O gaúcho Cássio Ávila, de 39 anos, tem licença de piloto comercial, foi instrutor de voos no aeroclube do Rio Grande do Sul e acumula mais de 1,2 mil horas de voo, uma experiência que o habilitaria a uma vaga de copiloto nas grandes empresas aéreas brasileiras. Mas só não está na lista de desempregados porque trabalha por conta própria, fazendo sites para empresas. Deixou pela metade a faculdade de Economia para investir no sonho de ser aviador - e chegou a gastar em torno de R$ 3 mil por mês para pagar pelo treinamento. “A promessa de emprego era ótima. Falavam que ia faltar piloto no Brasil. Mas não tem vaga.”
Companhias aéreas estrangeiras recrutam brasileiros
Salários no exterior podem chegar a US$ 27 mil
Leia a matéria completaÁvila está no grupo de pilotos recém-formados, que precisam de uma primeira oportunidade para entrar na aviação. Muitos começam na aviação executiva e depois viram copilotos de linhas aéreas - e dentro da empresa crescem até chegar a comandante. “Até na aviação executiva está difícil. Os donos de aviões particulares pararam de voar para economizar”, diz.
Outro caminho é trabalhar como instrutor de aeroclube, uma função com remuneração “simbólica”, mas que é interessante para acumular horas de voo e tentar ingressar diretamente em uma companhia aérea. “Achava que o problema era comigo, mas dos 12 que terminaram o curso comigo, só um trabalha na aviação”, diz Ávila.
A estudante Laura Falkowski, de 20 anos, espera, neste momento, por uma vaga de instrutora de voo. Ao estudar aerodinâmica na faculdade de Física, se apaixonou por aviação. Mudou a graduação, para Letras-Inglês, e passou a dedicar mais tempo ao curso de formação de pilotos. Do primeiro voo ao simulador de jatos foram dois anos de dedicação e um investimento em torno de R$ 100 mil. “Por causa da crise, vários instrutores estão sem emprego e o aeroclube não pode absorver todo mundo. Estou na fila”, disse. Para ficar próxima da aviação, Laura trabalha voluntariamente na área de manutenção do aeroclube do Rio Grande do Sul.
A aviação brasileira reverteu um processo de crescimento acentuado e deve ter em 2016 a primeira retração desde 2003. Para se ajustar à uma demanda menor, as empresas estão cortando voos e reduzindo sua frota. Só a Gol e a Azul pretendem reduzir neste ano, cada uma, cerca de 20 aviões da frota. Em meio a esse processo, vão sobrar pilotos e comissários.
No fim do ano passado, 5.935 pilotos estavam empregados nas empresas aéreas brasileiras, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil. São 21 posições a menos do que em 2014 e 458 abaixo de 2011, último ano em que o setor registrou expansão de dois dígitos.
De acordo com o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), foram demitidos cerca de 150 pilotos desde o início do ano e há cerca de 400 pilotos desempregados. O número de demissões só não é maior porque as três maiores empresas - TAM, Gol e Azul - abriram programas de licença não remunerada para pilotos. Muitos profissionais vão tentar trabalhar em empresas estrangeiras.
O presidente do SNA, Adriano Castanho, ressaltou que mesmo quem está empregado foi prejudicado pela crise. O motivo é que cerca de 50% da remuneração dos pilotos é atrelada às suas horas de voo. “As empresas sempre voam menos na baixa temporada. Mas, neste ano, a retração foi o dobro do usual. O salário chegou a cair 30% em alguns casos”, afirmou.
O presidente da Azul, Antonoaldo Neves, diz que a empresa ficou com um excesso de pilotos quando a crise se agravou e obrigou a companhia a reduzir sua oferta de voos para não perder dinheiro. “A estimativa é um corte de 7% a 8% (em assentos) neste ano. O excedente de pilotos é proporcional”, explicou. Em vez de demitir, Neves diz que a Azul lançou um programa de intercâmbio para uma empresa aérea chinesa do grupo HNA, que é dono de 23,7% da Azul, para cem pilotos. “Eles vão ficar fora por até três anos e quando voltarem terão emprego garantido na Azul. A crise vai passar”, disse.
A empresa abriu também um programa de licença não remunerada, que teve adesão de 208 pilotos e comissários. A Gol, que já tinha um programa de licenças, ampliou o prazo de dois para cinco anos. A TAM, que tem um programa permanente, disse que está avaliando os impactos da retração da oferta no seu pessoal. Já a Avianca está com a oferta de voos estável e não prevê mudanças no quadro de funcionários.
Previsão de contratar, nenhuma empresa tem. “Hoje é quase impossível para um piloto recém-formado conseguir emprego”, disse Castanho. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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