Criado numa área nobre do Rio de Janeiro, Alexander Albuquerque começou a empreender no Complexo da Maré, na Zona Norte da cidade. Foi lá que se deparou com um problema: o do acesso de parte da população a agências bancárias. De conversas com moradores e amigos veio a solução: a criação do aplicativo Banco Maré.
O app, disponível apenas para Android, permite que as mais de 130 mil pessoas que moram na Maré paguem suas contas de maneira totalmente digital. Até o surgimento da iniciativa, em 2016, moradores do complexo, que abriga 17 comunidades, tinham de ir até bairros vizinhos para quitarem dívidas corriqueiras, pois na região não há agências bancárias ou lotéricas. O aplicativo ainda permite recarga do Bilhete Único e compra no comércio local. A movimentação feita no Maré tem até moeda própria, a palafita, que equivale ao real.
Para usar a palafita, o cliente baixa o aplicativo gratuito do banco em seu aparelho celular. Em seguida, vai a um dos sete postos presentes na Maré e troca o real pela moeda virtual da fintech. Então basta acessar o app e fazer suas operações bancárias.
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São 23 mil usuários cadastrados no aplicativo. A empresa espera chegar a 60 mil até fevereiro do ano que vem. A meta parece ambiciosa, mas há terreno: além da Maré, de 2016 para cá a startup passou a oferecer o serviço em Heliópolis — comunidade de 200 mil habitantes, em São Paulo — e deve chegar em Arapiraca, no interior do estado do Alagoas, em breve. “Nossa causa é impactar a vida pessoas que não têm acesso ao sistema financeiro”, diz Alexander.
O empresário garante que é o ideal da fintech que o leva a iniciativa adiante. “Muitas empresas começaram e terminaram desde que a gente iniciou as atividades. A gente fica feliz em saber que a taxa de ‘mortalidade’ é alta, mas estamos vivos”.
Para se manter, ter receita e expandir os serviços, além de participar de programas de aceleração, a fintech fatura com taxas por pagamentos de boletos e transações com máquinas de cartão — que segundo a empresa costumam ser 5% menores que as usadas pelos bancos.
As condições são tão atrativas que os mais de 20 mil usuários movimentam R$ 2,5 milhões por mês. Outro cálculo da empresa: o aplicativo diminuiu em 65% o atraso no pagamento das contas dos seus usuários.
Segundo Alexander, os números são um indicativo de que a empresa tem conseguido cumprir seu propósito: promover inclusão e provar potencial financeiro das classes C, D e E. “Apesar de [nós, os sócios] não sermos residentes de favelas, queremos provar que essas comunidades têm muito potencial e que a gente pode criar soluções, com tecnologias de ponta, que muda a vida das pessoas”, diz. “E que essas tecnologias podem chegar em quem precisa, sem distinção de classe social”.
Hoje, ao menos no sistema bancário tradicional, há essa distinção. O país tem cerca de 60 milhões de “desbancarizados”, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse número representa quase metade da população economicamente ativa, estimada em 110 milhões de pessoas, e movimenta R$ 665 bilhões ao ano.
Primeiros passos
Encontrar a primeira pessoa disposta a pagar as contas pela iniciativa do Alexander não foi uma tarefa fácil. De início, o empresário passava as tardes numa creche abandonada, na Maré, sentado numa cadeira de criança com uma placa no encosto escrita “Banco Maré, pague suas contas aqui”. Essa era a fachada da fintech com o app recém criado. “Ninguém queria arriscar. Achavam que era golpe”, diz o analista de sistemas, que buscou a ajuda de amigos para desenvolver o aplicativo — hoje seus sócios.
Não era como se Alexander fosse um completo desconhecido. A ideia da fintech surgiu quando ele visitava o local para estruturar um curso profissionalizante de programação, em parceria com o governo do Estado. Saiu de lá com uma decepção: projeto era inviável porque, entre outras coisas, não havia ensino médio no período diurno em nenhuma escola da região. Mas com uma ideia dada por um morador, que disse não haver lugar para pagar suas contas em toda Maré.
15 dias se passaram desde que Alexander se instalou na creche abandonada e, numa tarde quente, uma moradora arriscou com o empresário — a alternativa era pegar um ônibus até um dos bairros vizinhos, como Bonsucesso, Olaria e Benfica, onde teria uma agência bancária ou lotérica.
A partir do primeiro cliente a propaganda boca a boca fez grande parte do restante do trabalho. Desde de então, a fintech teve aportes — o primeiro foi de R$ 15 mil, da Caixa Econômica Federal — e expansão de escritórios e número de funcionários. A sede permanece na Maré, a quem quiser visitar.
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Hoje a startup tem 32 colaboradores recorrentes e gente em Israel, Barcelona, São Francisco, Peru e Brasil. Contratados com carteira assinada são 17, sendo 10 moradores da Maré e capacitados pela própria empresa, que ajudou sete deles a começar um curso superior. “Temos funcionários que são referências para outros moradores da Maré, que viram a melhora de vida das pessoas que começaram a trabalhar conosco”, conta Alexander.
No Brasil, além de estar no Complexo da Maré, a fintech tem um escritório no centro do Rio de Janeiro, e é uma das residentes do espaço Cubo Itaú, em São Paulo. “O Cubo é um ecossistema muito pulsante. Um espaço que a todo momento fazem conexões com você”, relata o fundador do Banco Maré.
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