Os reflexos da crise na Argentina já são sentidos pelas empresas brasileiras. Os problemas econômicos que obrigaram o país a, mais uma vez, apelar ao Fundo Monetário Internacional, fizeram com que as exportações brasileiras para o país vizinho caíssem 8% no comparativo entre os dez primeiros meses de 2017 e 2018. Entre janeiro e outubro, as vendas foram de US$ 13,31 bilhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
Um dos setores que mais sentiu a retração nos negócios foi o automotivo. As vendas de automóveis de passageiros encolheram 9,2%; as de veículos para transporte de mercadorias, 33%; tratores, 20,1% e colheitadeiras, 26,3%. As exportações de pneus também caíram 16,7%. Outros produtos com fortes quedas nas vendas são aço (16%) e polímeros de etileno (10%).
Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a retração nos negócios com a Argentina tem ocorrido pela frustração no crescimento econômico dos dois lados:
Em 2018, havia a expectativa de que o Brasil passaria por reformas e teria um crescimento econômico substantivo, o que não ocorreu. Do outro lado, a Argentina tem muitas distorções que tornam o seu déficit e a inflação muito elevados. Com a mudança de humor internacional, o câmbio da Argentina teve grande impacto, o que tem pressionado ainda mais a inflação e o déficit e impactado na queda do PIB do país.
O Itaú BBA aponta que a Argentina é o país com o pior desempenho econômico na América Latina, embora dados recentes tenham surpreendido positivamente, devido à recuperação do setor agrícola após uma forte contração motivada por uma seca severa, com a produção de soja despencando 31,7% na safra 2017/8, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para este ano é que a economia argentina encolha 2,64% neste ano e 1,62%, em 2019, só voltando a crescer em 2020. A inflação deve bater nos 40,5% em 2018, quase dez vezes maior do que a registrada no Brasil.
A deterioração abrupta das condições financeiras, o aperto da política macroeconômica e a queda dos salários reais estão puxando a demanda interna argentina para baixo. Mas a expectativa, de acordo com analistas do Itaú é de que:
A economia provavelmente estará muito mais equilibrada (déficits fiscal e externo menores) no ano que vem. Portanto, se uma força política favorável ao mercado for eleita no próximo ano, há bastante espaço para melhora na atividade econômica e nos preços de ativos.”
O banco espanhol BBVA projeta que a economia argentina voltará a crescer a partir do primeiro trimestre de 2019, por causa da recuperação da agricultura, dos impactos da desvalorização do peso e da parcial recuperação da renda real. “Entretanto, o ritmo do crescimento será débil.”
Para a CNI, o governo Macri tem atacado os problemas corretos na economia, principalmente no que diz respeito à redução de gastos públicos e às distorções na economia. Mas é preciso ter tempo. “É um processo que não se faz da noite para o dia. O governo já passou uma nova legislação tributária e previdenciária, por exemplo, que tende a ter bons resultados no médio prazo.
A entidade aponta que o acordo com o FMI foi positivo, pois consolida o fato de que a Argentina passou a ter acesso aos mercados internacionais de crédito e pode antecipar o fim da crise no país, o que ajuda na estabilização e aumenta a confiança dos investidores internacionais.
Este cenário cria oportunidades para o Brasil: “as principais estão no fato de a queda nas vendas poder ser menor do que se previa e as empresas brasileiras operando na Argentina podem não paralisar investimentos e manter a confiança.”
O professor Lucas Ferraz, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, avalia que os impactos da crise para a economia argentina não serão muito grandes, devido à pequena abertura brasileira para o comércio exterior. No ano passado, segundo dados da Secretaria do Comércio Exterior e do Banco Central, as vendas para a Argentina corresponderam a 0,86% do PIB brasileiro.
Recuperação depende de resultado nas eleições
“O impacto da crise argentina nas exportações brasileiras deve ser sentido nos próximos dois ou três anos”, diz ele. Este seria o tempo de a Argentina colocar a economia em ordem. E acertar a situação pode depender muito da permanência de Macri no poder. A Argentina terá eleições presidenciais no próximo ano e a principal concorrente dele é a ex-presidente Cristina Kirchner, dona de uma retórica contrária ao acordo com o FMI e crítica ferrenha da política econômica de Macri..
A possibilidade da volta da ex-presidente Cristina Kirchner ao poder não é descartada. Segundo pesquisa feita pela consultoria Synopsis e publicada pelo jornal Clarin na quinta, ela e Macri estão tecnicamente empatados nas intenções de voto. O partido do atual presidente tem 31,9%, enquanto os kirchneristas, 30,8%. A margem de erro é de 2,7 pontos percentuais para mais ou para menos.
Segundo Ferraz, vai ser uma situação complicada para Macri, que, ao mesmo tempo que está em campanha terá de apertar os cintos. “Vai ser preciso convencer a população da necessidade de um forte ajuste.”
O professor Carlos Eduardo Vidigal, do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), lembra que Macri foi eleito com a promessa de reativar a economia, mantendo as políticas sociais e atrair investimentos externos. “Buscou uma estratégia de mudanças graduais, ao invés de partir para algo mais ousado. O resultado foi que não conseguiu reativar a economia, os custos permaneceram elevados na Argentina e não se atraiu investimentos suficientes.”
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A Argentina também sofreu com o arrefecimento do crescimento chinês, a partir de 2008, que reduziu o ritmo de crescimento da necessidade de commodities. E a crise econômica e política no Brasil criou complicações na Argentina, já que há uma grande relação de interdependência entre os dois países.
“Todo este cenário criou um ambiente de desconfiança entre o empresariado.” O resultado foi o fechamento de mais um acordo com o FMI, que prevê zerar o déficit público em 2020, e a aceleração na liberação das parcelas de um empréstimo de mais de US$ 50 bilhões, o maior concedido pelo órgão em sua história.
A inflação também está nas alturas. Tirando a hiperinflação venezuelana, a da Argentina é a maior na América do Sul. “Isto causa um descontentamento e insatisfação entre a população mais pobre do país vizinho, que tende a ver com bons olhos os governos da dinastia Kirchner, primeiro de Néstor e depois de sua esposa, Cristina.”
Contra Cristina, atualmente senadora, pesa o envolvimento em escândalos de corrupção. “Ainda não se sabe se ela poderá disputá-las, mas, comparativamente, as chances dela são maiores que as que Lula tinha”, diz Vidigal. A ex-presidente deve ir a julgamento no início do ano que vem.
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