. Na semana passada, a meta foi para o vermelho (-0,9% do PIB). E, mesmo assim, tal nível só será atingido com o dinheiro das hidrelétricas e sem o pagamento das pedaladas.
O resultado nominal, que inclui despesas com o serviço da dívida, será muito pior. No acumulado de 12 meses até setembro, o setor público registrou déficit nominal equivalente a R$ 536 bilhões, ou 9,3% do PIB.
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