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Startups

Da faculdade à mesa: a fome como grande motivação de novos negócios

Marco De Leon (E) e Rip Pruisken (D), empreendedores do segmento de alimentação (Foto: Rong Xu/NYT)

Há anos, estudantes universitários criam novos negócios sem sair da moradia estudantil. Ainda que o termo "empreendedor universitário" geralmente esteja ligado a empresas de alta tecnologia, uma nova geração de estudantes quer transformar o setor alimentício.

Esses empreendedores usam a ciência e o sabor para criar novos produtos. Embora se concentrem em produtos de baixa tecnologia, eles enfrentam desafios específicos, como o desperdício de alimentos e os regulamentos de segurança alimentar, explicam os especialistas.

"Abrir uma empresa de alimentação é muito mais difícil que criar, por exemplo, um aplicativo, já que os estudantes aprendem a programar na faculdade e podem testar as versões beta com possíveis clientes", afirmou Ricardo San Martin, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e diretor de um novo curso dedicado à criação de alternativas para a carne e os frutos do mar.

"Mas, no mercado alimentício, os estudantes precisam de espaço para cultivar legumes, têm de contratar pessoas para a cozinha e respeitar as regulamentações estaduais e federais. Também é necessário encontrar canais de distribuição e, acima de tudo, convencer as pessoas a consumir alimentos diferentes daqueles a que estão acostumadas."

Muitos empreendedores jovens preferem começar oferecendo lanches rápidos, afirmou Kara Nielsen, vice-presidente de tendências e marketing da CCD Innovation, em Emeryville, na Califórnia. Essa tendência ganhou força entre os millennials que, segundo ela, "estão sempre correndo e preferem comer coisas saudáveis".

A fome é uma grande motivação

O holandês Rip Pruisken sempre estava atrás de alguma coisa para comer quando estudava na Brown University. Quando ia para casa, voltava com um carregamento de stroopwafels, um biscoito recheado de caramelo muito popular na Holanda, mas que o jovem não encontrava para vender em Providence, Rhode Island, onde fica a universidade.

"Todo mundo me pedia e eu achava isso legal, mas não pensei a respeito até o terceiro ano do curso", contou Pruisken. Quando tinha uma folga nos estudos, o jovem experimentava diferentes receitas do biscoito.

Por meio de tentativa e erro, ele encontrou uma receita e uma consistência das quais gostou. Em 2008, começou a vender os doces no campus e encontrou um público fiel entre os estudantes esfomeados. A popularidade do biscoito serviu de incentivo para aumentar a produção. Ele alugou uma cozinha, obteve uma licença para produzir alimentos e desenvolveu uma embalagem.

Nove anos depois de se formar, Pruisken continua experimentando receitas diferentes ao lado do sócio e colega de faculdade Marco De Leon, incluindo a de um biscoito de 200 anos atrás. Eles também querem reduzir a quantidade de açúcar em seus produtos, mas sem perder o sabor. A empresa, chamada Rip Van Wafels, já não está limitada à Nova Inglaterra e agora é distribuída nacionalmente em muitas redes de supermercados.

Daniel Kurzrock e Jordan Schwartz também criaram uma guloseima, mas seu produto foi decorrente de um objetivo diferente: os dois começaram a fazer cerveja caseira em 2009, quando estavam no primeiro ano da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.

Entretanto, um problema incomodava os empresários: os dois foram criados com uma mentalidade sustentável e a fabricação caseira de cerveja é o contrário disso. "Usávamos meio quilo de grãos para fazer o equivalente a seis latas de cerveja. É muito desperdício", comentou Kurzrock.

A dupla buscou na internet maneiras de aproveitar o dreche, um termo usado para descrever o subproduto da fabricação cervejeira, e logo encontrou uma oportunidade de ganhar dinheiro com a produção de pães feitos com os resíduos de cereais.

"Não conseguíamos vender a cerveja, mas podíamos vender os produtos alimentícios feitos com os grãos e isso nos permitia fabricar cerveja sem gastar nada", afirmou Kurzrock.

Eles tentaram fazer e vender pães, mas o processo era demorado e o prazo de validade era curto. Segundo Kurzrock, depois de pesquisarem mais um pouco, começaram a fazer barras de cereal. Agora, quase 10 anos depois, resolveram mudar novamente e produzir farinha a partir desses grãos. A produção de cerveja ficou no passado; agora eles compram o dreche de cervejarias artesanais e estão terminando de construir seu primeiro centro de produção em Berkeley, na Califórnia, nos arredores de diversas cervejarias.

Segundo Nielsen, da CCD Helmsman, o caminho que trilharam corresponde a outra onda no setor alimentício: evitar o desperdício por meio da reutilização de subprodutos na fabricação de outros alimentos.

Novos desafios

Contudo, os empresários encontram outros desafios. A venda de alimentos em escala industrial é afetada por regulamentações estaduais e federais. Vários estados e municípios permitem a venda de alimentos caseiros, sobretudo em feiras livres e no comércio local, segundo dados compilados pelo site forrager.com. Mas o aumento da produção envolve regulamentações estaduais e federais mais complicadas.

A segurança alimentar também foi um fator relevante para a evolução da empresa, chamada ReGrained. Kurzrock descobriu que a Secretaria da Agricultura dos EUA (USDA( ajuda as empresas a encontrar soluções comerciais.

A coordenadora de pesquisa do Serviço de Pesquisa Agrícola, uma divisão do USDA, Tara McHugh, ajudou a ReGrained a encontrar uma maneira de secar o dreche de modo seguro, sem permitir o crescimento de mofo. McHugh conta que a pesquisa levou a um procedimento patenteado pelo USDA, com Kurzrock e Schwartz listados entre os inventores.

Grandes nomes do setor estão interessados na ReGrained. O Barilla Group, fabricante italiano de massas, formou recentemente um grupo de investimento chamado Blu1877, "com o objetivo de desenvolver novos ecossistemas alimentares que respeitem as pessoas e o planeta", afirmou um porta-voz por e-mail. Em setembro de 2018, a ReGrained recebeu US$ 2,5 milhões em investimentos iniciais do Blu1877, da Griffith Foods e de outros investidores.

O conceito de sustentabilidade que motivou os fundadores da ReGrained também inspirou Ben Simon, estudante da Universidade de Maryland. Ele se preocupava com a quantidade de comida descartada todas as noites pelo restaurante universitário. Certa vez, quando viu os funcionários levando embora porções de macarrão que não foram consumidas, ele percebeu que as cozinhas que fazem sopões e os abrigos para moradores de rua poderiam usar os alimentos que, do contrário, seriam jogados no lixo.

Simon convocou outros estudantes para pesquisar as leis de segurança alimentar, assim como as regulamentações locais. Uma lei federal de 1996 que protege doadores de alimentos foi fundamental para colocar o projeto em prática.

"Como nosso orçamento era limitado, embalávamos os alimentos com papel-alumínio e estudantes voluntários levavam tudo em seus próprios carros para diferentes sopões e abrigos para moradores de rua", contou Simon.

Com o passar do tempo, os estudantes firmaram parcerias com duas grandes prestadoras de serviços de alimentação – a Bon Appétit Management Company e a Sodexo –, que investiram no programa e ajudaram a criar regras de segurança alimentar para as doações. Essas diretrizes permitiram que os estudantes aumentassem o escopo do programa e criassem a Food Recovery Network.

Simon fundou um novo empreendimento, o Imperfect Produce, a partir da Food Recovery Network. Interessado em frutas e vegetais comestíveis, mas cuja aparência fosse imperfeita, o jovem abriu a empresa com Ben Chesler, um dos diretores da Food Recovery Network, com o objetivo de comprar os alimentos diretamente dos produtores e oferecê-los aos consumidores a preços reduzidos.

A Imperfect Produce e a ReGrained "são marcas focadas em missões específicas e que tentam fazer a diferença no mundo", afirmou Nielsen, acrescentando que um setor similar é o das "proteínas sustentáveis".

Uma das empresas desse tipo é a Prime Roots, que desenvolve um produto de origem vegetal que replica o sabor do hambúrguer de salmão. A fundadora e executiva-chefe, Kimberlie Le, conta que teve a ideia durante um curso sobre carnes alternativas, que ela fez em 2017 na Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Le e o sócio, Joshua Nixon, buscam criar alternativas para peixes provenientes de criadouros, cada vez mais considerados insustentáveis, assim como para peixes oriundos da pesca industrial, que podem ser afetados por plásticos e outros poluentes.

A Prime Roots usa cogumelos como base proteica. Para escolher o primeiro produto que chegará ao mercado, a empresa disponibilizou em seu site uma votação com diferentes tipos de substitutos para carnes e frutos do mar.

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