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Crônica de um capitalismo à brasileira

Luciano Coutinho, do BNDES, e Daniel Dantas, do banco Opportunity: personagens expostos em detalhes por Consuelo Dieguez | Wilson Dias/ ABr
Luciano Coutinho, do BNDES, e Daniel Dantas, do banco Opportunity: personagens expostos em detalhes por Consuelo Dieguez (Foto: Wilson Dias/ ABr)
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Os modos empertigados renderam a Luciano Coutinho, presidente do BNDES, o apelido de "Durinho", mas ele cumprimenta seus interlocutores com a mão frouxa. E, embora cultive hábitos espartanos, é vaidoso a ponto de ter feito uma cirurgia plástica para suavizar as rugas. Daniel Dantas, dono do banco Opportunity, tem seus excessos: fala e gesticula sem parar e é talvez o mais belicoso dos banqueiros. Fora isso, não tem apartamento no exterior, helicóptero, iate ou outras posses típicas de ricaços. Não ouve música nem vai ao cinema, e, à mesa, se contenta com legumes cozidos. Luis Stuhlberger, melhor gestor de investimentos do país, por muito tempo se achou um zero à esquerda. Ele já não pensa assim, mas continua tímido, atrapalhado, inseguro – o oposto do estereótipo do financista de sangue nos olhos.

Curiosidades como essas, escassas no dia a dia do noticiário econômico, aparecem aos montes nas 12 reportagens reunidas em Bilhões e lágrimas: a economia brasileira e seus atores, da jornalista Consuelo Dieguez. Os textos foram publicados entre 2006 e 2013 na revista Piauí, aonde a jornalista chegou depois de passar por alguns dos principais jornais e revistas do país. Cada um dos "ensaios", como diz a contracapa, é resultado de meses de apuração, privilégio que raros veículos brasileiros ainda concedem a seus repórteres. São histórias bem contadas, que provavelmente vão satisfazer mesmo quem não tem atração especial por economia.

Personagens

Os traços característicos e informações de bastidores de figuras como Coutinho, Dantas e Stuhlberger não estão ali de enfeite. Ajudam, claro, a fisgar o leitor, mas também jogam luz sobre escolhas, atos e omissões desses personagens, alguns dos quais tiveram papel decisivo nas mudanças que a economia nacional sofreu nos últimos anos.

Tome-se o exemplo de Sérgio Rosa, perfilado pela jornalista em 2009. Na época, ele presidia a Previ, fundação de previdência do Banco do Brasil, maior fundo de pensão do país e acionista de algumas das principais empresas brasileiras. Nas primeiras páginas do texto, Rosa é descrito como um sujeito sério e disciplinado, de poucos sorrisos e palavras. São informações que parecem acessórias para quem está interessado apenas em economia.

Mas, mais adiante, o leitor fica sabendo por que a tal "calma monástica" de Sérgio Rosa foi determinante para a vitória da Previ – e do governo – na encarniçada disputa com Daniel Dantas pelo controle de empresas como a Brasil Telecom. Uma vitória fundamental para o "capitalismo de Estado" que se tornaria marca das gestões petistas na presidência da República.

Resgate

Reportagens detalham interferência do governo no setor privado

O avanço estatal sobre a economia está presente em quase todas as reportagens. No prefácio do livro, Consuelo Dieguez conta que no começo o interesse da revista Piauí era apenas esmiuçar cada história individualmente. "Mas, aos poucos, fomos nos dando conta da ação do governo por trás de todas essas operações", diz a jornalista.

De início, o Planalto atuou por meio dos fundos de pensão, com manobras esquadrinhadas em reportagens como "Todos contra Daniel Dantas" e "Sérgio Rosa e o mundo dos fundos". A jornalista teve o cuidado de registrar que foi ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso que as fundações previdenciárias das estatais ganharam papel de destaque pela primeira vez, botando muito dinheiro na privatização da Vale e mais ainda na das telecomunicações.

A propósito desta, a autora também lembra que não é coisa nova a promiscuidade nos negócios entre o Estado e a iniciativa privada: "A desestatização das teles contrariou as expectativas de que os negócios entre o estado e a iniciativa privada inaugurariam uma era de transparência republicana. (...) Alguns integrantes do governo de Fernando Henrique se comportaram como manipuladores. Outros agiram como fantoches de grandes empresas".

Crise internacional

O ensaio "O desenvolvimentista" relata a segunda etapa da estratégia do governo petista, executada a partir do estouro da crise internacional. Foi quando o BNDES passou a receber aportes bilionários do Tesouro Nacional para financiar a juro subsidiado um punhado de empresas e torná-las as "campeãs nacionais" de seus setores. Além de demonstrar uma curiosa predileção por frigoríficos e exportadores de matérias-primas, o programa não evitou desastres como a recuperação judicial da Lácteos Brasil, a transformação da Oi em multinacional portuguesa e o fracasso do abatedouro Bertin em sua incursão no setor elétrico.

Bilhões e lágrimas também conta como o governo atuou para formar a gigante Brasil Foods, em uma operação que obrigou a falida Sadia a se unir à maior concorrente, a Perdigão. A reportagem sobre a vertiginosa decadência da Sadia, que relata desde as disputas intestinas entre as famílias fundadoras até a quebra provocada por investimentos em derivativos na crise de 2008, é uma das mais saborosas do livro. Faz par com a história de outra agonia empresarial, esta lenta e tolerada pelo Planalto – a da Varig.

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