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Setor elétrico

O que o Brasil fez para enfrentar crises hídricas e não repetir racionamento de 2001

Crise hídrica afeta setor elétrico
Vinte anos depois do racionamento de 2001, o país enfrenta nova crise hídrica, mas dessa vez sem o risco iminente de apagão. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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O Brasil enfrenta o terceiro pior cenário de armazenamento de água desde o ano 2000. Choveu pouco entre setembro passado e abril deste ano e, com afluência insuficiente para recompor secas passadas, as principais barragens do Sistema Integrado Nacional (SIN) se limitavam a um terço da capacidade ao fim da estação úmida. Esse panorama só esteve mais crítico nos complicados 2001 e 2015, marcados por medidas de racionamento para evitar falta de energia. Ainda assim, o governo garante (e especialistas confirmam): o país não ficará no escuro em 2021. Mas, com água nos mesmos níveis que em épocas de restrição, o que assegura o abastecimento agora?

Autoridades de setor elétrico afirmam que a resposta está em avanços alcançados justamente após a crise hídrica de 2001. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, fez pronunciamento na segunda-feira (29) destacando a evolução do sistema com a duplicação das linhas de transmissão do país e a redução da dependência das hidrelétricas por meio da expansão das fontes renováveis. Os investimentos em infraestrutura e diversificação na geração de energia levaram a riscos minimizados de apagões e de economia compulsória, mesmo quando o país enfrenta períodos críticos de escassez de chuvas.

Nos últimos 20 anos, a capacidade instalada de geração cresceu com mais força em outras fontes, diminuindo a fatia da matriz elétrica brasileira dominada pelas geradoras de energia a partir da água. Em 2001, as usinas hidráulicas compunham 83,3% da matriz; em junho de 2021, esse número encolheu para 64,9% segundo dados do Operador Nacional do Sistema.

A lacuna surgida dessa "desidratação" deu lugar principalmente à geração térmica (21,3%) e por fontes renováveis, com espaço significativo para as usinas eólicas (10,6%) e crescimento da energia solar (que hoje alcança 2% da matriz elétrica nacional). Na avaliação do presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone de Nóbrega, a mudança "traz bem mais tranquilidade para enfrentar períodos de escassez".

Em paralelo ao encolhimento da dependência das hidrelétricas, o país mais que dobrou suas linhas de transmissão. Atualmente, elas percorrem 164,8 mil km de extensão contra os 70 mil km que eram cobertos por elas em 2001. Na prática, esses 94 mil km adicionais significam mais flexibilidade ao Operador Nacional do Sistema Elétrico, que pode usar a energia que "sobra" em uma região para abastecer outra, deficitária.

Sobre a otimização do despacho de energia dentre os subsistemas do país, Pepitone reforça a vantagem da interligação entre regiões, possibilitando o aproveitamento das diferentes bacias, que estão sujeitas a diferentes regimes pluviométricos. Ainda de acordo com o representante da Aneel, a interligação mais ampla revela um cenário de "segurança energética muito mais robusta do que anos atrás". A avaliação foi feita durante audiência pública que reuniu diversos atores envolvidos no setor elétrico brasileiro, realizada pela Comissão de Minas e Energia da Câmara Federal.

Mais segurança energética contra a crise hídrica

Ainda que inegáveis como garantidores de mais segurança energética para o país após o racionamento de 2001, esse avanços serão apoiados por uma série de medidas adicionais para garantir que a água que ainda existe nos reservatórios e a capacidade instalada das térmicas deem conta de abastecer o país até o final o ano.

O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), ligado ao Ministério de Minas e Energia, estabeleceu plano de ação em face da crise hídrica que inclui o despacho total das termelétricas para poupar água nos reservatórios e a importação de gás de países vizinhos, por exemplo. O governo federal trabalha ainda com outras iniciativas, como incentivos a economia de energia na indústria e mais autonomia ao MME para a gestão dos reservatórios, com a criação de comitê centralizador por meio de medida provisória.

Segundo Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), as ações propostas farão com que os reservatórios cheguem a novembro com 10,3% da capacidade, contra um volume de apenas 7,5% caso nada fosse feito. "Ainda preocupante, mas sem problemas de energia ou de potência", destacou também durante audiência pública da Comissão de Minas e Energia da Câmara.

Vale destacar, a evolução do sistema elétrico é considerada trabalho em andamento e precisa seguir para evitar futuras ameaças ao abastecimento. Especialistas destacam que a matriz elétrica brasileira ainda pode se beneficiar grandemente do avanço de outras fontes de geração, especialmente as renováveis. E a interligação entre os subsistemas ainda estaria aquém do ideal, com limitações de intercâmbio citadas como questão estrutural a ser superada por meio de mais investimentos.

À Comissão de Minas e Energia da Câmara, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, afirmou que o planejamento de operação não pode "colocar todos os ovos na mesma cesta", ao destacar a importância de diversificar fontes e aproveitar suas complementariedades, equilibrando segurança e custo.

"Precisamos lidar com a conjuntura [atual, de crise], mas não podemos perder o olhar para o futuro. É importante continuar os trabalhos para que daqui quatro, cinco, seis anos nós não voltemos a ter desafios como esse", pondera. Nesse sentido, Barral ressalta a intensa agenda de leilões para a contratação de expansão de geração e de transmissão previstos para os próximos meses, com oferta importante para o futuro do setor.

Custos ainda precisam ser cobertos

Mesmo com todas as movimentações (anteriores e atuais), a energia gerada neste momento pelas térmicas é uma conta que não está fechada. Paga com os valores adicionais cobrados dos consumidores por meio da bandeira vermelha 2, o maior patamar tarifário, a taxa extra ainda não cobre integralmente os custos das térmicas e motivou um primeiro reajuste, de 52%, definido pela Aneel.

Com o aumento, o valor vigente a partir de julho foi a R$ 9,49 a cada 100 quilowatts-hora consumidos e deve subir mais a depender de revisão nos parâmetros de cálculo. De acordo com a área técnica da agência reguladora, a bandeira tarifária de patamar mais alto precisaria chegar a R$ 12 para dar conta da geração das termelétricas até o final do ano.

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