Não são apenas as incertezas em relação à economia que contribuem para afastar o investimento estrangeiro no setor produtivo brasileiro. Fatores estruturais que compõem o chamado "custo Brasil" – como tributação pesada, dificuldades no comércio internacional, problemas logísticos e incerteza jurídica – também estão influenciando na perda de atratividade do país no exterior, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
Segundo a consultoria internacional Kearney, em seis anos o Brasil perdeu 18 posições em um ranking das perspectivas de investimento estrangeiro direto num horizonte de três anos. Na lista de 25 nações, o país caiu do sexto lugar em 2015 para o 24.º em 2021.
No período de 12 meses encerrados em março, o investimento direto no país (IDP) somou US$ 39,3 bilhões, ou 2,73% do PIB, já descontadas as saídas desse tipo de capital. O valor é 43% inferior ao registrado um ano antes, e próximo aos 11 anos atrás. “Naquela época, a situação fiscal era outra, tínhamos menos reservas e um orçamento mais flexível”, explica Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos.
Na comparação com outros países, nosso ambiente de negócios melhorou muito pouco de lá pra cá. Em 2010, segundo o ranking Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil ocupava a 129.ª posição entre 183 países. No ano passado, era o 124.º entre 190 países.
Custo Brasil: sistema tributário brasileiro é um dos piores do mundo
O economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca, diz que parte da culpa pela menor atratividade do país em relação ao investimento direto estrangeiro está relacionada ao custo Brasil.
“Operar no território nacional exige custos acima da média comparativamente a outros países. O Brasil, no mercado consumidor mundial, é muito pouco para justificar os altos custos de operação”, explica.
Um dos principais problemas está nos impostos. Segundo o Doing Business, o país tem o sétimo pior sistema tributário do mundo, à frente apenas de Somália, Venezuela, Chade, República Centro-Africana, Bolívia e República do Congo.
Aqui um empreendedor gasta em média 1.501 horas por ano para preparar, arquivar e pagar (ou reter) o imposto de renda empresarial, o imposto sobre o valor agregado (similar ao ICMS e ao IPI) e as contribuições previdenciárias. A carga tributária total consome, em média, 64,7% dos lucros de uma empresa.
O Barein, no Oriente Médio, é o país com o melhor desempenho na questão tributária. Lá, a burocracia consome 23 horas por ano e a carga tributária sobre os lucros de uma empresa é de 13,8%.
“Nosso sistema tributário é extremamente complexo, exigindo até mesmo um departamento nas empresas que cuide exclusivamente disso. Não bastasse isso, pagamos tributos sobre os investimentos e acabamos exportando resíduos tributários, perdendo ainda mais a competitividade”, ressalta Fonseca.
O Brasil discute há três décadas uma ampla reforma na legislação tributária, e nos últimos anos o foco todo esteve em sugestões de simplificação das regras – e não na redução da carga tributária, tida como inviável por causa do elevado volume de despesas públicas obrigatórias.
Embora o governo defina como prioritária uma reforma tributária, em dois anos e meio de gestão o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs ao Congresso apenas a fusão de dois tributos federais (PIS e Cofins). Além disso, o ministro é contra a proposta mais ampla de reforma que foi apresentada recentemente por uma comissão mista do Congresso Nacional.
Incerteza jurídica é entrave importante
Outro entrave importante para o investimento direto no país e que acaba contribuindo para o custo Brasil é a incerteza jurídica. “Não se tem certeza do que está por vir”, diz Franchini, da Monte Bravo Investimentos.
Um dos exemplos mais claros é a “briga” entre governo e contribuintes pelo pagamento de tributos. Segundo o Núcleo de Estudos da Tributação (NET/Insper), ela alcançava o equivalente a 75% do PIB em 2019.
O sócio da Monte Bravo aponta que as regras do jogo mudam com muita frequência no Brasil, o que, ao lado de uma taxa de câmbio instável, contribui para ampliar as incertezas de médio e longo prazo, inviabilizando investimentos produtivos.
“Falta argumento para o Brasil crescer”, afirma. “E há falta de vontade para resolver os entraves burocráticos.”
Como o custo Brasil afeta o comércio exterior
Ricardo Bacellar, líder de industrial markets e de mercado automotivo da KPMG no Brasil, destaca que o país precisa massificar políticas de exportação. “Elas têm de ser de Estado e não de governo. São necessárias facilidades para o comércio exterior e uma estrutura cambial e tributária adequadas.”
No ranking Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil está na 108.ª posição entre 190 países em termos de facilidades para o comércio internacional. O tempo necessário para exportar é mais de quatro vezes superior ao dos países de alta renda da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e os custos para esse procedimento são 76% maiores por aqui do que na média dos países da América Latina e Caribe.
Esses números se repetem quando se fala em importação. “As mercadorias ficam emboladas na aduana”, diz o economista da CNI. O custo brasileiro de importação e o tempo gasto nos procedimentos aduaneiros são mais do que quatro vezes superiores aos dos países de alta renda da OCDE. É uma situação que se repete na América Latina.
Não bastasse isso, o Brasil conta com uma desvantagem geográfica: está no Hemisfério Sul, enquanto a maior parte do fluxo de mercadorias corre no Hemisfério Norte. “As linhas de transporte são menores”, afirma Fonseca.
Há, no entanto, novidades positivas nesse aspecto, que nos próximos anos podem melhorar as posições do Brasil em rankings de competitividade e facilidade para negócios internacionais.
Uma delas é o Portal Único do Comércio Exterior, que começou a ser implantado pelo governo federal ainda em 2015 e recebe elogios da CNI. A confederação estima que até 2040 o portal vai elevar em US$ 92 bilhões a corrente comercial brasileira (soma de importações e importações). Segundo o governo federal, o módulo para exportação, que já está em pleno funcionamento, reduziu o tempo de espera de uma operação de 13 para seis dias.
O setor produtivo também elogia a eliminação do Siscoserv, um sistema de registro de operações no comércio de serviços que era considerado oneroso e burocrático, com gastos elevados para o governo e principalmente para as empresas, que precisavam destacar profissionais exclusivamente para o preenchimento de formulários.
Em paralelo a isso, no fim de março o governo editou uma medida provisória para facilitar a entrada de importados e reduzir a burocracia para negócios com o exterior.
Problemas de infraestrutura dificultam o transporte e encarecem logística
O economista-chefe da CNI destaca que, com o avanço da globalização, uma fábrica não precisa ter tantos fornecedores no local quanto nos anos 1970 ou 80, quando o transporte internacional era muito mais caro. “As empresas podem mapear os processos a distância.”
Esta transformação na economia mundial acrescentou gargalos à economia brasileira, devido aos problemas de infraestrutura. Fonseca lembra da dificuldade na movimentação de cargas nos portos brasileiros. A infraestrutura deficiente acaba pesando no custo Brasil.
A maior parte do transporte é feito por via rodoviária. E, segundo uma pesquisa divulgada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) neste ano, os investimentos públicos e privados em estradas vêm caindo nos últimos anos.
A expectativa é de que pelo menos os gastos do setor privado possam aumentar nos próximos anos, com o avanço da agenda de concessões rodoviárias do governo federal. Em 2019 e 2020, o governo leiloou apenas dois trechos rodoviários. Neste ano, as licitações devem deslanchar: o governo já leiloou a BR-153 entre Goiás e Tocantins e prevê mais dez certames neste ano, dos quais o mais aguardado é o da Via Dutra, que liga São Paulo e Rio de Janeiro.
“É um cenário [de problemas logísticos] que acaba desestruturando as cadeias produtivas e se perde previsibilidade. Muitas empresas são obrigadas a trabalhar com estoques maiores e têm dificuldade em embarcar a mercadoria na data correta nos portos. Este gargalo atrasa a produção no Brasil e dificulta a inserção do país nas cadeias globais de produção.”
Um dos setores em que esse problema é mais evidente é o das montadoras, que tinham intenção de usar o país como um hub de exportação. Nos últimos meses, Audi, Ford e Mercedes Benz suspenderam a produção de carros no país.
“As montadoras vieram para o país, mas não foram feitos investimentos nos portos. Faltam condições para ser competitivo e parar de exportar impostos”, diz o líder da KPMG.
Esta é a segunda reportagem da série Passaporte Carimbado, que mostra os motivos para a saída ou reestruturação de multinacionais do Brasil nos últimos anos. Acompanhe a série neste link.
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