Brasil registra mais de 3 mil mortes pela Covid-19 nesta sexta-feira (26).| Foto: Michael Dantas/AFP
Ouça este conteúdo

Sair da crise econômica causada pela pandemia da Covid-19 deve exigir mais esforço que o requerido para escapar daquela que o país e o mundo atravessaram em 2009, por consequência do estouro – em setembro de 2008 – da crise das hipotecas "subprime" nos Estados Unidos.

CARREGANDO :)

O maior desafio está em se recuperar do tombo, que foi bem maior desta vez. Segundo o IBGE, o PIB brasileiro caiu 4,1% em 2020, o pior resultado em 30 anos. E nada indica que as perdas serão recuperadas neste ano. O ponto médio das projeções coletadas pelo Banco Central (BC), no Relatório Focus, sinaliza para um crescimento econômico de 3,22% em 2021. A projeção vem diminuindo nas últimas semanas. No melhor momento, em fevereiro, a perspectiva era de alta de 3,5%.

Economistas consultados pela Gazeta do Povo veem mais dificuldade na recuperação da crise atual porque agora o espaço fiscal é mais limitado, a dívida pública é bem maior, o país já não tem grau de investimento e empresas e consumidores estão em situação fragilizada.

Publicidade

O governo, por outro lado, vê razões para otimismo. Na dia 15, o Ministério da Economia divulgou nota afirmando que, "do ponto de vista econômico a crise atual apresenta melhores condições de retomada do que crises passadas".

Porém, o mesmo texto apresentou sugestões de política econômica que ainda não se efetivaram (vacinação em massa, consolidação fiscal e reformas pró-mercado) e apontou um risco que, esse sim, se concretizou dois dias depois: o aumento da taxa de juros.

Sem espaço fiscal e grau de investimento, país não tem "soluções mágicas" desta vez

Em 2009, a retração do PIB foi de 0,13%. E foi seguida de um crescimento de 7,5% no ano seguinte, anabolizado por incentivos fiscais e gastos do governo.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que, naquela ocasião, a economia brasileira tinha pelo menos dois trunfos que hoje não tem: uma melhor situação fiscal, que abria espaço para impulsionar o PIB com renúncias fiscais e despesas públicas; e o status de “grau de investimento”, que facilitava a captação de recursos do exterior.

“Naquela época, o Brasil tinha capacidade de atrair investimentos e não tinha uma relação dívida pública/PIB próxima dos 100%”, explica Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. No fim de 2009, essa relação estava em 63%. Em janeiro deste ano, segundo o BC, chegou a 89,7%.

Publicidade

O problema é que a política de cofres abertos do governo, que ajudou o país a se recuperar rápido da crise do subprime, deixou como herança o desmoronamento do equilíbrio fiscal. Com o setor público gastando mais e abrindo mão de receitas – prática que se intensificou na primeira metade da década de 2010, no governo de Dilma Rousseff –, a margem para políticas contracíclicas foi se estreitando cada vez mais.

O espaço fiscal, que era amplo na época da crise financeira global, já não existe. O setor público passou a registrar déficit primário (contas no vermelho antes mesmo do pagamento da dívida pública) em 2014 e não parou mais – as projeções indicam que o superávit só deve retornar mais para o fim desta década, ou depois.

Para pagar auxílio emergencial aos mais vulneráveis – principal mecanismo a evitar uma recessão ainda mais forte em 2020 –, o governo teve de recorrer ao endividamento. E fará o mesmo agora em 2021, ao retomar os pagamentos do benefício, em versão bem menos potente.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Em 2009, maiores economias fizeram injeção maciça de dinheiro no mercado

Outro fato que contribuiu na reação à recessão de 2009, segundo José Pena, economista-chefe da Porto Seguro Investimentos, foi o fato de a China ter adotado uma política de estímulos fiscais, que contribuiu para uma recuperação acelerada, puxando para cima o preço das commodities. E as principais economias mundiais fizeram uma injeção maciça de dinheiro, ampliando a liquidez.

Publicidade

Com a China e boa parte do mundo retomando o crescimento após o baque de 2020, o preço das commodities também subiu muito nos últimos meses, o que deveria ajudar o Brasil em sua recuperação. Com os exportadores ganhando mais dinheiro, a entrada maciça de dólares deveria fortalecer o real e ampliar o poder aquisitivo da população. Mas não é o que ocorre.

Fatores domésticos aumentaram a percepção de risco em relação ao Brasil e empurraram para cima a cotação da moeda norte-americana, provocando mais inflação e levando o Banco Central a elevar os juros – o que não ocorria há quase seis anos. Com o crédito mais caro, a retomada fica mais difícil.

A própria característica da crise atual joga contra. “São crises de naturezas diferentes. A de 2008/09 tinha natureza estritamente financeira. Agora é uma crise de saúde pública, cujas consequências vão ser sentidas por alguns anos”, diz Álvaro Bandeira, economista-chefe do banco Modalmais.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, lembra que, em 2010, o Brasil era a “bola da vez” no mercado internacional. “Isto permitiu que o país saísse rapidamente de uma crise que não era nossa.”

Sair da crise também vai exigir ultrapassar quatro barreiras: o ritmo da vacinação, que está lento; a necessidade de avançar nas reformas e privatizações; conter o aumento da inflação e afastar a ameaça de intervenção do governo na economia.

Publicidade

A aposta em reformas estruturais e privatizações, que já eram bandeiras do ministro Paulo Guedes bem antes da pandemia, tende a gerar frutos para a economia. Mas o país não conseguiu avançar com nenhuma reforma após a aprovação das novas regras da Previdência, em 2009. E, apesar das ambições de Guedes, nenhuma estatal de controle direto foi vendida até agora.

Além disso, ao contrário da expansão de gastos públicos – utilizados à exaustão na reação à crise financeira global de 2009 –, reformas estruturais e privatizações não têm efeito imediato sobre a geração de riquezas. Num primeiro momento, o impacto é indireto: espera-se um aumento da confiança de empresários e consumidores, que por sua vez os levaria a investir e gastar mais.

Empresas e consumidores fragilizados dificultam reação forte em 2021

Uma situação que também pesa, de acordo com Sérgio Vale, é a situação das empresas. Muitas delas ainda estão em uma condição mais frágil, porque ainda não se recuperaram totalmente do tombo registrado em 2015 e 2016 – naqueles dois anos, a economia encolheu 6,7% ao todo.

Depois daquela recessão brutal, vieram três anos de baixo crescimento, sempre abaixo de 2%. E em 2020 a pandemia derrubou novamente o PIB, agora para um nível 6,4% menor que o de 2014 – o patamar atual é apenas ligeiramente mais alto que o de 2016.

Quem também ficou numa situação fragilizada foram os consumidores. O desemprego, segundo o IBGE, saltou de 7,9%, no primeiro trimestre de 2015, para 13,9%, no último trimestre do ano passado. E o rendimento médio real do trabalho (já descontada a inflação), teve uma variação de apenas 1,1% entre os primeiros trimestres de 2015 e 2020.

Publicidade

“É um cenário completamente diferente: [em 2009] tinha espaço fiscal, a dívida pública não era grande e a política monetária não estava no limite”, complementa o economista-chefe da MB Associados.

Poupança, crédito e mercado de trabalho facilitam retomada, avalia governo

Em texto publicado no dia 15, a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia publicou texto elencando três fatores que, em sua avaliação, permitem uma recuperação mais consistente da economia.

Ao contrário do que ocorreu em 2009 e 2015-16, diz a SPE, em meio à pandemia de Covid-19 houve aumento na taxa de poupança, expansão do crédito via bancos privados e um impacto mais forte da crise sobre o mercado informal de trabalho, que, por ser mais flexível, tende a se recuperar mais rápido.

"Em primeiro lugar, o mercado de crédito continua robusto, sem a necessidade de aportes do governo federal. O crescimento do crédito está associado a uma maior capacidade de retomada rápida porque permitiu a preservação de empresas (e, portanto, capacidade instalada)", diz a nota. "Em segundo lugar, a taxa de poupança permite que o setor privado tenha recursos adicionais para contribuir com a retomada do consumo e do investimento. Por fim, o emprego no setor informal deve crescer de maneira mais robusta com a redução das medidas restritivas de combate a covid-19. Isto é, com a evolução da vacinação em massa espera-se também o retorno seguro ao trabalho."

Ao falar de expansão de crédito, no entanto, a SPE aponta um risco. "Também significa que empresas e famílias sairão da crise mais endividadas, o que é um fator de risco para a retomada, principalmente se houver aumento dos juros. O que, por sua vez, ressalta a importância de conter o risco fiscal, que é um dos fatores determinantes dos juros", afirma a nota.

Publicidade

A taxa básica de juros (Selic) subiu dois dias depois desse comunicado, de 2% para 2,75% ao ano – e o Banco Central sinalizou um novo aumento de 0,75 ponto já para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

O Ministério da Economia também tem dificuldades em conter o risco fiscal – a base aliada e o próprio presidente Jair Bolsonaro têm atuado, por exemplo, para evitar medidas que afetem o funcionalismo, o que causou turbulência em votações no Congresso de interesse da equipe econômica.

Além disso, o comunicado da SPE elencou sugestões de política econômica que ainda precisam sair do papel. São elas a consolidação fiscal, as reformas pró-mercado e a vacinação em massa.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]