A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, decidiu ontem remover de seu cargo, por decreto, o presidente do Banco Central, Martín Redrado. De acordo com a legislação argentina, o Executivo não tem autonomia para demitir o titular do Banco Central sem a anuência do Congresso. Uma comissão do Senado, presidida por Julio Cobos o vice de Cristina, que está rompido com ela desde meados de 2008, e aspira à sua sucessão deveria avalizar a decisão.
Cobos havia pedido a convocação extraordinária do Congresso, em recesso, para dirimir o impasse institucional criado na quarta-feira, quando Cristina exigiu a renúncia de Redrado, que se recusou a deixar o cargo.
O vice-presidente da República queria que o Parlamento interrompesse seu descanso para avaliar se é legítimo ou não o decreto de Cristina que originou o atrito entre a Casa Rosada e o Banco Central.
Trata-se de um decreto de necessidade e urgência (o equivalente à medida provisória brasileira), publicado no último dia 15, que determina a criação de um fundo de US$ 6,5 bilhões com reservas do Banco Central, para o pagamento da dívida pública argentina.
Redrado discorda da medida. Diante da resistência dele em cumpri-la, Cristina pediu sua renúncia. Ele se negou a deixar o cargo; seu mandato iria até setembro.
Como sinal do caráter excepcional do decreto de remoção do presidente do Banco Central, a assinatura de Cristina é acompanhada por todos os ministros de seu gabinete. O documento acusa Redrado de "incorrer em má conduta e descumprir os deveres de funcionário público e pede ao procurador do Tesouro que faça a "respectiva denúncia ante a autoridade policial.
Advogados constitucionalistas avaliam que o decreto presidencial não pode se sobrepor à lei e, portanto, não teria efeito. Se a manobra der certo, Cristina vai indicar ao cargo o vice-presidente do BC, Miguel Angel Pesce.
Até as 21 horas de ontem, Redrado não havia se manifestado sobre a medida de Cristina, mas sua assessoria divulgou que ele analisava, com a assessoria de advogados, a validade do decreto.
Aníbal Fernández, chefe de gabinete de Cristina, descartou a hipótese de Redrado não se submeter ao decreto presidencial. "Se quiser, ele pode estudar a validade do decreto em sua casa ou escritório, mas não na sede do Banco Central, que terá de desocupar amanhã, afirmou o ministro.
Se o pedido de remoção de Redrado fosse submetido à comissão do Senado, como determina a Carta Orgânica do Banco Central, a decisão final ficaria nas mãos de Cobos. Isso porque os membros da comissão se dividem igualmente entre o governista Partido Justicialista e a oposição representada pela UCR. Em tese, haveria empate na votação, e Cobos teria a tarefa do desempate.
Seria uma circunstância similar à de julho de 2008, em que Cobos rompeu seu apoio a Cristina, ao desempatar desfavoravelmente ao governo a votação do projeto sobre o aumento na taxação sobre a exportação de grãos. Esse gesto lhe rendeu o capital político com o qual agora postula sua candidatura à Presidência em 2011.