Longo prazo
Mudança no clima desafia planejamento do país
As crises de água e energia trazem à tona um problema estrutural: o Brasil não está preparado para lidar com eventos climáticos extremos, como estiagens severas ou chuvas mais volumosas.
A falta de investimentos aliada à necessidade de uma nova abordagem de planejamento de recursos não mais baseado em séries históricas, mas em probabilidades , fazem com que o país permaneça refém do clima.
Marcos Heil Costa, cientista climático da Universidade Federal de Viçosa (UFV), afirma que a tomada de decisões do setor energético do país desconsidera a ocorrência de eventos climáticos extremos. "Temos um sistema que depende de chuvas acima da série histórica para funcionar. Nas últimas décadas, as chuvas estão se distanciando da média e isto não está sendo considerado", disse.
De acordo com Gilvan Sampaio, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o aumento da temperatura média também tem contribuído para a crise energética. Com o crescimento do poder de compra, a população tem adquirido mais eletrodomésticos, como condicionadores de ar, e consumido mais energia.
"O aumento de temperatura também prejudica a transmissão, já que os cabos perdem energia em forma de calor. Se você aumenta a temperatura, a eficiência de transmissão diminui e a demanda continua crescente", afirmou.
Os erros nas previsões meteorológicas do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) colocam em dúvida o discurso de que a volta das chuvas deve garantir o abastecimento de energia neste ano. Desde o início da estiagem, em outubro de 2013, apenas em três meses choveu mais do que o esperado pelo ONS. Na prática, isto significa que, para continuar garantindo o fornecimento de energia, o sistema utiliza água do estoque, que não tem tido reposição.
A crise hídrica, marcada na semana passada pelo apagão que atingiu onze estados e o Distrito Federal e pelo agravamento na situação de fornecimento de água nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, tem potencial para empurrar o país de vez para a recessão em 2015. As previsões mais otimistas para o ano apontam para um desempenho modesto, entre zero e 0,5% de crescimento do PIB. As contas entram no terreno negativo quando entra no cálculo o risco de racionamento de energia e uma falta ainda mais grave de água nas grandes cidades do Sudeste por causa dos reservatórios secos .
INFOGRÁFICO: Veja os índices da crise
O Banco J. Safra já fazia uma previsão pessimista para o PIB, de queda de 0,5% por causa do provável racionamento de água em São Paulo e dos impactos da operação Lava Jato nos investimentos da Petrobras. Dessa conta, 0,2 ponto porcentual vinha da crise hídrica no Sudeste. "O que ainda não havíamos incorporado era o racionamento de energia elétrica, que pode acrescentar 1 ponto porcentual à retração", disse Carlos Kawall, economista-chefe do banco.
Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra considera que a queda adicional do PIB depende da forma em que o governo operaria um possível racionamento. "Acredito que a racionalização seria de 5% a 10% do consumo total de energia. Se for isso, o efeito no PIB deve ser de -0,4 a -0,8 ponto porcentual", disse. Em 2001, o racionamento no governo FHC foi de 20% do consumo elétrico.
Na última reunião do comitê macroeconômico da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados (Anbima), anterior ao apagão ordenado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) na última segunda-feira, a previsão de 0,2% da taxa de crescimento do PIB já havia sido revista para baixo.
Em apresentação sobre o tema, o economista Marcelo Carvalho, presidente do comitê, disse que a ideia do grupo é que a questão do fornecimento de água tem impacto abaixo de 1% do PIB. Já o possível racionamento de energia pode causar uma queda de mais de 1% , dependendo da intensidade e duração de um racionamento. "Uma coisa é ter 5% de corte de energia elétrica por seis meses. Outra coisa é ter 20% de corte por um ano. Então depende da hipótese que se faça dentro dessas possibilidades", disse.
Confiança
A evolução da crise hídrica é um dos componentes que afetam a confiança dos empresários o índice que mede o otimismo na indústria, por exemplo, atingiu o menor nível desde 1999. Em janeiro, as chuvas na Região Sudeste, onde estão os maiores reservatórios do país, estão novamente abaixo da média histórica, e o nível dos laggos está em 17,2% da capacidade, menos da metade do registrado um ano atrás. Desde outubro de 2013, quando a seca se agravou, a pluviosidade foi abaixo da média em 13 meses, inclusive no chamado período úmido, que vai de dezembro a abril.
Na avaliação de Kawall, do J. Safra, os números já refletem o atual cenário ruim. "Quando tem racionamento você corta a oferta e também a demanda. Pode ter alta de desemprego por conta disso. Nesse quadro, consideramos que este é um dos fatores a mais que vai levar à queda do PIB", disse.
Oliveira, do Fibra, destaca ainda que crises de fornecimento aumentam ainda mais os custos de quem já produz. "O custo unitário de produzir no Brasil tem aumentado nos últimos anos, seja por restrições de infraestrutura ou de mão de obra", afirmou.
A professora da FGV/Ebape Marilene Ramos afirma que já é possível perceber uma mudança de comportamento dos empresários por conta do risco de racionamento. "Já está ocorrendo uma movimentação das indústrias para adotar práticas de uso consciente de água e energia. Este é o aspecto positivo da crise. A busca por projetos de reuso que levem a uma economia", afirmou.
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