Uma medida inédita foi tomada na noite desta quarta-feira pela Justiça Federal: pela primeira vez no Brasil, uma liminar bloqueia ações adquiridas com indícios de informação privilegiada e também o dinheiro conseguido com a venda delas.
Dois investidores que negociaram ações da Ipiranga antes e no dia da venda da empresa para o grupo formado por Petrobras, Braskem e Ultra foram alvo da ação.
Depois de quatro dias de investigação, a Comissão de Valores Mobiliários está perto de confirmar o vazamento de informações privilegiadas sobre a venda da companhia brasileira de petróleo Ipiranga. A CVM, que fiscaliza as operações na Bolsa de Valores, e o Ministério Público conseguiram uma liminar junto à Justiça Federal para bloquear quase R$ 4 milhões envolvidos na transação financeira por um fundo estrangeiro e uma pessoa física, na sexta-feira, na Bolsa de Valores de São Paulo.
As ações ordinárias negociadas, aquelas que dão direito a voto no conselho com poder decisório na empresa, foram indisponibilizadas por um medida cautelar emitida na noite de quarta-feira pela 1ª Vara Federal do Rio, que entendeu que o comportamento abala a credibilidade do mercado.
O Ministério Público Federal acatou um pedido feito pela CVM de bloqueio das contas de um fundo de investimentos offshore, isto é, no exterior, e de um investidor pessoa física brasileiro suspeitos de uso de informação privilegiada (insider trading) na negociação de papéis com direito a voto (ordinárias, ON) da Ipiranga. Os nomes dos suspeitos não foram divulgados.
Ambos teriam concentrado as operações com os papéis da Refinaria e da Distribuidora Ipiranga entre os dias 14 e 16 deste mês, antes, portanto, do anúncio, no último domingo, da compra da companhia por Petrobras, Braskem e Grupo Ultra. Apenas o fundo de investimento teria negociado 20% do volume total com os papéis das empresas do grupo Ipiranga nestes dias. Na terça-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que pediu à CVM, órgão subordinado ao seu ministério, rapidez e rigor máximos na investigação.
Dados de mercado mostram que as corretoras Planner, Spinelli, Magliano e Fator lideraram as operações de compra dos papéis da Ipiranga Distribuidora. Já as da Refinaria foram mais movimentadas pelas corretoras Prosper, Fator, Umuarama, Novoinvest e Ágora. Na sexta-feira, os papéis da distribuidora dispararam 33,33% e os da refinaria, 8,31%, enquanto a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) recuou 1,27%. As ações da distribuidora não eram movimentadas desde o início de fevereiro. O primeiro pregão de negócios desde então, no último dia 13, foram movimentados R$ 36 mil. Já na última sexta-feira, o volume havia saltado para R$ 347 mil, levantando rumores de uso de informação privilegiada.
Na decisão, o juiz Mauro da Costa Braga argumenta: "a obtenção de lucros não pode se dar através de informação privilegiada, abalando a credibilidade do mercado de valores mobiliários". E ainda, que: "o princípio da transparência das informações completa-se com outro principio fundamental, segundo o qual as informações devem estar disponíveis a todos ao mesmo tempo".
É a primeira vez no país que uma ação judicial bloqueia papéis de uma transação no mercado de capitais por suspeita de vazamento de informação.
- A medida foi adotada exatamente para que, em se confirmando com as nossas investigações esta utilização de informação privilegiada, esses recursos não mudem de mão, dificultando a indenização dos investidores lesados, os que venderam na semana passada sem a informação privilegiada. Especialmente no que se refere ao fundo estrangeiro, em que os recursos podem sair do Brasil com facilidade - explicou o presidente da CVM, Marcelo Trindade.
A CVM passou a acompanhar a operação depois que as ações da Ipiranga chegaram a ter alta superior a 33% na sexta-feira, antes do anúncio da venda da empresa ao consórcio Petrobras-Braskem-Ultra, que só ocorreu na segunda. Divulgar informações confidenciais do mercado de financeiro é considerado crime federal.
A CVM tem um prazo de 90 dias para concluir o processo de investigação; é o período de validade da liminar emitida nesta quarta. Se for comprovada a negociação com informação privilegiada, a Comissão pode aplicar multa e exigir o afastamento dos agentes do mercado financeiro por até 20 anos.
- O Ministério Público Federal vai processar criminalmente as pessoas que tiverem atuado dessa maneira - completa Trindade.